Por Carlos Encarnação
Na Argentina a coisa não correu bem. Andou o peronismo a tentar ser o rosto da esquerda durante todos estes anos, a usar os descamisados como o sustentáculo do poder, a reter neles e com eles a imagem da preocupação social e veja-se o que aconteceu.
Os descamisados cresceram de tal maneira que se multiplicaram e dividiram e, não sabendo como sair do labirinto, cansaram-se de votar neles próprios.
O peronismo sai pela esquerda baixa.
Não espanta o clima geral, uma sociedade cansada, exangue, sem futuro, sem soluções, à qual foi simples explicar que tem sido governada por uma casta da qual quer libertar-se.
O peronismo, como populismo, encontrou o veneno no seu próprio veneno.
Porque falo nisto? Porque a imagem da perenidade do equilíbrio social sem verdadeiro progresso é a última ilusão.
Falemos, então, de nós. A vida corre, mal. O povo empobrece, envergonhadamente. Aos médicos que venceram a pandemia é proposto um aumento de salário de 1 por cento.
O Estado deixou de construir habitação social, há anos, e inventa uma ideia sem tom nem som como pretensa resposta.
Os jovens licenciados têm propostas de emprego pouco superiores ao salário mínimo.
Os combustíveis têm dias entre a escanzelada magnanimidade do governo que corta uns cêntimos nos dias fastos e volta a aumentar nos duas infaustos, para sair sempre a ganhar no montante do imposto arrecadado.
Os portugueses que pagam o Serviço Nacional de Saúde, voltam a pagar para outros na impossibilidade da resposta deste.
Desde a época da troika que os impostos sobre o rendimento aumentaram.
Desde fim da intervenção que não têm cessado de ver a sua receita aumentada.
Não, não é apenas pelas taxas extraordinárias que continuam a ser cobradas.
E, apesar do jogo de sombras da alteração dos escalões, o resultado é enganador e gera centenas de milhões a mais cobrados.
Desde a inflação que o Estado arrecada enormidades.
E não se fica por aqui, porque o IVA parece que não conta mas é verdadeiramente cego.
Portanto, os portugueses têm tudo para ser felizes.
Vivem pior, são esquecidos, pagam mais.
É certo que os mais espertos e diligentes fogem aos impostos, é certo que a economia paralela cresce, é certo que as receitas do Estado ainda poderiam ser mais elevadas. Mas não se deve tal coisa à bondade do Estado, antes à sua incompetência.
Por motivos de força maior, é o Governo levado a prometer a descida dos impostos. Assim, sem mais. Sem conseguirmos perceber se a esmola é grande.
Resta ao maior partido da oposição, porque os outros se calam, manifestar a sua exigência, explicar porque é a situação insustentável.
O peronismo protetor não foi suficiente na Argentina.
Deixou-a, mesmo, numa situação de explosão social depois de alguns anos de carência, de imobilismo e de sofrimento.
Os impostos são o ponto essencial do equilíbrio. E não se diga que não tem tanto interesse porque muitos não os pagam.
Hoje o Estado é incansável em descobrir novas formas de conseguir mais dinheiro. E mesmo aqueles que assobiam para o lado julgando que nada disso os afeta descobrem, no que deixam de ter disponível, a sua punição.
Mesmo que o Estado finja que a sua asa os proteja, a sua incompetência empobrece-os.
Os argentinos não têm culpa. Nós também não.