A certidão de óbito da Justiça

Infelizmente o Governo não apresenta qualquer solução para este bloqueio que existe nos nossos Tribunais, e que está a privar os cidadãos do acesso à justiça.

Terminou ontem o período de férias judiciais, pelo que se deveria verificar hoje, dia 1 de Setembro, o regresso ao trabalho dos operadores judiciários. No entanto, o anúncio que temos é o da continuação das greves que têm paralisado o sector. Na verdade, o Sindicato dos Funcionários Judiciais agendou precisamente para o dia de hoje uma paralisação, enquanto que o Sindicato dos Oficiais de Justiça agendou também uma greve para a próximo segunda-feira, dia 4 de Setembro. O regresso ao trabalho nos tribunais ameaça assim continuar a ficar comprometido devido à continuação das greves que têm ocorrido no sector da justiça e para os quais o Governo se mostra incapaz de dar resposta, apesar de ser evidente a justiça da luta destes trabalhadores pela melhoria do seu estatuto profissional.

O resultado destas greves tem sido que a justiça se encontra completamente paralisada, nunca tendo recuperado desde os tempos da pandemia. Mas, ao contrário do que sucedeu nesse período, em que se sabia que os tribunais estavam encerrados, excepto para processos urgentes, neste momento ninguém sabe qual o tribunal que irá funcionar, obrigando os advogados e os cidadãos a sucessivas deslocações aos tribunais para julgamentos que não se realizam. 

Infelizmente o Governo não apresenta qualquer solução para este bloqueio que existe nos nossos Tribunais, e que está a privar os cidadãos do acesso à justiça. Na verdade, a única coisa que o Governo fez foi abrir um concurso para contratar 200 novos funcionários judiciais, mas com um salário baixíssimo e com vagas completamente fora do local da sua residência. Por isso grande parte dos candidatos admitidos nem sequer irá tomar posse, devido aos lugares distantes em que foram colocados.

Um dos casos foi relatado pelo Público em notícia do passado dia 21 de Agosto. Um funcionário judicial de 51 anos, licenciado em Direito, foi obrigado a deslocar-se de Vila Nova de Gaia até ao Algarve para ganhar apenas 900 euros líquidos. Trata-se neste caso de um antigo advogado que, devido a doença oncológica, foi obrigado a deixar a profissão. Como funcionário judicial irá apenas ganhar esse valor, apesar da licenciatura em Direito pré-Bolonha e da longa experiência profissional que tinha adquirido na advocacia. O irónico nesta história é que a proposta de revisão do Estatuto da Ordem dos Advogados apresentada pelo Governo lhe asseguraria, caso fosse advogado-estagiário com uma licenciatura pós-Bolonha, um ordenado de 950 euros mensais. Isto no caso de encontrar algum escritório de advogados disposto a pagar esses valores, o que nos parece absolutamente irrealista, mas é neste ambiente virtual em que o nosso Governo vive.
Mas se o Ministério da Justiça se mostra completamente incapaz de resolver a situação causada pelas greves, que está a deixar a justiça completamente paralisada tem, no entanto, dirigido o seu esforço para outras medidas que provavelmente muito beneficiarão os cidadãos. 

Uma delas é a disponibilização no Citius das gravações das audiências de julgamento, já que a Ministra julgava, conforme declarou em entrevista, que os advogados ainda as recolhiam através de disquetes. Na verdade, se no meio das múltiplas greves que assolam o sector alguma audiência de julgamento se realizar, já a sua gravação estará disponível no Citius. É um progresso, mas seguramente que não compensará a enorme perda de tempo que os advogados e os cidadãos sofrerão ao se deslocarem aos tribunais para a realização de audiências adiadas.

Mas a medida mais emblemática deste Governo para o sector da Justiça foi ter declarado que a certidão de óbito passava a ter validade permanente. O Governo de facto bem pode passar definitivamente a certidão de óbito ao sector da justiça, pois não se prevê qualquer viabilidade de o mesmo ressuscitar enquanto este Governo se mantiver em funções.