Nos últimos dias, têm sido vários os incêndios que consomem diversos pontos de Portugal, mas o de Odemira foi aquele que mais preocupação gerou. E não por acaso: na totalidade, o fogo no distrito de Beja queimou 8400 hectares. Entrou em resolução na quarta-feira de manhã e a autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) aponta para 1114 operacionais no local, apoiados por 367 veículos e 16 meios aéreos.
«Estes dias foram um autêntico inferno. Ver o nosso concelho arder fez-me lembrar os incêndios de Pedrógão Grande e temi pela minha vida e a dos meus. Espero que quem tem interesses, como os incendiários, ponha a mão na consciência, nem que seja por um segundo, e perceba o sofrimento que provoca. Ver as chamas e estar tão perto delas deixou-me tão preocupada… Tenho quase 70 anos e nunca tinha estado tão perto do fogo», diz ao Nascer do SOL Maria das Neves, de 68 anos, indo ao encontro da perspetiva da sua amiga, da mesma idade, Joaquina. «Estou com muito medo porque já disseram na televisão que há um risco elevado de incêndio. Eu não sei aquilo que pode acontecer, mas imagino e isso deixa-me muito nervosa. Não quero que nada daquilo se repita», desabafa, referindo-se ao facto de que o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) colocou, esta quarta-feira, cerca de uma centena de concelhos do interior Norte e Centro em perigo máximo de incêndio.
Os concelhos em questão espalham-se entre os distritos de Bragança, Vila Real, Porto, Viseu, Guarda, Castelo Branco, Viseu, Coimbra, Santarém e Portalegre. O tempo quente não parece querer ir embora do interior, havendo apenas uma descida no litoral Centro e Norte, exceto no nordeste transmontano, e uma pequena subida da temperatura máxima no Algarve. Por sua vez, em perigo muito elevado estão cerca de 50 concelhos dos distritos de Faro, Portalegre, Castelo Branco, Santarém, Leiria, Coimbra, Aveiro, Porto, Vila Real, Braga e Viana do Castelo. Já em perigo elevado estão outros 60 concelhos dos distritos de Faro, Beja, Évora, Portalegre, Santarém, Lisboa, Leiria, Aveiro, Porto, Braga e Viana do Castelo.
Testemunhos como o de Maria das Neves e de Joaquina também podem ser encontrados nos grupos de Facebook do concelho de Odemira, onde os habitantes partilham aquilo que pensam e sentem. «Não sabemos quem ganha… mas sabemos quem perde… O país… O nosso Alentejo e alguns Alentejanos… Todos os anos assistimos a esta desgraça… ou numa zona ou noutra… Ouve-se falar na indústria do fogo… afinal quem são os administradores… os chefes… os empregados… etc., etc., etc.», lê-se num comentário, a título de exemplo, em resposta à publicação ‘É de lamentar o nosso concelho estar a ser consumido pelas chamas’.
Para além de Odemira, outro foco de incêndios foi a Caranguejeira, em Leiria. Por isso mesmo, o vereador da Proteção Civil da Câmara de Leiria afirmou, esta segunda-feira, que os fogos na zona da Caranguejeira «não são obra do acaso» e apelou à população para estar atenta e colaborar com as autoridades. «Não estamos convencidos que seja obra do caso e, como tal, apelamos mais uma vez a que estejam atentos [população] e que colaborem com qualquer informação que possa ser útil, para que o processo de investigação seja também mais célere», sublinhou Luís Lopes.
O autarca destacou a «frequência de incêndios» na região e deixou a garantia de que os municípios de Ourém e de Leiria, assim como as autoridades, se vão manter atentos. «Aquilo que pedimos é que todos se mantenham atentos, que colaborem com as forças de segurança que vão manter-se no terreno, com os bombeiros e, acima de tudo, que se mantenham vigilantes e também nos ajudem a vigiar o território e a salvaguardar o património de todos, porque sabemos perfeitamente que os próximos dias serão complexos», apelou o vereador de Leiria, acrescentando que «não existe nenhuma pessoa referenciada» ou «indícios de chegar a uma conclusão». Já o comandante sub-regional de Emergência e Proteção Civil de Leiria também defendeu que o número de ocorrências nesta zona do território nos últimos dias é um «aspeto que é anormal». Trata-se de «uma situação que consideramos que requer alguma investigação e algum cuidado por parte das entidades competentes», afirmou, sublinhando que o «comportamento humano tem tido consequências muito más». «Relembro que estas duas ocorrências, quer na Caranguejeira quer no Arrabal, começaram exatamente à mesma hora. Como dizia o senhor vereador, certamente não foi obra do acaso», acrescentou.
Apesar disto, o ministro da Administração Interna revelou que «para já» não vai ser declarada a situação de alerta devido aos incêndios rurais. «Quer pela resposta do dispositivo, quer pelo número de incêndios, quer pela alteração que parece ser positiva do movimento dos ventos e também porque tem havido, de ontem [domingo] para hoje, uma relativa reposição da humanidade noturna, para já não vai ser determinada a situação de alerta», anunciou aos jornalistas José Luís Carneiro.
O ministro considerou ainda que os meios e o dispositivo de combate aos fogos «está mostrar eficiência» neste momento, disse após ter sido feito um balanço da operação de segurança da Jornada Mundial da Juventude (JMJ). «O dispositivo está a conseguir demonstrar capacidade na resposta aos incêndios, apesar de termos tido dois grandes incêndios e de maior dimensão de área ardida», afirmou, referindo-se aos fogos em Proença-a-Nova (Castelo Branco) e Ourém (Santarém).
No domingo, a secretária de Estado da Proteção Civil afirmou que Governo estava a ponderar declarar situação de alerta devido ao elevado perigo de incêndios rurais nos próximos dias, em que se prevê um quadro meteorológico «complexo».