A eterna juventude de Gigi

‘É tudo, rapazes! Vocês deram-me tudo. Eu dei-vos tudo. Nós fizemos isto juntos’. Foi assim que Gianluigi Buffon encerrou uma carreira brilhante aos 45 anos. O eterno Gigi vai fazer falta ao futebol.

Por João Sena

Se há personagens que ficam quase sempre bem na fotografia, Gianluigi Buffon é, seguramente, uma delas. Guarda-redes de grande gabarito, um dos melhores de sempre, fica na memória dos amantes de futebol pelas defesas incríveis que fez, mas também pela forte personalidade, paixão e fairplay para com colegas e adversários. 

A história poderia ter sido completamente diferente se Buffon não tivesse assistido ao Itália-Camarões do Mundial de 1990. Na altura, com 12 anos, queria ser médio e o sonho era marcar golos em vez de evitá-los, mas tudo mudou quando viu atuar o guarda-redes camaronês Thomas Nkono. «Vê-lo na baliza motivou-me a ser guarda-redes. Adorei a forma como ele defendia, os seus reflexos excecionais e a sua personalidade», contou Buffon, anos mais tarde, à BBC Sport Africa.

Buffon fez um percurso incrível no mundo do futebol e tornou-se um ícone da “Squadra Azzurra” e da Juventus. Estreou-se em 1995, com 17 anos, e jogou com grandes nomes do futebol mundial. Disputou partidas em quatro décadas diferentes e partilhou o balneário com pai e filho, caso da família Chiesa.

Mostrou sempre enorme talento, mas chegou o momento de parar ao fim de 28 anos. «Na minha cabeça havia a ideia de parar em junho de 2023. Para mim, era verdadeiramente o limite», disse em março de 2021, na altura com 43 anos. «Coloquei grande paixão, dedicação e muita alegria na minha carreira. Olhando para trás posso dizer que esses anos passaram depressa», disse Buffon, que salientou: «Esses 28 anos são a minha história no futebol e minha história desportiva, mas também a história daqueles que me apoiaram».

Sempre no topo

Gianluigi Buffon começou a jogar no Parma (1995-2001), clube ao qual regressou em 2021, passou depois pela Juventus (2001-2018), PSG (2018-2019) e novamente a Juventus (2019-2021). Disputou 1.151 jogos, 685 na Serie A italiana e 176 na seleção, e esteve em campo 87.247 minutos. É o oitavo jogador da história do futebol com mais jogos realizados – o recorde pertence a Peter Shilton com 1.402 partidas. O momento mais alto aconteceu no verão de 2006, quando ajudou a Itália a vencer o Campeonato do Mundo, na Alemanha. Venceu uma Taça UEFA, foi dez vezes campeão da Serie A, venceu seis Taças de Itália, sete Supertaças e também foi campeão da Serie B. Como guarda-redes do PSG conquistou um título da Ligue 1 e uma Supertaça de França.

Três dias depois de anunciar o fim de carreira, a lenda do futebol italiano confirmou que vai trabalhar como chefe de delegação da “Squadra Azzurra”, cargo anteriormente ocupado por Gianluca Vialli. «A camisola azzurra sempre fez parte da minha vida. Vou estar ao serviço do selecionador e do grupo. Sempre acreditei que na seleção não contam os títulos de cada um, mas a vontade, os sacrifícios e a disponibilidade em relação aos seus companheiros e à comissão técnica», afirmou Buffon.

Depois de voltar ao Parma e disputar as duas últimas temporadas, decidiu por um ponto final, embora tivesse mais um ano de contrato. A sua carreira coleciona momentos de marcantes. Disputou cinco campeonatos do mundo com a camisa da “Azzurra”, foi suplente em 1998 e titular nos outros quatro. O momento mais importante aconteceu na final do Mundial de 2006. Buffon fez uma defesa fabulosa, que ficou na memória dos italianos, pois evitou que Zidane marcasse o segundo golo da França já no prolongamento. Nas grandes penalidades, a Itália sagrou-se campeã do mundo.

A sua grande ambição e única lacuna é a Liga dos Campeões. Perdeu três finais, a mais dolorosa foi a de 2003 nas grandes penalidades. Foi com uma filosofia muito própria que disse, em 2019, «para mim é um grande estímulo… e tenho de agradecer à vida por não me ter deixado ainda ganhar a Liga dos Campeões, caso contrário perguntava-me porque continuo a jogar». Terminou a carreira no Parma. Regressou a uma casa onde tinha começado em 1995 e não teve problemas em jogar na segunda divisão italiana. «Sou um homem feliz por ver os adeptos orgulhosos de ver-me na baliza», disse poucos meses antes de pendurar as luvas. 

À prova do tempo

Há cada vez mais jogadores a prolongar a carreira muito para além dos 30 anos e a ter desempenhos de alta qualidade. O segredo para os mais veteranos manterem uma boa performance passa por garantir um corpo saudável. As novas técnicas de treino, a recuperação e a nutrição são fundamentais para que os jogadores mantenham a forma e a resistência por mais tempo. Exercícios de treino físico personalizados, adaptados às necessidades de cada jogador, ajudam a minimizar o risco de lesões e a maximizar a resistência. 

A tecnologia é igual importante para ajudar os atletas a prolongar a carreira. Ferramentas de controlo de desempenho, como GPS e wearables, permitem que treinadores e preparadores físicos acompanhem a condição física dos jogadores, ajudando a prevenir lesões e a dosear a carga de treino. Por outro lado, o futebol moderno é mais técnico e privilegia a posse de bola ao contrário do futebol mais físico de outros tempos. Desse modo, os futebolistas mais velhos compensam a menor capacidade física com a maior experiência e inteligência tática. As técnicas de recuperação como crioterapia e terapias de compressão são igualmente fundamentais para ajudar os jogadores a recuperar rapidamente após jogos e treinos intensos.

Outro aspeto igualmente importante é a saúde mental dos atletas. O apoio psicológico, incluindo treinamento mental e apoio emocional, tem ajudado os jogadores a lidar com a pressão e a manter a motivação. Buffon é exemplo disso. Aos 26 anos, quando teve uma depressão «era rico e famoso, mas a depressão atacou-me». «Não estava satisfeito nem com a vida, nem com o futebol, sentia um buraco negro na alma», revelou na autobiografia “Número 1”. Felizmente para si e para o futebol, saiu desse buraco negro a tempo.

Outros resistentes

Gianluigi Buffon foi um caso de longevidade no futebol, mas não é o único. É bom lembrar que o Rei Pelé tinha 37 anos quando abandonou o futebol, à época era uma respeitável idade. Zlatan Ibrahimović jogou ao mais alto nível até aos 41 anos, Roger Milla tinha 42 anos quando se tornou o jogador mais velho a marcar um golo numa fase final de um Mundial (EUA 1994) e o guarda-redes do Egipto, El-Hadary, jogou o Campeonato do Mundo da Rússia, em 2018, aos 45 anos. 

A história de Ronnie Brunswijk é, no mínimo, invulgar. Em 2021, o então vice-presidente do Suriname tornou-se futebolista profissional aos 60 anos e participou num jogo da Liga dos Campeões da Concacaf (Confederação de Futebol da América no Norte, Central e Caraíbas) pelo Inter Moengotapoe, que foi derrotado (0-6) pelo Olimpia de Honduras. O “palmarés” de Brunswijk inclui a participação no golpe de Estado nos anos 80 para derrubar o regime de Dési Bouterse e uma ficha aberta na Interpol por participação em vários assaltos a bancos e suspeitas de tráfico de droga. O “jogador” de futebol mais velho do mundo é proprietário de uma mina de ouro e pai de 50 filhos.

Entre os jogadores ainda em atividade está Lee Casciaro, o futebolista mais velho de sempre a participar num encontro de qualificação para um Campeonato da Europa, batendo o recorde de Dino Zoff que tinha 40 anos. Aos 41 anos, o internacional por Gibraltar foi recentemente titular frente à Grécia (0-3). Na Copa dos Libertadores o guarda-redes do Fluminense é o jogador mais velho em competição com 42 anos, surgindo logo a seguir Roque Santa Cruz, do Libertad, que tem 41 anos.