A destruição de uma carreira

Vieira tinha de vender Félix mas de um modo que a massa associativa não protestasse. A solução era surgir algum clube que batesse a ‘cláusula de rescisão’, que era de 120 milhões. O negócio cheirou, portanto, a esturro. Pareceu feito à medida de um plano.

Ocaso de João Félix é um dos episódios mais tristes do futebol moderno.   Félix tinha feito meia época na primeira equipa do Benfica, com alguns bons jogos e outros assim-assim, quando, surpreendentemente, se anuncia que o Atlético de Madrid está disposto a pagar por ele mais de 120 milhões de euros. A consumar-se, seria uma das maiores transferências de sempre do futebol mundial. Por um jovem de 19 anos que parecia ter qualidades mas não era nem de perto nem de longe um novo Messi. Era um jogador talentoso.
Mas o negócio fez-se mesmo. Ana Gomes falou de «lavandaria», sugerindo pouco subtilmente que se tratava de lavagem de dinheiro. A mim, também me pareceu logo uma tremenda moscambilha. Aliás, fácil de explicar.

Luís Filipe Vieira precisava de dinheiro (para o Benfica e eventualmente para si próprio) e tinha de fazer um grande negócio. Nessa altura, o jogador mais promissor da equipa era João Félix. Sucede que estávamos em vésperas de eleições para a presidência e vários sócios acusavam Vieira de não segurar os jogadores formados no clube, vendendo-os na primeira oportunidade, como acontecera com Bernardo Silva e outros.
Vieira encontrava-se, portanto, perante o seguinte problema: tinha de vender Félix mas de um modo que a massa associativa não protestasse. E como fazê-lo? A solução surgiu naturalmente: se algum clube batesse a chamada ‘cláusula de rescisão’, que era de 120 milhões, o Benfica seria obrigado a vender e ninguém poderia dizer nada. Foi aí que surgiu o Atlético de Madrid a oferecer 126 milhões. 
O negócio cheirou, portanto, a esturro. Parecia feito à medida de um plano.
Alguém o intermediou, alguém também ganhou dinheiro com ele. Diz-se que o empresário Jorge Mendes conseguia milagres nesse campo, e pode ter sido ele o autor da façanha. Não sei.
O que é possível dizer com segurança é que Luís Filipe Vieira conseguiu plenamente os seus intentos: vendeu o jogador, arrecadou muito dinheiro e não concitou a ira dos adeptos.

João Félix também parecia ser um dos grandes beneficiários da história.
Mudou-se para Madrid como um príncipe, passou a receber um ordenado milionário, deram-lhe uma casa magnífica, arranjaram-lhe uma bonita namorada (ou ela ofereceu-se-lhe).
Os problemas vieram a seguir.
Os adeptos do Atlético não conheciam o futebolista mas, perante a fabulosa quantia que custara, esperavam ver aparecer-lhes à frente um génio. O que viram, porém, foi um jogador apenas jeitoso. Aqui e ali começaram a ouvir-se vozes descontentes. O treinador Diego Simeone também começou a ter dúvidas. Ainda por cima, gosta de jogadores duros – e Félix mostrava-se macio. A pouco e pouco, o português foi perdendo a titularidade. E amuou. Com tanto barulho à sua volta e tantos milhões gastos para o contratar, ele próprio acreditara que era uma grande estrela – e não percebia o motivo para o treinador não o pôr a jogar. O ambiente à sua volta foi ficando escuro. 

Chegámos a uma situação em que ninguém quer João Félix. O Atlético de Madrid não o quer, o treinador do Barcelona – clube que Félix disse precipitadamente que gostava de representar – afirmou que não o deseja. O Chelsea, clube a que foi emprestado, não ficou com ele.
Quem quer um jogador caprichoso, com tiques de vedeta, que nos últimos anos tem jogado muito irregularmente e não dá garantias de um rendimento constante?
Uma das coisas essenciais para um jogador de futebol crescer é jogar. Ora, na fase crucial da sua carreira, Félix pouco tem jogado. Há quatro anos estava em plena fase ascensional; agora está em pleno declínio. Perdeu a titularidade, não encontra quem o queira, até perdeu a namorada, que o trocou por um piloto de Fórmula 1.
Assim se destrói a carreira de um jogador promissor.
A ganância do dinheiro, a imaturidade (ou mesmo ingenuidade) do jogador, a falta de escrúpulos de dirigentes e empresários, tudo concorreu para dar cabo do futuro de um futebolista com qualidades mas cujo percurso teria de ser gerido por todos com outra cabeça, com outra seriedade, com outro profissionalismo. Inclusive a família não lhe terá dado os melhores conselhos.
Não sei se Félix irá ou não para Barcelona. Mas, se for, será quase por favor. Ou melhor, para encher outra vez os bolsos de alguém. Ao dizer que «a Administração é que sabe…», o treinador do Barça como que disse: Félix não é uma questão desportiva, é uma questão de negócio. 
Como futebolista, João Félix não interessa ao Barcelona; pode interessar por razões de outra índole – comerciais, de marketing ou similares. Deixou de ser um jogador para ser apenas uma mercadoria.
Ao que o futebol chegou!