Turismo puxa pela economia e emprego mas sofre com falta de mão-de-obra

Só o setor pesa 15,8% do PIB e  contribuiu quase com 30 mil milhões, em 2022. É um dos grandes empregadores do país, quer continuar a criar postos de trabalho, mas sofre com a falta de mão-de-obra.

Só a atividade turística gerou um contributo direto e indireto de 29,2 mil milhões de euros para o Produto Interno Bruto (PIB), em 2022, o equivalente a 15,8% do valor total. Os dados são de 2022 e representam um aumento face ao ano anterior: 9,8% em 2021 que ainda apanhou a fase da covid e já acima dos 15,3% registados em 2019. Os últimos dados divulgados revelam ainda que as atividades ligadas ao alojamento e à restauração empregaram 286,6 mil indivíduos no segundo trimestre, mais 42,3 mil do que no ano homólogo de 2021 (+17,3%), representado quase 6% do total da economia.

Por seu lado, as receitas do turismo atingiram os 22 mil milhões de euros em 2022, superando em 20% o valor registado em 2019, naquele que foi considerado o melhor ano turístico, o que levou o ministro da Economia a elogiar a performance desta atividade. “Portugal terminou o ano de 2022 com 22 mil milhões de euros, o que é absolutamente extraordinário porque, num ano, não só recuperámos aquilo que fizemos em 2019, como superámos os resultados em mais 20%”, disse António Costa Silva.

Números que já levaram Mário Centeno a defender a importância do turismo para crescimento do país, considerando que este setor “teve papel importantíssimo, insubstituível na economia portuguesa”. E acrescentou: “Não tem turismo quem quer, só tem turismo quem pode. Mal de nós se não tirássemos partido económico sustentavelmente daquilo que são as nossas tradições naturais, culturais, atmosféricas. O turismo é parte de nós. Quem não quiser isso, tem de escolher outras condições de vida”.

E as perspetivas são animadoras. De acordo com o último relatório do World Travel & Tourism Council’s (WTTC), o setor deverá contribuir com 40,4 mil milhões de euros para a economia portuguesa até o final de 2023, superando os valores pré-pandémicos de 2019 de 40,1 mil milhões de euros. E prevê ainda a criação de cerca de 30 mil empregos este ano, apenas 68 mil empregos abaixo do nível de 2019 de pouco mais de um milhão, para atingir 950 mil empregados.

Só a Associação de Turismo de Lisboa (ATL) antecipou uma geração de riqueza de 17,4 mil milhões de euros, este ano, graças ao turismo na capital. É um aumento de 6% face a 2022 – não contando com o impacto da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), evento que se realizou em agosto. E espera, a partir deste ano, voltar “ao ritmo anual de crescimento previsto no plano estratégico (6%)“, um ritmo que deverá fazer com que esta atividade gere mais de 20,7 mil milhões de euros em 2026.

A expectativa é que cada turista gaste 911 euros na estadia. “Partindo de um valor de 843 euros de gasto médio individual com a estadia na região de Lisboa em 2018, o plano estratégico estabelecia como objetivo para 2024 alcançar uma taxa de crescimento médio anual de 3%”, revelando que o objetivo será atingir um valor de 995 euros em 2026.

 

Motor de crescimento mas alertam para peso excessivo

Os analistas contactados pelo i lembram que esta atividade é uma das que mais tem crescido e que mais irá continuar a crescer nas próximas décadas, mas admitem que o seu peso na economia faz soar alarmes. Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, reconhece que é provável que o setor do turismo continue a mostrar resiliência nos próximos anos, impulsionando a economia portuguesa, “mas é um erro alicerçar uma economia num setor exclusivamente de serviços centrado na movimentação das pessoas, mesmo que este seja competitivo extra-preço”, lembrando que “a guerra na Ucrânia deslocalizou algum turismo do leste europeu para países como Portugal, mas o final da guerra poderia abrandar esse turismo. A dependência do turismo mostrou bem a fragilidade da economia portuguesa aquando da pandemia e consequente confinamento e distanciamento social”.

E defende que a economia portuguesa deve focar-se não só na produção de bens e serviços competitivos extra-preço, mas também menos dependentes de um maior ou menor distanciamento social. “A economia portuguesa deve abandonar gradualmente a competitividade via preço e centrar-se em mais valor acrescentado alicerçado na tecnologia e cada vez mais personalizado, salvaguardando também a diversificação da economia, não colocando os ‘ovos todos no mesmo cesto’”, salienta. 

Também Vítor Madeira, analista da XTB, diz que mesmo que se mantenha esta aposta, já que o turismo tem um peso significativo na produção de riqueza para o país e, como tal, deve continuar a ser potenciado com vista ao seu crescimento, mas lembra que, apesar de percebermos que o turismo gera riqueza, “essa riqueza fica grande parte retida numa fatia muito pequena da população, cria problemas inflacionários e de habitação nos grandes centros e gera criação de emprego precário”. E acrescenta: “Deste modo, o Estado deve assegurar que essa riqueza criada pode potenciar qualidade de vida para os portugueses”. 

Também o economista Paulo Trigo Pereira, numa entrevista ao Nascer do SOL, tinha chamado a atenção para a necessidade de atrair mas investimento estrangeiro e de alterar o perfil produtivo. “Não podemos estar assentes no turismo e em produtos de mais valor acrescentado, em termos de exportação”. E salientou: “O turismo tem vários aspetos positivos, mas também tem alguns negativos, nomeadamente a nível ambiental e o que isso significa em termos de tráfego aéreo e da pressão que tem sobre os preços, como é o caso da habitação, porque associado ao turismo vêm novos visitantes estrangeiros e isso está a sobreaquecer o mercado de habitação em Portugal e tem consequências negativas nas famílias portuguesas”.

Uma opinião partilhada por Paulo Rosa que dá como o exemplo o que se passa na Suíça, que “tem algum turismo e procura incrementá-lo, mas os seus setores core, altamente competitivos via extra-preço, continuam a ser a indústria farmacêutica, maquinaria e produtos eletrónicos, a indústria química e relojoeira”.

 

Mão-de-obra é uma dor de cabeça

Mas se por um lado o turismo impulsiona a economia portuguesa e cria postos de trabalho, por outro lado, o setor vê-se a braços com falta de mão-de-obra, não ficando alheio ao que se passa com outros setores de atividade. 

Em entrevista ao nosso jornal, a secretária-geral da AHRESP, Ana Jacinto, reconheceu que têm sido batidos recordes de contratação. “O setor bateu recordes de empregabilidade e isso significa que continuamos a precisar de trabalhadores. Sabemos que superámos os valores do mesmo período de 2019 e neste momento temos cerca de 319 200 trabalhadores no alojamento e restauração”. 

Já o presidente do Turismo do Porto e Norte, Luís Pedro Martins, acena com a falta de 50 mil trabalhadores e acredita que não é possível colmatar esta falha sem o recurso à imigração. “É um problema que está identificadíssimo por todos, só falta avançar e acelerar todos os processos que permitam captar profissionais do setor que se encontram em outras latitudes, alguns com grande proximidade a Portugal, como são os países de língua portuguesa, os PALOPs, onde encontramos gente já com alguma formação. E se não tiverem formação podemos dá-la em Portugal. Temos das melhores escolas de turismo que existem a nível europeu, agora temos é de acelerar, porque isso poderá ser um problema não de longo prazo, mas de curto prazo se defraudarmos aqueles turistas que vêm para Portugal e que vêm à procura da tal promessa de uma oferta qualificada”, revelou numa entrevista ao Nascer do SOL.

Parte desse problema pode, no entanto, segundo o responsável, ser superado, mas em números que ficam aquém do necessário através de aumentos salariais. “É uma questão transversal ao país e quem disser o contrário não está a falar verdade. Obviamente que temos no setor do turismo, como em outros setores, de aumentar salários. E por aquilo que vou conversando, nomeadamente com os responsáveis do setor privado, é algo que já está no seu consciente e sei que nos últimos tempos foram dados passos no sentido de aumentar as condições remuneratórias dos trabalhadores. Se não o que acontece? Não conseguimos reter talento e aqueles que vamos formando facilmente são aliciados pelo nosso país vizinho ou por outros países”.

Ainda assim, Ana Jacinto reconhece que estão a ser dados passos do lado das empresas em que apostam na questão dos salários emocionais. “Precisamos de capacitar os nossos empresários e despertá-los para estas componentes que são preciosas, porque não é só o salário propriamente dito, o salário emocional é cada vez mais importante para o trabalhador e para o novo perfil do trabalhador”, refere.

Apesar de aplaudir esta ideia, Paulo Rosa reconhece que “a imigração é uma solução a adotar sempre que há escassez de mão-de-obra”. Quanto aos aumentos salariais, defende que estes “devem ser sempre acompanhados de ganhos de produtividade, caso contrário o negócio e as empresas em causa não são viáveis”.

Mais otimista está Vítor Madeira: “Salários mais competitivos e com melhores condições será o suficiente para prender trabalhadores portugueses que optam por fazê-lo no estrangeiro”.

 

Oferta diversificada

O setor vai dando cartas e, ao mesmo tempo, vai apostando na sua oferta. Uma delas diz respeito ao tipo de dormidas que os turistas têm acesso. De acordo com os dados da Portata, em 1962 havia pouco mais de 56 mil camas, no ano passado esse número disparou para quase 458 mil. Já em relação aos estabelecimentos passou de 1310 para 7092 nesses mesmos anos (ver tabelas).

A ideia é continuar a reforçar este número. De acordo com o relatório da consultora Lodging Econometrics (LE), Portugal é o quarto país da Europa com mais projetos hoteleiros em construção e em pipeline, ou seja, planeados para os próximos 12 meses. Tratam-se de 130 novas unidades e que irão trazer ao mercado mais de 15 mil quartos. Por outro lado, o interior vai também crescendo na sua importância, apresentando apostas cada vez mais diversificadas.