O esquecimento do Papa

O indivíduo isolado não é nada. O Papa transmitiu aos jovens que o foram ouvir a ideia de que podem ser tudo; mas não lhes deu a receita que os poderá ajudar a consegui-lo. 

Em Oeiras, num local de grande visibilidade, foi colocado um outdoor gigante lembrando os abusos sexuais por membros da Igreja Católica.
A Câmara mandou-o retirar – e depois recolocou-o num local mais discreto. 
Fez mal: ou mantinha a decisão, ou não o tinha retirado.
Mas independentemente disto, o objetivo dos promotores do outdoor não era claro.
Quando no passado algum Presidente americano visitava Portugal, era habitual os militantes de esquerda escreverem nas paredes de Lisboa frases como: «Abaixo o imperialismo!».
Compreendia-se: sendo a América vista como a campeã do imperialismo, os esquerdistas queriam mostrar ao Presidente dos EUA o seu repúdio por essa política. 
Visavam atirar-lhe o imperialismo à cara. 
Mas, nesta situação, o que se pretende: atirar à cara do Papa Francisco os abusos sexuais praticados por eclesiásticos?
Mas ele não assumiu já esse pecado, pedindo constantemente perdão aos abusados?

A SIC aproveitou também este momento para fazer um programa sobre o assunto, levando ao estúdio vítimas de abusos (uma delas não deu a cara).

E a jornalista, a certa altura, perguntou-lhes: «Mas o que poderia a Igreja fazer mais?».

Nenhum deles disse nada.

Não se vê, de facto, o que poderá fazer mais a Igreja Católica neste caso.
O mal está feito, e não é possível voltar atrás.
E manda a verdade que se diga que não é um problema da Igreja Católica, nem sequer um problema desta sociedade: é um problema da natureza humana.
Os abusos sexuais de jovens vêm dos confins da História, têm-se verificado em todos os meios e em todas as geografias, e durante muito tempo nem sequer eram criminalizados.
Ao contrário da Inquisição, que foi um problema da Igreja, os abusos sexuais de crianças e adolescentes dizem respeito a homens de todas as condições – alguns dos quais são padres.

Ficou bem, no entanto, à Igreja pedir perdão.
Foi um ato de contrição e a tentativa de um recomeço.
Mas o que pretendem aqueles que continuam a bater na mesma tecla?
Visam a purificação da Igreja, a salvação da Igreja, ou a sua destruição? 
Os promotores do outdoor de Oeiras estavam preocupados com as vítimas dos abusos ou queriam simplesmente atacar a Igreja?
E os jornalistas que a toda a hora repetem notícias sobre o tema pretendem o quê?
Há quem veja na comunicação social uma agenda ideológica escondida, ditada por uma qualquer ‘central’.
Conheço bem o meio jornalístico e não vejo a questão assim.
Os jornalistas, de uma forma geral, não atuam a mando de nenhuma entidade. 
Simplesmente são de esquerda, na sua esmagadora maioria, e agem de acordo com essas convicções. 
Neste caso, ao insistirem nos abusos sexuais na Igreja Católica, atacam uma instituição que no seu juízo é conservadora – e que julgam ser seu dever amesquinhar.

Mas se a questão dos abusos foi amplamente focada – pela comunicação social e pelo próprio Papa – houve um tema do qual estranhamente não ouvi falar.
É certo que não ouvi todos os discursos do Papa nem todos os comentários.
Mas estranhei não haver qualquer referência a um tema que até há pouco era recorrente no discurso da Igreja Católica e dos seus representantes: a defesa da família e a desgraça da sua desagregação nas sociedades ocidentais.
A família é a célula-base da organização da sociedade – e a destruição das famílias equivale à multiplicação de células mortas num organismo vivo, que conduzirá inapelavelmente à sua aniquilação. 
Hoje já estamos quase aí.
Os abusos sexuais são terríveis e deixam marcas para toda a vida.
Mas quantas crianças são afetadas pelas más relações entre os pais, pelas cenas de insultos e pancadaria entre os pais, pela separação dos pais, obrigando-os a andar constantemente de casa em casa, sem poiso certo, estando hoje com um progenitor e amanhã com outro – quando não são repudiados por ambos? 
Quantos milhares ou milhões de crianças são hoje afetados por esta gangrena?

Ora, é estranho que o Papa não tenha feito qualquer referência a este tema – e, se a fez, não foi de um modo suficientemente audível. 
Falando a jovens que estão na idade do acasalamento e que em breve começarão a pensar em constituir família, era natural que o Papa Francisco falasse largamente do assunto.
Alertasse os jovens para os perigos que os esperam caso não consigam constituir famílias estáveis, fortes e saudáveis, que proporcionem felicidade aos seus membros e segurança aos filhos e dependentes.
Ouvi o Papa falar muito no indivíduo, na necessidade de cada um e de todos poderem realizar os seus sonhos, na igualdade dos homens independentemente da sua condição.
Mas não o ouvi falar da estrutura que dá a cada ser humano a possibilidade de ter uma infância feliz, que primeiro o integra na sociedade, que constitui a sua principal rede de assistência social, que melhor o pode ajudar na concretização dos seus anseios.

O indivíduo isolado não é nada. O Papa transmitiu aos jovens que o foram ouvir a ideia de que podem ser tudo; mas não lhes deu a receita que os poderá ajudar a consegui-lo. 
Talvez por estratégia, não falou na família.
Por ser um tema polémico. 
Mas se foi por isso, se o próprio Papa começar a fugir aos temas controversos, então a situação já estará bem pior do que imaginávamos.