Vaticano. Papa arranja ‘equipa’ para todos

O Papa tem seguido o conselho de alguns progressistas e tratou de aumentar o Colégio eleitor, que o ajudará a fazer as transformações que pretende, além de assegurar que o próximo Papa seguirá a mesma linha.

Por mais voltas que se queiram dar, há uma verdade inquestionável e que se cola ao Papa Francisco desde o dia em que o seu nome foi anunciado nas janelas do Vaticano, a 13 de março de 2013: a necessidade imperiosa de nomear cardeais que sigam os seus mandamentos, apesar de ter escolhido alguns bem contrários ao seu pensamento, como é o caso de Gerhard Ludwig Mulher, que foi escolhido no primeiro consistório do novo Papa, em 22 de fevereiro de 2014, à semelhança de outros 13 nomes.

No fundo, Francisco teve oportunidade, ao longo dos 10 anos de pontificado, de escolher – contando com os 18 novos cardeais que o serão a partir de 30 de setembro – 99 eleitores que poderão votar no futuro Santo Pontífice, e que deverão, em princípio, dar seguimento à sua máxima de que «a Igreja está chamada a sair de si mesma e ir às periferias, não só às geográficas, mas também às periferias existenciais: as do mistério do pecado, da dor, da injustiça, da ignorância e prescindência religiosa, do pensamento, de toda miséria», como dizia em 2013. 

A força de Portugal

Na senda de ir para as periferias geográficas, e não só, Francisco vai ter 137 eleitores no Colégio eleitor que num futuro Coclave, como já se disse, irão eleger o novo Papa. Percebe-se que a Europa perde força no futuro consistório de setembro, mas Portugal cresce com a nomeação de Américo Aguiar, passando a ter quatro eleitores – os outros são D. Manuel Clemente, D. António Marto e D. Tolentino de Mendonça. «É uma coisa surpreendente. De repente, temos seis cardeais, dos quais quatro eleitores, e, provavelmente, um sétimo, no caso de o Papa continuar a inovar e nomear D. Rui Valério, o novo patriarca de Lisboa, cardeal. É claro que, para isso acontecer, Francisco terá de ‘rasgar’ mais uma das leis do Vaticano, mas com este Papa nunca se sabe», diz ao Nascer do SOL fonte eclesiástica. «Quando a Europa perde cardeais, os portugueses vão em sentido contrário inesperadamente ou surpreendentemente, porque realmente há um crescimento e a dinâmica dos últimos anos não tem sido essa. Os cardeais são sempre uma escolha pessoal do Papa. Eventualmente, há algum tipo de justificação que tem que ver com o reconhecimento pelo trabalho efetuado no passado», acrescenta a mesma fonte.

E aqui não deixa de ser notório o aumento da influência de D. Tolentino Mendonça, o responsável que orientou o retiro espiritual de Francisco. Além de serem quatro portugueses com assento no Colégio eleitor, há ainda seis brasileiros, um cabo-verdiano e um de Timor-Leste com lugar no futuro Conclave. «Não se pode esquecer a importância da Igreja portuguesa no mundo que fala português, e Tolentino é um homem que se mexe muito bem, é um homem profundo, paciente, tem muitas qualidades e está num lugar importante», diz ao nossos jornal outro clérigo. 

Europa perde poder

No consistório de 30 de setembro, a Europa vai perder sete cardeais, e estamos a falar dos que são eleitores, passa de 60 para 53; a América ganha seis, de 33 para 39; África aumenta de 11 para 19, enquanto a Ásia é a recordista na subida, passando de 10 para 23; já a Oceânia deixa de ter apenas um para ficar com três.

Se é certo que muitos não fazem uma leitura linear das 99 nomeações do Papa, basta olhar para o que foi dito desde que foi nomeado chefe da Igreja Católica para se perceber isso. Veja-se o que escreveu, em 2017, Robert Mickens, editor-chefe da Global Pulse, graduado em Teologia, e correspondente em Roma de diversas publicações americanas: «O Papa Francisco passou estes quatro anos como Bispo de Roma empreendendo uma campanha, com constância e persistência, para mudar a mentalidade dos católicos e o ethos da Igreja inteira – Igreja que ele sonha ver como uma comunidade com um olhar voltado ao exterior, propensa a acidentes de percurso e que ponha a mão na massa, uma comunidade ‘em movimento’», precisando para isso que Francisco «aumente o número de cardeais eleitores de forma a que eles e os próximos que venham a vestir as Sandálias do Pescador possam manter vivo o impulso evangélico que o Sucessor de Pedro começou».

Reforçando a sua tese, corroborada por muitos dos progressistas, Mickens exorta o Papa a recorrer às Escrituras e a olhar para o último capítulo do Evangelho de S. João para aumentar o número de cardeais para 153. Note-se que o especialista em Teologia escreveu em 2017, muito antes de Francisco aumentar a sua influência no Colégio eleitor e Bento XVI estar a perder influência com a chegada aos 80 anos de muitos dos cardeais escolhidos por si.
E qual é importância de ter tantos cardeais ‘amigos’? São estes que ajudarão Francisco a fazer a renovação que pretende para a Igreja, nomeadamente a abertura a recasados, a homossexuais, sendo que a ordenação de mulheres não deverá estar em discussão no processo sinodal final, por ser uma questão totalmente fraturante, mesmo para alguns progressistas. Uma Igreja para todos é o que pretende Francisco, mas, como já se percebeu, há quem entenda que ‘aberta a todos’ não significa de braços abertos para aqueles que não se querem converter à moral vigente. 
Mesmo dentro dos conservadores há quem apoie o Papa. «Acho que na Igreja deveria haver um pressuposto de confiança naqueles que lideram em cada momento. E, portanto, se o Papa atual pretende levar a Igreja para esse caminho, acho que a nossa predisposição deve ser, vamos nisso. Posso não estar a perceber qual é a lógica, mas entro no jogo», diz ao Nascer do SOL um dos homens da ala dita conservadora. «Todos os Papas fizeram isso, o que é normal é que nomeiam cardeais segundo aquilo que eles pensam que pode vir a ser a melhor ajuda para a continuidade da igreja. Isso não é uma novidade deste. Mas, por exemplo, se falar da lista das pessoas convocadas para a Assembleia Sinodal de outubro, vai lá encontrar, por exemplo, o Cardeal Muller, critico aberto do Papa Francisco e ex-colaborador, O Papa podia perfeitamente não o ter nomeado. No caso do sínodo, o Papa quer mesmo ouvir pessoas de todos os lados. É a maneira que ele tem de governar», acrescentou.