Já não têm quem fale por eles, quem reclame por eles, quem se zangue por eles. Já não são os «portugueses com ambição» por quem Rui Rocha diz que vai lutar, ou os tais portugueses que Luís Montenegro diz serem vítimas «do esbulho fiscal» do Governo PS.
Percebe-se que a Iniciativa Liberal regresse com pouco interesse pelos mais velhos, já que o seu eleitorado são os mais novos. Mas, já é difícil perceber porque o PSD esqueceu aquela que foi a sua grande base de apoio – mais ainda quando nas últimas eleições teve entre os mais velhos uma derrota estrondosa para o PS (51% vs 28%). Metade dos quase 2,4 milhões de votos dos socialistas vieram de eleitores com mais de 54 anos.
PSD e IL não falaram dos mais velhos nas rentrées políticas. No Pontal e em Armação de Pêra, sociais-democratas e liberais não recuperaram o que recentemente escreveram e que as Televisões não quiseram debater. O tema não dava gritos ou polémica, não gerava emoções ou expulsões, não tinha VAR ou claques. Tristes critérios editoriais que preferem petardos e very-lights – haja barulho e animação. Mas são os idosos que mais tempo passam à frente da Televisão.
Portugal é o segundo país mais envelhecido da UE (logo atrás da Itália). Dos 2,5 milhões de idosos (3 mil são centenários), quase 1 milhão dizem-se sós ou isolados e 400 mil estão em risco de pobreza. Um terço dos idosos confessa que o seu estado de saúde é mau ou muito mau, 475 mil têm dificuldades em andar e subir escadas e 245 mil já quase não se conseguem vestir sozinhos.
Os médicos que tratam os mais velhos nos hospitais dizem que a frase que mais escrevem é ‘Alta Clínica a aguardar resolução social’. É por isso que 1.675 idosos estão lá, esquecidos ou à espera, alguns há mais de um ano – são mais 627 do que no ano passado sem terem para onde ir. Também são mais os dias que lá ficam e os culpados destes internamentos inapropriados há muito que são conhecidos: a falta de resposta da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RCCI) é responsável por 50% e 28% aguardam vaga na Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI).
Na ‘Agenda Mobilizadora 2030-2040’ (a tal que as Televisões ignoraram) o PSD explica que, no final do ano passado, a RNCCI dispunha de 9.552 camas para internamento, tendo crescido ao ritmo médio anual de 386 camas – uma diminuição de 25% relativamente às 519 abertas anualmente pelos governos do PSD, entre 2011 e 2015. Por sua vez, entre 2019 e 2022, o número médio de utentes a aguardar vaga para entrar na Rede aumentou 88%, com destaque para a região do Algarve, onde o número de utentes à espera subiu 207% no período referido.
Mas as Televisões também ignoraram a ‘Sua Saúde’ da IL. Lá, pelo meio, lê-se que o Estado deve coordenar as Redes de Cuidados Continuados e a de Cuidados Paliativos «contratualizando diretamente com os diferentes prestadores e, se necessário, garantindo a sua gestão via Subsistemas ou via parceria público-privada». Se a Alternativa é Liberal, como se lê no site da IL, quanto aos idosos, estamos conversados.
Há Unidades de Cuidados Continuados a fechar (4 em 2023, representando menos 122 camas) porque os enfermeiros estão a emigrar e o Estado paga e subsidia mal. As UCC não foram consideradas nos apoios às empresas pelo aumento da energia – mas a fatura do gás e da luz aumentou cinco vezes – e na pandemia não receberam qualquer reforço orçamental.
Há doentes a serem desviados das unidades de Longa Duração para as de Média Duração, ocupando vagas – assim o Estado não tem de pagar o tratamento; há Unidades a serem transformadas em verdadeiros hospitais – mascarando as carências do SNS; há Unidades a litigar com o Estado para que este pague o que lhes deve – o Governo nem cumpre a legislação que produz. Há providências cautelares e ações judiciais contra o Estado português por incumprimentos e por milhões em dívidas desde 2015.
E assim o Estado poupa com a miséria de quem não se consegue defender, de quem já não reclama nem tem quem o faça por eles. Miguel Torga já falava da falta do «estremecimentos de consciência» dos portugueses; que aqueles que apagam as estrelas acham que é com candeias que se alumia a vida; que se alguns sofressem as consequências das suas decisões, endoideceriam.
Que não tapemos os olhos em vida, porque bem basta quando a terra os cobrir.