Uma casa, uma árvore

O que começou mal ainda vai a tempo de ser corrigido, desde que as agendas político-partidárias não perturbem a eficácia necessária.

Por Alexandre Faria 

Escritor, advogado e presidente do Estoril Praia

O período de verão tende a proporcionar tempo suficiente para momentos de reflexão, corrigindo aspetos menos positivos nos nossos percursos e deixando para trás insistências absurdas em caminhos de insucesso demasiado óbvios. Tal como acontece no interior de cada família, o mesmo deveria suceder no quadro institucional que define as orientações governativas do nosso país.

Quando uma criança de tenra idade desenha livremente, é frequente exteriorizar no papel uma casa, rodeada ou não pelo seu núcleo familiar, e uma árvore. São os desenhos mais comuns e representam a sua base de desejo para os anos seguintes, alicerces de uma subsistência vindoura assente nestes dois princípios tão simples, estruturantes para a sua segurança e estabilidade, ou seja, o lar e o Ambiente em redor.

Ninguém questiona os enormes riscos que a atualidade apresenta a este quadro idílico infantil, atendendo à emergência da crise habitacional e aos efeitos nefastos de uma Natureza revoltosa perante os sucessivos ataques humanos, colocando em risco a certeza de um planeta e a confiança numa vida mais sustentável.

 

Sem assumir as persistentes consequências económicas de uma irrealista ponderação cambial desde a entrada no Euro, Portugal está obrigado a reinventar-se a toda a hora para acompanhar um ritmo europeu que não é o seu. Por isso, os fundos europeus para a habitação constituem a principal ferramenta para responder às necessidades dos jovens e das famílias mais vulneráveis, assim como para uma classe média desesperada por ter a possibilidade de um tecto para si e para os seus. Sendo um dos temas cruciais da sociedade, o Programa Mais Habitação do Governo originou legítimas ambições e lançou uma onda de esperança considerável.

 

Como o veto presidencial deste diploma legal atrasou o processo, surgiu uma janela de oportunidade para a Assembleia da República melhorar um desígnio nacional para os portugueses, recolocando o papel do Estado, tanto da administração central como das autarquias, na rápida resolução deste problema, aumentando a oferta de imóveis para habitação e travando a perigosa subida dos seus custos. Mas terá de ser o Estado a fazê-lo, sem receios, assumindo o ensejo, por si ou em colaboração com cooperativas, de garantir um aumento considerável de casas, seja por construção nova, reabilitação urbana, uso de edifícios públicos devolutos ou pelo recurso a prédios privados adquiridos para arrendamento acessível. Se não existir uma regulação clara do setor público, não serão os privados a garantir os preços mais acessíveis ou os destinatários privilegiados destas medidas.

O que começou mal ainda vai a tempo de ser corrigido, desde que as agendas político-partidárias não perturbem a eficácia necessária. Num país tendencialmente envelhecido e carenciado de imigrantes, este período de reflexão proporcionado ao Programa Mais Habitação tem de ser aproveitado para reter os talentos jovens, para auxiliar uma classe média sufocada em taxas de juro, impossibilitada de proporcionar uma habitação condigna aos seus filhos, corrigindo as dificuldades da interioridade e assegurando condições favoráveis à atração de quadros lusófonos, parceiros naturais da nossa rede histórica. Assim o Estado queira aceitar essa responsabilidade.