Revolução geopolítica: a Inteligência Artificial (II)

A Inteligência Artificial enquanto tecnologia, reforça a componente processual do poder. Como um fluxo, uma corrente contínua, um rio…  

Por Virgílio Machado, Professor na UALG e autor de Portugal Geopolítico – História de Uma Identidade

Revoluções. As agrícolas criaram alimentos e técnicas de conservação e armazenamento. Em reação, roda, navegação oceânica e imprensa evolucionaram seu transporte. As industriais contaram com o telégrafo, cabo submarino ou internet para comunicação e difusão de suas produções. Mas a escrita, o Direito ou a moeda também constituíram revoluções ao criarem os campos, com regras e árbitros, onde ocorre a interação humana.

A Inteligência Artificial (IA) auto-organiza sequencias em sistemas de decisão e execução. Por máquinas ao invés de humanos. Será que decisões políticas (exemplo: guerra), criação de leis, deliberações de superior gestão administrativa e aplicação de justiça serão automatizadas? A imaginação e o medo sempre fizeram parte da interpretação e reelaboração humanas. Lembra-se da saga Terminator e da Skynet na guerra exterminadora de robots contra o Homem?
Prever o futuro sempre foi fonte de poder e/ou negócio. Ainda mais em tempo de sensacionalismo mediático. Que não seja uma especulação. Porque razão a IA abrirá espaço a uma revolução geopolítica? Raymond Aron dizia que a técnica reduz consideravelmente o campo de ação da politica e da ideologia, porque amplia o cálculo eficiente e preditivo do domínio sobre o mundo.

A resposta é porque noções como recurso, território, património, propriedade, fronteira, posse, influência, tão caras à geopolítica colocar-se-ão no eixo dos sistemas políticos, enquanto poderes constituintes. Vejamos o ato de conduzir. Como analogia de governar. E o painel de bordo do veículo. Dimensões abrangidas. As mecânicas (conduzir, acelerar, parar) são processuais. As ambientais (exemplo: consumo de energia, poluição) e éticas têm valores (exemplo: segurança de passageiros ou peões) com conteúdos onde regras legais ou códigos culturais tácitos podem ter lugar. Conduzir em Deli é diferente de Estocolmo. Onde se pretende chegar?
Bem. Vamos à História, nosso refugio. Galbraith em a Anatomia do Poder discorre sobre três fontes de poder: a personalidade, a propriedade e a organização. Se a primeira é fundamental na primeira fase de evolução política, marcada pela insegurança, a segunda introduz o comércio e a separação entre individuo/Estado e na terceira traduz-se o poder das massas e seu domínio de controlo sobre o mundo.

A IA enquanto tecnologia, reforça a componente processual do poder. Como um fluxo, uma corrente contínua, um rio. Uma rede dinâmica de dimensões relacionadas que compõem o painel de bordo do veículo. A interação será reforçada com a IA. Esta introduz no veiculo, qual sistema politico, um cérebro social, um trabalhador coletivo que navega a cidade e o mundo construído sobre informação coletiva que codifica produções padronizadas de conhecimento sobre espaço, tempo, trabalho e relações sociais.

Assim, a IA reforça a organização como fonte de poder. E sua dimensão executiva. Como resistir a um governo simplificado na gestão e administração das coisas, eficiente na fiscalidade, administração e redistribuição com tecnologia detetora de sinais de corrupção e criminalidade, uma justiça harmonizada segundo padrões de igualdade? Para quê outros poderes? Bastaria um governo inteligente para unificar todos os poderes no painel de bordo.
Aí o sistema politico conduz-se pela eficiência, a produção e a circulação são instantâneas, a vida e suas formas, tanto privadas, como publicas, cruzam limites de indeterminação, o trabalho será automatizado e homogéneo. Fundamentos de um ‘poder destituinte’, segundo Agamben, criador de sistemas políticos centrionários autoritários.

Quer preservar Liberdade? Equilibrar lógicas processuais com materiais no poder politico? Construir forças em tensão para permitir fluxo, rio, corrente? Permitindo sua união? Sim. A propriedade e a sua sofisticação, seja em capital ou trabalho, material, imaterial, física ou simbólica, híbrida ou delimitada são a revolução constituinte da IA para que a geopolítica seja a componente executiva de sistemas políticos democráticos. Seguimos Alexis de Tocqueville. Liberdade e propriedade são indissociáveis. Porque Estocolmo é diferente de Deli.
A geopolítica espacializará territórios. Assinalará respetivas fontes de poder. Ligará as dinâmicas processuais da IA a lógicas territoriais. Um exemplo: a Logística. Energia acumulada, património que retém, faz durar interações entre os domínios da produção e comunicação. Armazéns, portos ou aeroportos, redes, terminais, centros de distribuição, plataformas eletrónicas são suas faces visíveis ou espetrais. 

Que sistema politico executivo e democrático dará suporte a esta realidade territorial e interativa? O futuro aeroporto de Lisboa agradece (continua).