Por Mário Ramires
Cinco-meses-cinco. Foi o tempo que o Bloco de Esquerda demorou a censurar os comportamentos anormais – machistas e de assédio sexual – de Boaventura Sousa Santos enquanto dirigente do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra.
A novel coordenadora dos bloquistas, Mariana Mortágua, escreveu assim num post matinal nas redes sociais: «O futebol pertence-lhes e elas não pertencem a ninguém. Aceite ou não, Rubiales sairá da presidência da Federação Espanhola de Futebol e da vice-presidência da UEFA. Não há lugar para machismo e assédio, no futebol ou onde quer que seja».
A censura ao sociólogo e professor catedrático fica bem expressa, e de forma direta e explícita, nesta última frase.
Mortágua tem toda a razão: o machismo e o assédio têm de ser condenados sempre, seja no futebol espanhol, seja onde for – como na academia portuguesa.
E maior deve ser a censura quando tais e sempre lamentáveis atos são praticados por dirigentes, que por isso têm especiais responsabilidades, e que se aproveitam de seus cargos de direção ou liderança para se permitirem atitudes abusadoras e violentadoras de quem em posição de fragilidade, subalternidade ou dependência.
Mais ainda se em causa estão representantes de instituições com estatuto de utilidade pública – como uma Federação desportiva… ou uma universidade.
Por isso, é pena que a censura do Bloco de Esquerda aos ignóbeis comportamentos do seu guru e benfeitor tenham demorado tantos meses.
E foi preciso um beijo. Um beijo que virou agressão e que suscita muito mais reações e polémicas no pais vizinho do que a inconsequência dos resultados das eleições gerais.
Mas que importa a política, se Espanha ganhou o mundial de futebol feminino? E o que importa aos espanhóis ter a seleção feminina conquistado o título mundial se o presidente da Federação celebrou como um energúmeno emocionalmente descontrolado?
Antes do beijo da celeuma, a imagem de um boçal agarrado aos genitais a comemorar a vitória da seleção espanhola, na tribuna, ao lado da Rainha e da Infanta revelou uma indignidade atroz.
Pode lá alguém, mesmo sozinho, permitir-se tão baixo gesto?
Nem se percebe como o homem pretendeu justificar-se e, pior, como puderam dirigentes e funcionários federativos, incluindo o selecionador e até atletas, aplaudi-lo de pé naquela primeira conferência de imprensa em que chamou estúpidos aos críticos e repetiu que não se demitiria?
Pareciam aquelas ativistas dos movimentos feministas de Coimbra que mal confrontadas com o livro acusador procuraram relativizar, dizendo com impensável desfaçatez que Boaventura Sousa Santos «tem dessas coisas».
Já para não falar da infelicidade de uma professora catedrática especializada na defesa da condição feminina que se auto-flagela com os castigos da mudez e da quietude que ensina como absolutamente errados às desinformadas e indefesas vítimas de outras relações doentias ou opressoras, por amor cego, por dependência económica ou por necessidade social.
Pois é, nada como criticar o que se passa na casa do vizinho e tentar varrer para debaixo do tapete o lixo da nossa.
Como Mariana Mortágua sentenciou, Rubiales, aceite ou não, vai sair da presidência da Federação Espanhola e da vice-presidência da UEFA. Porque não há lugar para machismo e assédio onde quer que seja.
O beijo de morte está dado.