Rainhas do mundo

A Espanha sagrou-se campeã do mundo numa competição que foi importante para a afirmação do futebol feminino. A história é antiga, mas foi frente a Portugal que as espanholas fizeram o primeiro jogo oficial… e perderam.

Ao contrário do que muitos velhos do Restelo e alguns “sábios” do futebol previam, o Campeonato do Mundo, que se realizou na Austrália e Nova Zelândia, foi bem disputado, teve grandes surpresas – as anteriores quatro campeãs do mundo não passaram dos quartos de final – e a maioria dos jogos foi interessante, sem perdas de tempo infantis e teatralismos do tipo levam um encosto pelas costas e queixam-se da cara como acontece no futebol masculino. O alargamento de 24 para 32 equipas trouxe novas seleções e aumentou a competitividade. Quem dizia que haveria resultados desnivelados porque o nível das seleções era muito diferente enganou-se.

Foram marcados 164 golos, no mundial masculino realizado no Qatar em 2022 marcaram-se 172 golos, e muitos nasceram de belas jogadas de futebol. A provar o sucesso e a afirmação do futebol feminino estão os números: quase dois milhões de adeptos estiveram nos estádios em países com outras tradições no desporto, dois mil milhões de espetadores seguiram o Mundial pela televisão em todo o mundo, apesar do fuso horário não ser o mais adaptado aos grandes mercados, as plataformas digitais da FIFA registaram mais de 50 milhões de visitantes em toda a competição, um aumento de 130% em relação ao Mundial de França 2019, e 770 mil pessoas compareceram nas Fan Zone criadas pela FIFA. A competição gerou mais de 524 milhões de euros disse o presidente da FIFA, Gianni Infantino, que considerou que a nona edição do Campeonato do Mundo foi «a maior e melhor edição de todos os tempos».

Exemplo espanhol

Ser mulher e futebolista em Espanha nos anos 70 era uma proeza. As primeiras jogadoras a representar a seleção jogavam contra as adversárias, mas também contra o sistema. Em 1970 começaram a formar-se equipas de futebol feminino recrutando jovens jogadoras através de anúncios na imprensa. O primeiro jogo internacional não oficial foi a 21 de fevereiro de 1971, em Múrcia, frente a Portugal, uma partida que terminou empatada (3-3), e que esteve quase para não se realizar. Havia tantos espetadores no estádio La Condomina que o delegado do Governo pensou em cancelar o jogo. O primeiro jogo oficial de Espanha foi, em 1983, e terminou com a vitória de Portugal (1-0). Das pioneiras de 1971 até à vitória no Mundial de 2023 foi um longo caminho.

A Espanha disputou, pela primeira vez, um campeonato do mundo em 2015: passados 8 anos é campeã. A evolução foi extraordinária e começou pelo excelente trabalho de base como atestam os êxitos das seleções femininas de sub-17 e de sub-20 que já tinham sido campeãs do mundo, com a particularidade de Salma Paralluelo ser a única jogadora a conquistar os três títulos. 

O exemplo espanhol pode servir de inspiração à seleção nacional. A Espanha começou pior do que Portugal, em 2015 não ganhou qualquer jogo na fase de grupos, em 2019, caiu no primeiro jogo a eliminar e, na terceira participação, venceu. Na estreia no Campeonato do Mundo, Portugal não passou a fase de grupos, mas conseguiu uma vitória (Vietname) e um empate (EUA), e mostrou um futebol de qualidade, sobretudo no jogo com as norte-americanas, que ainda eram as bicampeãs do mundo. O nível alcançado foi elevado e, caso tivesse ficado noutro grupo, a primeira presença num mundial teria sido ainda melhor, mesmo assim Portugal ficou na 19.ª posição entre 32 seleções e ocupa, neste momento, o mesmo lugar no ranking da FIFA. A seleção pode naturalmente fazer melhor, pois qualidade existe como ficou demonstrado pela irrequieta Jéssica Silva que, segundo a FIFA, foi a segunda jogadora com mais dribles realizados (7) – só a espanhola Salma Paralluelo fez melhor (10). Portugal foi a terceira melhor defesa do mundial com apenas 1 golo sofrido, mesmo depois de ter defrontado a anterior campeã e vice-campeã do mundo.

Hoje, há muitas raparigas sonham seguir as pisadas das Navegadoras, mas é preciso que sejam criadas condições, ou seja, que os clubes e a Federação Portuguesa de Futebol continuem a apostar nesta modalidade e que o Estado e as entidades invistam no futebol feminino para que as jogadoras possam ter condições para mostrar o seu potencial. A título de exemplo, a Espanha e Inglaterra, as duas finalistas do Mundial, têm ligas profissionais e quase todos os grandes clubes têm equipas femininas. ´