O forrobodó da Santa Casa…

Há que esperar que Ana Jorge meta ordem na Santa Casa e acabe com o forrobodó instalado, juntamente com quadros de pessoal inflacionados

Há governantes, e nestes, os chamados ‘ajudantes’, que precisam de fazer ‘prova de vida’ para mostrar que existem e para que servem. 

Um deles, que tem a incumbência do Desporto, recorreu, pressuroso, às redes sociais, para dar conta da ‘urgência’ em reunir com a sua correligionária de partido e ex-ministra Ana Jorge, atual provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), preocupado com os cortes anunciados nos patrocínios às mais variadas modalidades desportivas. 

A iniciativa da nova provedora, empossada em maio, é fácil de entender. A ‘toda-poderosa’ Santa Casa passou dos lucros sumptuários aos prejuízos, pela mão do antecessor de Ana Jorge, que somou aos inúmeros apoios desportivos e a festivais de rock uma ‘estratégia internacional’ em jogos sociais, além da aquisição do falido Hospital da Cruz Vermelha.

Sem querer ser exaustivo, vale a pena enunciar alguns patrocínios desportivos e de festivais, onde a Santa Casa derreteu – e derrete – milhões, que deixaram de contar para a robustez dos apoios sociais tão necessários.

Desde 2012, que a Santa Casa concede, por exemplo, o seu patrocínio, ao festival Rock in Rio – uma invenção brasileira da família Medina, exportada para Portugal, com receita milionária garantida, à semelhança da feira tecnológica designada por Web Summit, lançada por um irlandês esperto e paga por um município ainda socialista de mãos largas.

Mesmo assim, sobrou vontade à SCML para montar palco e letreiro luminoso no Douro Rock, outro festival de verão, entre tantos que florescem como cogumelos.

 

Mais recentemente, uma responsável de marketing da Santa Casa, ufanava-se desse gasto perdulário em nome da expansão da ‘marca’, que, pelos vistos, apesar das suas origens remontarem a 1498, ainda não é suficientemente conhecida…

Ora, que se saiba, nem a Santa Casa é uma ‘marca’ – a tolice em ‘língua de pau’ -, nem a instituição carece de publicidade para se promover. 

A mais importante ‘marca’ da Santa Casa de Lisboa – como a de tantas outras congéneres espalhadas pelo país – é o auxílio aos mais desfavorecidos, cumprindo a sua vocação matricial, que nada tem a ver com festivais de rock ou com um sortido variado de modalidades desportivas, conforme consta do seu site, desde o equestre ao motociclismo, andebol, atletismo, canoagem ou ciclismo, até ao futebol, ginástica, judo, natação, patinagem, remo, râguebi, surf, ténis de mesa, triatlo, voleibol, além de desporto específico para pessoas com deficiência.

No limite, compreende-se – e será de incentivar – que a Santa Casa reserve uma fatia dos lucros dos jogos sociais para apoiar atletas deficientes e paraolímpicos. Mas escapa a qualquer lógica que patrocine tanta modalidade que perdeu a natureza amadora, cavalgada pela imparável profissionalização.

Perante a situação calamitosa em que Ana Jorge encontrou a Santa Casa (prejuízos de 52,8 milhões de euros, apresentados em 2020, em contraste com os lucros de 37,5 milhões de euros do exercício anterior, além de contas por aprovar de 2021 e 2022), a decisão de cortar a fundo nos custos estranhos à ação social só poderia ser aplaudida por qualquer governante sensato. Mas não foi o caso.

A única ‘marca’ digna da Santa Casa, respeita ao seu âmbito solidário, do qual dependem milhares de portugueses, envolvendo tanto a primeira infância, como a idade sénior, esta com dramática visibilidade no número de doentes abandonados em hospitais públicos, por falta de estruturas de retaguarda para recebê-los.

 

Tudo o mais onde a Santa Casa invista, num desbragamento de patrocínios, é um desperdício, feito em nome da ‘marca’ – uma parolice – que, segundo o anterior provedor, contou sempre com o visto da tutela e adjacentes, bem como a tal «estratégia de internacionalização» (Santa Casa Global). Outro desastre, com milhões gastos sem resultados, sujeito agora a auditoria externa. 

Por isso, há que esperar que Ana Jorge meta ordem na Santa Casa e acabe com o forrobodó instalado, juntamente com quadros de pessoal inflacionados. 

De facto, segundo o último relatório de gestão aprovado (2020), a Santa Casa contava com mais de seis mil funcionários, dos quais 348 eram dirigentes, um exagero. Se compararmos com anos anteriores, a diferença choca: em 2016 havia menos de cinco mil funcionários, dos quais 290 eram dirigentes.

Apesar disso, ainda foram efetuadas novas (e onerosas) contratações externas, agora sob investigação do Ministério Público.

A pegada do descalabro está à vista. Se a provedora não resistir às pressões de governantes – e já se viu que não resiste – e não travar a fundo, será ela a primeira vítima do colapso da Santa Casa… 

 

Nota em rodapé 1: As sondagens teimam em dizer que a popularidade de Marcelo se mantém intacta, o que equivale a ‘carimbar’ o modo sui generis como tem exercido a função de Presidente da República, continuando a desempenhar, com visível satisfação, o papel de comentador político… 

Talvez por isso, as câmaras e os microfones perseguem-no, até em férias, solitário, de calções de banho, em Monte Gordo. E converteram-se numa espécie de droga da qual depende em doses fartas.

Temos, portanto, um Presidente a fingir que governa, mesmo a partir da praia, nos intervalos de duas braçadas; e um primeiro ministro que se eclipsa sempre que há uma crise – ou reaparece, em ‘exclusivo’, na capa do Correio da Manhã para ‘plantar’ a mensagem de que ignora o veto de Marcelo ao pacote ‘Mais Habitação’ -, deixando o Governo a ‘nadar em seco’… Consta que o país não se importa… E que em Kiev não se fala disso!…

 

Nota em rodapé 2: A remendada profissionalização das Forças Armadas deu nisto: há mais chefes do que soldados. A situação não é nova, mas tem-se agravado com a continuada sangria de efetivos. O Exército é o que mais sofre com essa ‘deserção’. Mas nos outros ramos, o desequilíbrio não é menor. Terminado o serviço militar obrigatório, nunca houve coragem política para fixar, ao menos, um serviço cívico mais curto no tempo, mas eficaz na sensibilização dos jovens para o espírito de missão e a importância nacional da instituição. O resultado está à vista: contas feitas, faltam milhares de militares para operacionalizar a estrutura. Algo que não parece preocupar o governo socialista, nem os seus ministros da Defesa escolhidos a dedo…

 

Nota em rodapé 3: Esta coluna não se publicará na próxima edição do Nascer do SOL reaparecendo a 8 de setembro. Até lá.