Alejandro Aravena, autor da segunda fase da sede da EDP, esteve alguns dias em Lisboa em julho, e diz que há de regressar com as filhas. Elogia a luz da cidade e as pessoas – considera que os portugueses e os chilenos são parecidos. Descreve os seus compatriotas como «melancólicos», ao contrário de outros povos da América Latina, e conclui com uma frase que se ouve frequentemente em Portugal: «Somos um país de poetas». O primeiro que nos ocorre é Pablo Neruda, claro, mas há muitos outros nomes, como Gabriela Mistral ou Pedro Lastra.
Depois da entrevista na anterior edição do Nascer do SOL, publicamos agora as respostas de Alejandro Aravena às questões colocadas pelo público durante uma palestra no auditório do ateliê Saraiva + Associados. Uma verdadeira lição de arquitetura e humanismo, onde se falou sobre habitação, desigualdades, autoestima e os riscos de só trabalhar atrás da secretária.
‘Se formos preguiçosos, o nosso trabalho não vale nada’
«O leque de projetos que fazemos no nosso ateliê vai desde infraestruturas para melhoria dos bairros de lata – aquilo a que chamamos USB, Unidade de Serviços Básicos – à encomenda para um novo museu no Qatar. Temos muito cuidado para manter esse leque o mais amplo possível porque há uma polinização cruzada entre estes dois extremos. Por um lado, quando fazemos habitação social, aprendemos a ser extremamente precisos. Não há margem para falhar. Só temos direito a um prego, um martelo e uma pancada. Esse nível de precisão, ou irredutibilidade – daí o nome Elemental -, é algo que queremos usar quando estamos a trabalhar com um grande orçamento, porque ao retirarmos o supérfluo estamos a preparar o edifício para resistir melhor ao teste do tempo. Por outro lado, quanto mais escassos os recursos, maior a necessidade de riqueza de significado. Aqui o risco é o oposto: a riqueza dos recursos pode levar à escassez de significado. Trabalhar com materiais muito caros é difícil porque se formos preguiçosos e usarmos esses materiais como o valor acrescentado, isso significa que o nosso trabalho não vale nada».
‘Nas periferias, a lei da selva substituiu o Estado de Direito’
«Não há dúvida de que temos de construir maciçamente. Com um milhão de pessoas por semana a chegar às cidades não temos alternativa. O que não podemos é fazê-lo de uma forma incapaz de se ajustar à enorme diversidade das famílias – uma pode querer ter mais filhos, a outra pode querer fazer um negócio em casa, a outra tem animais… É uma realidade tão diversificada que não podemos pretender usar uma única ferramenta, porque se eu quiser usar um martelo para apertar um parafuso vou ter um problema. Há poucos temas consensuais no Chile, mas a habitação é um deles. Num país com aproximadamente o dobro do tamanho de Portugal – uma população de cerca de 20 milhões -, precisamos de 650 mil unidades de habitação. Diria que a explosão social de 2019 [marcada por enormes protestos, alguns dos quais violentos, que resultaram em 30 mortos] tem uma relação direta com as cidades e a habitação que criámos nas últimas décadas. Em Santiago, uma cidade com sete milhões de habitantes, uma pessoa acorda no Terceiro Mundo e apanha um transporte que leva horas – ou seja, polui imenso e perde imenso tempo – para chegar às oportunidades que a cidade oferece – de trabalho, de educação, comerciais. Portanto a pessoa acorda no Terceiro Mundo, passa o dia no Primeiro Mundo e ao anoitecer regressa ao Terceiro Mundo. Não admira a carga de raiva e ressentimento que esta experiência diária provoca. O problema do Chile não é a pobreza, é a desigualdade. E isso é válido para todo o mundo. Se olharmos para o que aconteceu recentemente em França [quando a morte de um jovem pela polícia desencadeou motins por todo o país], não encontramos proporcionalidade entre o acontecimento que desencadeou a explosão e a reação popular. Isto deve-se à raiva e ressentimento acumulados nas cidades. As desigualdades não são apenas números numa folha de cálculo, são algo que se vive todos os dias. E eu diria até que o que se passou no Chile pode ser encarado como uma experiência antecipatória do que vai acontecer na Europa. A menos que façamos alguma coisa, é muito provável que em breve as desigualdades – de natureza económica, religiosa, cultural, dos imigrantes, etc. – tenham consequências. Mas no caso do Chile o problema não é apenas acordar no Terceiro Mundo, ir para o Primeiro Mundo e voltar. O verdadeiro problema é que nessas periferias criadas pela política de habitação, como não foram tomadas medidas, a lei da selva substituiu o Estado de Direito. O que acontece nos sítios onde o Estado não chega? Os narcos assumem o controlo. A partir daí criou-se um estado paralelo e os problemas tornam-se muito mais difíceis de resolver. Se não respondermos de forma rápida e massificada, mais do que termos habitação desadequada, temos o risco da informalidade, e as regras de jogo mudam completamente. Sair daí é muito mais complicado. Por isso, repito: temos a pressão para construir maciçamente e depressa, mas isso não significa que tenhamos de criar um tipo de cidade – como se fez na reconstrução da Europa depois da II Guerra Mundial – que já sabemos que teremos de demolir daqui a algum tempo. Na semana passada fiz um vídeo de um minuto para a Fundação Norman Foster em que tinha de responder à pergunta: como podemos construir cidades sustentáveis para mais dois mil milhões de pessoas quando não há tempo nem dinheiro suficientes? Esse é o grande desafio. Para o superar, vamos precisar de todo o conhecimento que conseguirmos reunir, e de mentes brilhantes. E essas não estão necessariamente no campo da construção: vão para a área financeira, para a biotecnologia, para o estudo da inteligência artificial. E é consensual que estas questões precisam não de caridade mas de qualidade profissional. A habitação tende a ser algo que é feito com uma espécie de peso na consciência, e que como é para os pobres tem de ser feito de graça. Não, precisamos de qualidade. É uma questão que exige mérito intelectual. E quantos mais profissionais de diferentes campos do conhecimento conseguirmos trazer para esta discussão, mais hipóteses temos de dar resposta a uma das questões mais urgentes da atualidade».
‘A diversidade começa na segunda metade da casa’
«Quando há dinheiro, construímos em média 80 metros quadrados para uma família de classe média. Isto é válido tanto para a Escandinávia como para o Chile ou Portugal: todos nós conseguimos viver razoavelmente bem em 80 metros quadrados. O que acontece quando não há dinheiro? O que os mercados fazem é reduzir e deslocar. Compra-se terra onde ela não vale nada e constrói-se uma casa de 40 metros quadrados – que é entendida como a mesma casa, mas em ponto pequeno. Na Elemental, desde o primeiro dia, em vez de seguirmos este caminho, dissemos: ‘Por que não pensamos nos 40 metros quadrados como metade de uma boa casa de classe média que não podemos pagar com financiamento público?’. Quando mudamos de uma casa pequena para metade de uma casa boa, a questão que se coloca é qual das metades construir. E decidimos avançar com a metade da casa que é mais difícil para as famílias construir. Isso é quase a definição de uma política pública: tratar dos aspetos que individualmente as pessoas têm mais dificuldade em realizar. Depois do terramoto de 2010 no Chile, tínhamos dinheiro para construir 42 metros quadrados e pusemos um telhado sobre o vazio dos outros 42. Este esquema permitia-nos avançar mais depressa, porque nos permitia distribuir os recursos de forma mais eficiente. Na verdade, a primeira metade da casa tende a ser universal. Toda a gente precisa de uma cozinha, de uma casa de banho e de uma divisão para dormir, comer, estar. A diversidade começa na segunda metade. Às vezes são vários quartos de dormir, outras vezes um escritório ou oficina, outras vezes um espaço exterior para animais. Por isso, no problema de não termos dinheiro suficiente estava a solução para a monotonia do movimento moderno. Noutro projeto que fizemos no Sul do Chile, havia um desenho de um miúdo com uma seta e dizia: ‘Esta parte la va a hacer mi papá’. Para mim, esse desenho representa a dimensão da autoestima, do orgulho. Uma das coisas que me dizem muitas vezes nas oficinas de design participativo é: ‘Já nos dão quase tudo de graça: a água, a comida, a roupa. Como é que vamos explicar aos meus filhos que também valemos alguma coisa, que podem sentir-se orgulhosos de nós?’. Ao criarmos, por força da necessidade, um sistema aberto para ser completado pelas pessoas, esse sentimento de orgulho veio ao de cima. E hoje, mesmo que tivéssemos dinheiro para fazer a casa toda, manteríamos este sistema que vai sendo completado ao longo do tempo. Isto não é nada de novo, é como um loft, uma estrutura aberta em que nós fornecemos a parte técnica, que é a mais difícil. As divisões internas ficam a cargo de quem lá vive. Podem ter filhos, mas se os filhos crescem e saem de casa não precisam de ficar com quartos que já não são necessários. A necessidade fez com que tivéssemos uma abordagem de senso comum, por um lado, e iconoclasta, de guerra contra o cliché, por outro. Quando conseguimos equilibrar estas duas coisas, torna-se mais provável que surjam novas soluções».
‘A Europa é vítima do seu próprio sucesso’
«A emergência da habitação, em particular nos países desenvolvidos, é como quando aparece uma doença que achávamos que estava erradicada. Pensemos na malária. Não há malária em Portugal. Por isso não têm as ferramentas nem os procedimentos necessários para a combater. Se de repente a malária chegar cá, estão tramados, porque não estavam preparados. Pensavam que era um problema do passado, mas ele voltou. Se forem a países que têm malária, eles sabem o que fazer, têm os instrumentos necessários. A Europa, nesse sentido, é vítima do seu próprio sucesso. Criou uma tal quantidade de regulamentos para garantir um mínimo de qualidade que agora que está sob pressão se encontra encurralada. Estive em Milão na semana passada e vi estudantes acampados em tendas no exterior do Politecnico e nas praças porque não têm dinheiro para pagar uma casa. E o que começou no Politecnico em maio alastrou a todas as universidades em Itália. Se eu fosse italiano ficaria preocupado, porque esta acumulação de pressão reflete a incapacidade de uma sociedade para proporcionar uma integração adequada na rede de oportunidades. Aqueles estudantes podiam ter ficado em casa dos pais, mas quiseram ir para a cidade porque lhes oferecia oportunidades de estudo, de trabalho em rede, de cultura, e foram segregados. Mais: o Politecnico tinha uma oferta de emprego para um responsável de tecnologias de informação e o salário para esse cargo não permite ter um apartamento em Milão. Por isso o lugar está vago há dois meses. Quando as pessoas não podem fazer o seu trabalho porque não se criou espaço residencial suficiente na cidade temos uma crise das grandes. Alguma coisa tem de ser feita. O quê exatamente? Não sei, mas pode dar-se o caso de a solução não vir dos países do Primeiro Mundo, mas dos países em desenvolvimento, que têm este conhecimento que o Ocidente perdeu entretanto».
‘A propriedade é um instrumento de sobrevivência’
«Não há só uma abordagem possível. As políticas orientadas para a propriedade são uma coisa, as rendas controladas são outra e a habitação incremental outra ainda. Há muitas estratégias que podem ser seguidas porque a natureza do desafio muda de sítio para sítio. Há coisa de um mês estive à conversa com Summaya Vally [arquiteta sul-africana muçulmana] para a Al-Jazeera de Londres, e ela contava-me como sempre estranhou a baixa densidade nas periferias de Joanesburgo. E descobriu, quando estava a fazer a tese de doutoramento, que na cultura daquelas pessoas, os antepassados, quando morrem, vão para cima. E a partir do momento em que se constrói mais um andar, bloqueia-se a ligação aos antepassados. Estão condenados a viver em bairros planos, extensos, de baixa densidade, por causa da sua cultura. Não se trata de apenas uma questão de funcionalidade, de eficiência ou económica, mas de cultura. E temos de a incluir na nossa equação. Dito isto, por que não temos rendas controladas no Chile? Também em Joanesburgo vi um sítio onde teve de se adoptar uma política policial para garantir que o Estado recupera as casas. Estamos a falar de um edifício icónico da cidade [Ponte Tower], que já foi um dos lugares mais perigosos do mundo e depois foi reabilitado. Um sítio incrível. Para entrares, tens de pôr lá a tua impressão digital. Se tiveres pago a mensalidade do elevador, da recolha do lixo, da manutenção, tudo bem. Se não tiveres pago, não podes entrar. Para garantir que toda a gente se vai comportar como deve ser, teve de se implementar um estado policial numa política de habitação. Agora imaginem a seguinte situação. Uma pessoa consegue uma renda controlada e vai para lá com os filhos. Os filhos crescem e saem de casa. A pessoa morre. Os filhos não vão querer perder a casa, e voltam com os filhos deles. Quem é que vai conseguir tirá-los de lá? Ficamos com uma crise política nas mãos. Não estou a ver uma forma pacífica de recuperar as casas. Quando as hipóteses de ter uma casa daquelas com renda controlada são próximas de zero, se eu conseguir uma, vou-me acorrentar a ela e nunca mais saio de lá. A questão da propriedade varia consoante as culturas. Isto tem sido debatido nas oficinas participativas no Chile. Às vezes a discussão torna-se mais ideológica, dizem que a noção de propriedade é neoliberal, capitalista, etc., e não é essa a direção que devemos seguir. Quando falamos com as famílias, e isto não é trabalho atrás da secretária, passa-se na rua, o que é que elas nos dizem? O modelo no Chile era prometer às pessoas que se trabalhassem no duro e seguissem as regras as vidas delas iam melhorar. E isso não aconteceu. A reação é: ‘Não sei qual vai ser o futuro do meu filho. O ensino público não presta, por isso não lhe garante um bom emprego’. E ouvimos vezes sem conta: ‘Vou poder deixar isto aos meus filhos. Fico mais descansado porque sei que assim…’ – a expressão que usam é ‘no tener donde cair-se muerto’. Esta discussão sobre a propriedade não é política, não é ideológica. É um instrumento de sobrevivência que dá algum grau de certeza numa sociedade onde a incerteza está por toda a parte. Por isso eu faria duas coisas. Primeira, eliminar a ideologia da discussão, e basear-me tanto quanto possível em factos e evidências. Segunda, usar o mínimo conhecimento de secretária e o máximo conhecimento de rua possível, porque a realidade é outra coisa. E toda esta discussão muito moderna à volta da política resulta de não termos experiência de rua suficiente».
‘O que temos de desenhar agora é o vazio’
«Há cinco condições a preencher para que as unidades de habitação aumentem de valor ao longo do tempo. A primeira é a localização. A segunda é o urbanismo. A partir do momento em que desenhamos as ruas, as praças, os parques, é muito pouco provável que uma família sozinha consiga mudar isso. A propósito, eu usaria o rácio de um para um. Em Manhattan, para cada metro quadrado de propriedade privada há um metro quadrado de espaço público – ruas, calçadas, parques, praças, o passeio ao longo do rio. Num bairro de lata, esse rácio cai para menos de um para dez. Para cada metro quadrado de espaço público há dez metros quadrados de espaço privado, o que resulta em becos estreitos onde não passam as ambulâncias nem os carros de bombeiros. Não há coordenação das ações individuais. Por isso, para a cidade do futuro, o mais importante é o que não vamos construir. O que temos de desenhar agora é o vazio. Mas é um pouco mais complexo do que isso. Estivemos agora no Norte do Chile no sítio onde fizemos o nosso primeiro projeto. Os residentes não querem ter as suas casas perto de praças porque é nas praças que os traficantes se juntam, e fazem ruído. O paradigma mudou. Antes as pessoas que tinham uma casa a dar para a praça consideravam-se umas sortudas, agora se puderem evitam. Também percebemos, nestes últimos 20 anos, que o tecido urbano tende a ser binário. O espaço ou é público ou é privado. O que fizemos foi introduzir entre eles o espaço coletivo. Será uma nova tendência? Precisamente o contrário. Há evidências de que ao longo da história humana esta foi a forma de organização espontânea. As tribos nómadas movimentam-se em números de cerca de 150 elementos. O tamanho do cérebro humano resulta da quantidade de relações que conseguimos juntar, que são 150. Um pelotão do exército tem 150 homens. Quando descobrimos esse modo de vida coletivo e o traduzimos para o espaço, as hipóteses de os consensos coletivos serem respeitados aumentam. E isto pode ser uma questão de sobrevivência. Uma pessoa sozinha não se consegue defender de um traficante. Mas quando está inserida numa comunidade de 150 pessoas essa probabilidade aumenta. Um aparte: quando estudamos o Islão, percebemos que a noção de família nuclear não faz sentido. Têm uma família alargada, que inclui primos, tios, avós, e forma uma rede. Quando os jovens pais precisam de ir trabalhar, deixam os filhos com os avós. Essas famílias, se iam para uma casa de habitação social na periferia, essa rede colapsava. Um dos pais tinha de ficar em casa a tomar conta dos filhos e o seu rendimento caía para metade e tinham de voltar para junto da família. Isso fez com que 20% dessas unidades de habitação ficassem ao abandono, o que representou um enorme desperdício de recursos públicos. O equivalente dessa escala de associação intermédia são espaços coletivos de 20 a 30 famílias. Num município pobre, se alguém plantar uma árvore, na manhã seguinte ela já foi vandalizada. Mas num pátio que pertence a um grupo de famílias, se esse grupo decidir plantar ali árvores, no dia seguinte as árvores continuam lá. Ou uma piscina insuflável. Uma pessoa sozinha não tem dinheiro para comprar uma piscina, e mesmo que tivesse o seu lote é tão pequeno que a piscina não cabe lá. Se a puser na rua, desaparece. Mas nestes pátios coletivos, juntam o dinheiro e ficam com uma piscina partilhada para o verão. É qualidade de vida, baixa os níveis de ressentimento, as pessoas sabem que os filhos estão a brincar num ambiente seguro. Nós, arquitetos, podemos contribuir para isso ao traduzir para o território essa escala intermédia que hoje não existe. No primeiro projeto que fizemos em Quique, no norte do Chile, havia um grupo de cem famílias que vivia em 5 mil metros quadrados, meio hectare, no centro da cidade. E havia a ideia de as mandar para o sítio para onde iam os pobres naquela altura – isto em 2003. Mas nós queríamos mantê-las na cidade. O problema era que os terrenos no centro custavam três vezes mais – o que ia consumir todo o dinheiro que tínhamos, e não sobrava nada para as infraestruturas nem para a própria casa. Mas se atingíssemos a densidade suficiente talvez conseguíssemos acomodar as cem famílias. A nossa primeira proposta era colocar as casas à volta de um grande espaço, com um campo de futebol no meio. Pensávamos que íamos arrasar. Sabem o que nos disseram? ‘Obrigado pela proposta, mas nós não somos 100 famílias. Só nos juntámos para pressionar o Ministério da Habitação’. Acabámos por perceber que se subdividiam em quatro grupos e fizemos uma proposta de quatro pátios com vinte e tal famílias em cada um. Esse projeto no início tinha questões muito complicadas. Havia uma espécie de labirinto que era perfeito para o tráfico de droga porque permitia aos traficantes fugirem por sítios que só eles conheciam. Quando apresentámos a proposta inicial para cem famílias, disseram-nos que, com um acesso em cada lado da rua, não sabiam se algumas pessoas iam duplicar as chaves e dá-las a familiares ou amigos. Às tantas já não saberiam quem lá estava. A partir do momento em que esse número desce para vinte e tal famílias, passamos a saber quem é quem. Encontras o teu vizinho na rua e podes dizer-lhe: ‘Tens a mensalidade em atraso’ ou ‘deixaste o carro mal estacionado’. Se introduzirmos esta escala de associação intermédia entre o público e o privado, essa espécie de contrato social tem mais hipóteses de ser respeitada».