Será desta?

Desde mesmo muito antes da troika que o peso dos nossos impostos, tanto para pessoas singulares como coletivas (tirando obviamente as fundações, que as há em demasia e tantas vezes sem outra razão de existência do que o benefício de injustificadas isenções fiscais) está muito acima da média europeia

Por Mário Ramires

Parece que Governo e Oposição finalmente acordaram. E se já era tempo… Mas mais vale tarde que nunca e esperemos que seja mesmo desta.  
A carga fiscal em Portugal é estupidamente exagerada e asfixiante, para as famílias e para as empresas, e o Estado – central e local – está cheio de dinheiro.
Desde mesmo muito antes da troika que o peso dos nossos impostos, tanto para pessoas singulares como coletivas (tirando obviamente as fundações, que as há em demasia e tantas vezes sem outra razão de existência do que o benefício de injustificadas isenções fiscais) está muito acima da média europeia.
Agravou-se, e muito, com a austeridade imposta por FMI, BCE e UE e continuou a aumentar mais ainda com um virar de página meramente semântico de Mário Centeno e seus sucessores nos Governos socialistas de António Costa, apostados num mascarado alívio dos escalões mais baixos nos impostos diretos acompanhado de uma subida inusitada dos indiretos, e ainda de uma política de cativações que deixou os serviços públicos, sem exceção, em rutura e incapacidade de cumprimento das suas funções mais básicas.
Ora, se ainda no tempo da troika e de Pedro Passos Coelho já a ministra Maria Luís Albuquerque confessava que os cofres do Estado estavam cheios – mas havia que manter a boca do saco fechada atenta a necessidade de honrar os compromissos assumidos com os credores internacionais e procurar antecipar o seu cumprimento por forma a poder reduzir-se o sacrifício exigido aos contribuintes portugueses –, imagine-se agora.

Sobretudo porque, no entretanto, o Estado beneficiou também de uma conjuntura internacional deveras favorável, com um longo período de baixa das taxas de juro, e acabou por ser o principal beneficiário da inflação decorrente da guerra no Leste da Europa, arrecadando por via de uma carga fiscal obscena receitas muito além das mais otimistas previsões. Sendo que a pandemia foi compensada por uma ‘bazuca’ de fundos comunitários sem precedentes e o turismo bate todos os recordes por efeito da insegurança que se vive noutros destinos concorrentes.
Por isso mesmo, os cofres da Administração Pública, central e local, nunca estiveram tão cheios.
E só não estão mais porque o Estado insiste em continuar a ser muito mais assistencialista do que probo.
A ausência de uma política fiscal orientada para o crescimento económico, para a produtividade e a rentabilidade, para o empreendedorismo e a inovação continua a ser uma das razões do atraso estrutural de Portugal em relação aos seus parceiros europeus.
Enquanto o Estado continuar a penalizar quem produz e quem mais contribui, Portugal continuará a caminhar cada vez mais para a ponta da cauda da Europa – quando não, como já escrevi aqui, para o corno de África.
Será possível nada fazermos quando vemos a Roménia a crescer muito mais do que Portugal, com todas as previsões a apontarem para 2024 o ano em que também nos ultrapassará no PIB per capita?

O Governo continua a gabar-se de que estamos a convergir com a Europa, porque a nossa economia está a crescer acima da média europeia.
Um embuste. A média europeia é sobretudo influenciada pelas grandes economias, como a da Alemanha e da França. Crescermos percentualmente mais 1 ou 2 pontos do que essas economias não abona em nada a nosso favor quando vemos a Roménia, por exemplo, a crescer 20 pontos percentuais – sim, a Roménia de Ceausescu.
É preciso virar a página mesmo. E aproveitar a vontade política anunciada pelo Governo e pela Oposição para, finalmente, se reverter uma carga fiscal sem sentido, e que só leva a um empobrecimento cada vez maior dos contribuintes portugueses e do país em si, e se fazer a sempre adiada reforma fiscal orientada para o investimento e para o crescimento económico.

A justiça social não pode ser cega – vale a pena olhar para o exemplo de Loures e para as medidas que o presidente da Câmara, Ricardo Leão, do PS, anuncia em entrevista nesta edição (ver páginas 12 a 17), como passar a deixar de pagar o Rendimento Social de Inserção a quem não apresentar comprovativo do pagamento da água ou da renda de casa ao município, que, em média, nem sequer chega aos 10 euros mas há mais de 50% dos beneficiários no concelho que não as pagam. 
Aumentar o número de dependentes do Estado para assim comprar votos e conservar o poder é um erro que sairá sempre demasiado caro a prazo.
Se há cada vez mais gente a queixar-se, porque a pobreza é o que é e nada funciona, o melhor é arrepiar caminho o quanto antes.
E se já era tempo…