Em jeito de fait divers estival, soube-se de uma orientação no sentido do atendimento presencial, em algumas repartições de Finanças, estar sujeito a marcação prévia!…
Antes desta originalidade – supostamente baseada numa norma de 2014, mas que só começou a vigorar durante a pandemia – a administração fiscal já tinha ensaiado, à sorrelfa, outro esquema que apanhou desprevenida muita gente.
Há poucos meses, por exemplo, na Loja do Cidadão, na Luz, o balcão tributário só atendia pagamentos de contribuintes em dias alternados e num horário restrito à tarde. Pasme-se!…
Tratava-se, afinal, de uma espécie de ‘balão de ensaio’ para esta nova modalidade agora aplicada.
Por estranho que pareça, apenas o PCP reagiu ao desrespeito pelo contribuinte, a pretexto da ‘cega-rega’ da falta de pessoal, ficando os demais partidos da oposição em silêncio como se fosse um não acontecimento. E não é.
De facto, nunca o aparelho administrativo do Estado contou com tantos efetivos. São quase 800 mil funcionários, o dobro dos servidores do Estado em 74, quando não havia serviços informatizados.
O que faz tanta gente, quando boa parte do que dantes era processado à mão é hoje trabalho do cidadão que perde horas no computador a substituir-se a quem descobriu a ‘beleza’ do teletrabalho?…
Note-se que desde que o primeiro governo socialista tomou posse, com a demagógica reposição das 35 horas na função pública, os quadros foram reforçados em perto de 80 mil pessoas. Para quê?…
Obrigar o contribuinte a marcação prévia para atendimento presencial – ou sujeitá-lo a horários caprichosos e restritivos de funcionamento -, ilustra o descalabro em vigor, que deveria incomodar o ministro das Finanças, Fernando Medina, e quem mais esteja a dar cobertura a esta desfaçatez.
Quanto mais funcionários, pior é o serviço prestado ao cidadão – sujeito a um «esbulho fiscal», como definiu e bem, Luís Montenegro, na rentrée do PSD no Pontal, ao ‘apontar o dedo’ a António Costa como «o campeão dos impostos».
É imperdoável que uma administração obesa, cujas estruturas sindicais se entretém a convocar greves ‘a torto e a direito’, seja tão indiferente às necessidades do cidadão, multiplicando os regimes de trabalho em casa e as baixas frequentes, com a cumplicidade da hierarquia e o encolher de ombros de governantes.
A ‘balda’ é moeda corrente e só não vê quem não quer, repercutindo-se, obviamente, a vários níveis, desde a Saúde, à Educação ou à Justiça. Só faltava a expressão caricata na administração fiscal.
E não se avista quem ponha cobro à paródia irresponsável. Entendamo-nos: os balcões de atendimento dos serviços públicos, devem funcionar, diariamente, num horário razoável e acessível ao cidadão.
Organizem-se, transfiram pessoal de onde é excedentário para onde faz falta, e acabe-se com a estafada farsa da escassez de recursos humanos.
Onde não há ‘marcação prévia’ que valha é nos cuidados de saúde a cargo do SNS, prestados com meses de atraso. E nem vale a pena falar nas cirurgias, nas urgências, ou nos blocos de partos…
Enquanto o ministro da Saúde se pavoneia, à falta de melhor, a manifestar, publicamente, o seu apoio à recandidatura do ‘eterno’ Pinto da Costa à frente do FC Porto – seguindo, aliás, o mau exemplo de António Costa, ao integrar a ‘comissão de honra’ de Filipe Vieira no Benfica -, o diretor executivo do SNS (um médico e gestor hospitalar prestigiado, que caiu na esparrela de ser o ‘escudo protetor’ do ministro), ainda nem viu aprovada a sua estrutura funcional passado um ano.
Não lhe faltarão, talvez, razões de arrependimento, perante um ministro que não aprendeu nada, e se envolve na relação promíscua entre a política o futebol, cujo exemplo maior foi dado, recentemente, pelo primeiro-ministro, ao forçar a interrupção do Conselho de Estado, porque tinha o avião à espera para dar um salto à Nova Zelândia, com a patriótica e inadiável missão de assistir à exibição da Seleção feminina de futebol!…
Se o Ensino público e a Justiça estão no estado deplorável que se sabe, então a Saúde transformou-se numa espécie de lotaria, onde nunca se sabe qual é o hospital público com a urgência aberta!…
Entre ‘marcações prévias’, longas listas de espera nos hospitais e o exuberante teletrabalho herdado da pandemia, não falta criatividade ao funcionalismo.
Sem um plano de contingência a sério não passaremos dos expedientes de fancaria, remediando aqui para destapar acolá.
Nota em rodapé: a pretexto da ideia de atribuir o nome de D. Manuel Clemente à nova ponte do Trancão, os radicais do costume, à esquerda e à direita, respiraram fundo, depois da ‘dieta’ forçada pelo sucesso da JMJ. E não tardaram as petições. Valeu a sensatez do ainda Patriarca de Lisboa, ao declinar a homenagem, esvaziando a polémica. E fez muito bem.