J.N.C.

Até já estou a ver os primeiros dias de setembro, cheios de informação bem calibrada sobre os projetos dos partidos e recheados de debate tão suculento quanto o interior do peru natalício…

por Rui Patrício

Bem sei que ainda estamos no rescaldo da Jornada Mundial da Juventude (J.M.J.), quando Portugal mostrou novamente novos mundos ao mundo. E, embora não tenhamos tido desta feita a pena de um Camões para cantar a gesta, tivemos mil câmaras a registar o mais leve pestanejar e outros mil comentadores a iluminar cada passo, cada esgar, cada aragem, cada sorriso, cada qualquer coisinha – e tudo setenta vezes sete. Por isso, nada tenho a acrescentar, nem a retirar. As minhas palavras hoje são sobre outra jornada, muito diferente, menos pop e menos alegre. Uma que anda um pouco esquecida, seja nas poucas brechas que a espuma dos dias deixa, seja na voz dos senadores e comentadores, incluindo os mais carrancudos e sempre zangados com o péssimo estado de tudo. Trata-se da jornada de revisão da Constituição da República, que já vem, aliás, de 2022. Pois é, a chamada Lei Fundamental está para ser mudada, e há propostas para todos os gostos (e muitas). Jornada nacional constitucional (J.N.C.). Em curso, tal como o processo revolucionário dos idos da década de setenta do século XX, que pariu a Constituição que – embora reformada e revista – ainda nos governa.

Não sabiam? Ainda vão a tempo, e certamente que haverá espaço e tempo para informação e debate a preceito e a contento, coisas que devem estar mesmo a começar, logo que acabem os fogos (que estiveram ‘suspensos’ durante a outra Jornada), e nos intervalos das vidas de verão e do pós-verão, e antes que recomece o espetáculo dos processos judiciais famosos e dos famosos, esse entretém tão insubstituível quanto emocionante (e barato, porque exige pouca produção e o décor e a narrativa são sempre os mesmos). Deve ser coisa certa, pelo menos, para a primeira quinzena de setembro, na rentrée, naquela modorra que faz de intervalo entre o remanso do estio e a queda das primeiras folhas, e enquanto esperamos pela consoada e pelo réveillon. Até já estou a ver os primeiros dias de setembro, cheios de informação bem calibrada sobre os projetos dos partidos e recheados de debate tão suculento quanto o interior do peru natalício.

E esses adivinhados informação e debate serão bons, e muito úteis, mesmo que os meus concidadãos não sejam todos como eu, um desconfiado que acredita na Lei e, em matéria de convivência entre pessoas, em poucas coisas mais, por muito bonitas e sonoras que sejam, como a moral, o sentir social, a natureza das coisas e outras coisas de semelhante, incerta e traiçoeira natureza. Só a Lei dá certeza e segurança, que, embora sejam apenas q.b. (porque dependemos sempre da bondade da interpretação de quem é a boca da Lei), são o melhor que se consegue arranjar (que eu saiba). E ainda melhores e mais úteis serão, se pensarmos que se trata da Lei das Leis, a fundamental, onde se trata de coisas como direitos, liberdades e garantias, direitos económicos, sociais e outros, organização política, organização económica, soberania e seus órgãos,

Ou seja, um assunto sério, porventura o mais sério de todos, embora aborrecido, claro. Mas façamos um esforço, olhemos para a coisa com a atenção e o tempo que merece. E, com isso, alcançaremos ainda outra utilidade: ficaremos a conhecer melhor o que são e o que pensam os partidos que temos e que podemos ou não escolher, pois os projetos de cada um (seja em geral seja sobre alguns pontos chave) são muito reveladores. E muito educativos, quer para o bem, quer para o mal. É, pois, isto o que se me oferece deixar sublinhado para o verão e, já agora, para o outono – a tarefa é longa e árdua. Cada qual, já se sabe, não escapa às suas preocupações e, sobretudo, chora pelo lado que lhe importa mais, como se diria na anedota brejeira das duas viúvas no cemitério.