Mudar Portugal – Pensamento e liberdade

Há uma crise de legitimidade e de representação dos políticos, como há do próprio debate genuinamente político. O que é hoje ser de direita ou de esquerda?

O problema principal do nosso tempo é a degradação da Democracia e da Política. É comum falarmos e debatermos conceitos que parecem já nada significar ou, quando muito, surgirem com significados tão distintos que tornam impossível o mínimo entendimento e debate fecundo. A democracia e a política necessitam de clarificação e uma maior exigência em relação aos aspetos, não só teóricos mas práticos, implícitos no pensamento político. 

Falta pensamento e até liberdade para pensar. Veja-se o caso presente da comunicação social, que apenas parece permitir uma visão única do que pode ser pensado e debatido. Meras táticas e visões utilitaristas substituíram a racionalidade e a necessária construção de ideias e propostas comuns, que são a base de sociedades e políticas verdadeiramente livres e democráticas.

 Existem graves problemas a exigir respostas na política, na cultura ocidental e nos seus valores. As sociedades contemporâneas ocidentais dizem-se democráticas, mas há lacunas importantes naquilo que se entende pelo conceito e nem sempre os seus principais valores são devidamente preservados e evidenciados; por exemplo, no que diz respeito à liberdade de expressão, ao primado da lei, à efetiva participação dos cidadãos nas decisões que a todos implicam e ao exercício efetivo e permanente da cidadania. Há um afastamento cada vez maior das pessoas em relação às decisões fundamentais que afetam a sua vida (as decisões da ‘Pólis, o’ exercício da ‘Política’).

Importa não só recuperar, como exigir o regresso do sentido mais nobre da política e contribuir para uma maior qualidade da democracia. Mais política não significa mais do mesmo (quer em termos de política quer de políticos), mas a recuperação do sentido mais profundo e genuíno do conceito, o bom governo da Cidade, ‘Pólis’, da sociedade, com a participação informada e ativa de todos. Quando o cidadão se afasta da política e se abstém, significa que a democracia está a falhar, que o regime de governo participativo não está a funcionar, que os cidadãos não confiam nos seus representantes e, portanto, o sistema político entra em colapso.

Se uma sociedade se acantona em posições extremadas e inconciliáveis, em que um dos lados reduz o outro a um inimigo, estamos perante uma sociedade fracassada. Só uma política alicerçada em projetos que unam a sociedade com base em valores comuns e configurem um sentido abrangente, económico, social e político, podem vencer a sectarização, as hostilidades, os interesses predominantes de grupos e a manipulação permanente, gerando novamente confiança nos cidadãos.

 

Há uma crise de legitimidade e de representação dos políticos, como há do próprio debate genuinamente político. Por exemplo, o que é hoje ser de direita ou de esquerda? O que distingue o centro da direita? Porque é a direita diabolizada?

O fracasso da política revela-se na ausência do debate de ideias e da clarificação ideológica que, além de serem praticamente nulos no presente, surgem sempre enviesados, substituídos por táticas, estratégias e interesses como meios e fins, no triunfo de visões maniqueístas, diabolizadoras e até em discursos de ódio, onde só uma visão do mundo é lícita e aceitável.

Importa trazer o pensamento crítico e a coerência intelectual para o debate e recuperar o melhor da tradição política ocidental. Essa tradição é bem antiga, como é o caso da separação de poderes, dos direitos e proteção contra o governo arbitrário, da criação do Estado de Direito, do governo limitado, da separação entre as esferas da Igreja e do Estado, da dignidade inviolável da pessoa humana e da proteção dos direitos dos indivíduos, que passa pelo cumprimento dos deveres de todos -pilares fundamentais que amadureceram com a democracia efetiva, mas que estão cada vez mais em causa.

 O debate real de ideias e convicções deve estar aberto e confrontar as diferenças entre os diversos quadrantes ideológicos, aquilo que propõem, os seus fundamentos e as respetivas implicações para a liberdade individual e o bem comum. É fundamental regressar aos conceitos e clarificar o que significa, de facto, ser: ‘liberal’, ‘conservador’, ‘socialista,‘ ‘democrático’, ‘de esquerda’, ‘de direita’, ‘libertário’, ‘neoliberal’, ‘de extrema-esquerda’, ‘de extrema-direita’, etc.. O domínio da política só é eficaz quando não se esgota numa reflexão abstrata e teórica mas implica necessariamente uma efetivação na própria sociedade.

Esse debate político não pode ser apenas sobre economia e finanças. Os seus fundamentos estão a montante: a organização e o funcionamento das democracias, os valores da sociedade democrática e a tão relevante dimensão histórica, cultural e axiológica.

Temas como a cultura, os valores, os direitos e deveres e a cidadania (levada até áreas como o ambiente e a ecologia) foram deixados, não poucas vezes, ao abandono. Muito boa gente, os melhores, retiraram-se para o mundo dos negócios e da gestão, ocuparam-se dos mercados, para uma determinada visão neoliberal do mundo. A sociedade ficou reduzida a um discurso predominantemente económico e financeiro que, sendo fundamental, não é único nem sequer o principal, deixando-se, assim, espaço para que certas visões radicais e extremistas pudessem vir a assumir como suas as áreas que foram deixadas ao abandono. São agora as únicas que têm um discurso sobre essas áreas, ditando, por isso, as regras do jogo.

Estas evidências tornam imprescindível a existência de espaços de reflexão e debate.

 

A política, e a nossa democracia em concreto, devem submeter-se a um crivo crítico permanente, que não seja o registo reativo e panfletário das redes sociais ou mesmo dos media, ou a compreensível estratégia ideológica de cada partido político.

As plataformas cívicas pode dialogar com os partidos políticos e apresentar reflexões sobre determinados temas. Essa independência partidária não significa qualquer acriticismo, mas permite uma liberdade de pensamento sobre as mais diversas temáticas sem qualquer compreensível obediência partidária e/ou doutrinária.

Uma plataforma não é neutra nem imparcial, pode e deve ser crítica, analítica, reflexiva e problematizadora do seu objeto de estudo; e implicar propostas e ideias para ‘mais política’ e ‘mais democracia’. Deste modo, a qualidade da democracia e da política, dos valores aplicados aos planos económico, social, jurídico, etc., são fundamentais para que se possam analisar questões como as temáticas da atualidade – fundamentação e pertinência das questões ditas do ‘género’, políticas de imigração, relação com a União Europeia, soberania, divida pública, corrupção, extremismos, não só de direita como de esquerda, populismos negativos de esquerda e de direita, etc.

Convocar a reflexão e o debate sobre estas temáticas é um dos principais objetivos. Fazê-lo de um modo fundamentado e amplo oferece alternativas a uma degradação da política que soçobra em vertentes totalitárias, fundamentalistas e radicais ao colocar qualquer debate no plano do maniqueísmo, dos bons e dos maus, e nos processos de diabolização do outro, do que é crítico e pensa diferente. 

Toda a crítica, debate e reflexão partem de uma base de valores sobre os quais é elaborada. Debater e refletir não significa partilhar qualquer relativismo, nem culturalismo ou construtivismo. Nem tudo vale o mesmo, nem tudo é relativo, nem tudo depende da linguagem, do contexto ou da perspetiva. Temos uma história e uma cultura. O conceito de pessoa é fundamental. Há dimensões que importa preservar, e claro, adaptar ao nosso tempo, corrigindo e melhorando o que é necessário. Nem tudo no passado foi bom, como também nem tudo no futuro será melhor, depende de nós, cidadãos e sociedade no geral. Devemos conservar o que vale a pena, o que a experiência comum mostrou ser preferível, fundamentado e razoável, considerando sempre o que deve ser melhorado e adaptado ao seu tempo.

Se a mudança faz parte da existência humana, ela em si não é um valor, alguns dos piores episódios da história devem-se a inovações políticas, sociais, filosóficas e ideológicas, basta pensar no século XX, nas suas guerras, conflitos e experiências políticas e sociais como a Revolução Comunista e o Nazismo.

Não só os nossos valores e práticas culturais devem ser defendidas, como há valores que não são negociáveis. Há inclusive, valores que não têm preço e não são mutáveis, porque são conquistas fundamentais, resultado da nossa experiência e saber (continua).