Por João Sena
Praticamente um ano e meio depois de ter dado ordem para invadir a Ucrânia, o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, deve ter sorrido com a afirmação de Stian Jenssen, chefe de gabinete do secretário-geral da aliança transatlântica, que encontrou a solução para a entrada dos ucranianos na NATO. «Acho que uma solução pode ser a Ucrânia ceder território e receber a adesão à NATO em troca. É uma solução possível», disse Jenssen no decorrer de um fórum, na Noruega. A afirmação foi prontamente corrigida por um porta-voz da organização, que afirmou que «a posição da NATO é clara e permanece inalterada». Mas fica a dúvida: terá sido um descuido monumental de uma segunda figura da organização ou há realmente quem pense assim entre os estados-membros? Essa pode bem ser uma visão para acabar com a guerra na Ucrânia, embora ninguém o admita abertamente.
O episódio causou grande insatisfação em Kiev, com Mykhailo Podolyak, conselheiro presidencial ucraniano, a dar uma resposta bastante dura: «Trocar território por um guarda-chuva da NATO? É ridículo. Isso significa escolher deliberadamente a derrota da democracia, encorajar um criminoso global, preservar o regime russo, destruir o direito internacional e passar a guerra para outras gerações». Podolyak questionou por que está a ser proposto um cenário «desejado» por Moscovo em vez de «acelerar» o fornecimento de armas a Kiev.
Mais destruição
Continuam os ataques da federação russa aos portos na região de Odessa e a zonas residenciais de várias cidades ucranianas, incluindo Lviv. O Presidente Zelensky voltou a afirmar que os bombardeamentos russos aos silos de cereais constituem um ataque à segurança alimentar mundial e que nenhum terrorista, exceto a Rússia, ameaçou tantas nações ao mesmo tempo. «Cada ataque a esses portos é um golpe no preço dos alimentos, na estabilidade social e política em África e na Ásia», declarou o Presidente ucraniano. «Precisamos de responder e neutralizar isso com esforços conjuntos», adiantou. A diplomacia norte-americana já reagiu aos recentes ataques russos. Vladimir Putin, afirmou o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Vedant Patel, «não se preocupa com a segurança alimentar global».
No meio dos bombardeamentos diários, a Ucrânia anunciou a saída do primeiro cargueiro comercial do porto de Odessa pela nova rota no Mar Negro, desafiando a Rússia, que ameaçou atacar estes navios depois de ter abandonado o acordo para a exportação de cereais ucranianos.
Mudança de estratégia
Na linha da frente, a contraofensiva ucraniana progride de forma lenta, e tem sido travada pelas linhas de defesa erigidas pelas tropas russas ao longo de 900 quilómetros, naquilo que alguns analistas militares norte-americanos consideram ser um dos grandes sistemas defensivos da Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Embora tenha havido alguns progressos no terreno, o espectro de uma guerra longa começa a instalar-se entre as tropas de Kiev. Sem aviação moderna – está confirmado que a Ucrânia não vai receber os caças F-16 este ano -, os responsáveis militares ucranianos estão preparados para adotar uma estratégia mais conservadora na conquista do território ocupado pelos russos e repor as fronteiras, pouco importa o tempo que seja necessário. O próprio Presidente Zelensky reconheceu: «A contra-ofensiva é difícil. O progresso é mais lento do que alguns gostariam ou imaginavam».