Brandon Cronenberg. O terror corre-lhe nas veias

O realizador canadiano, Brandon Cronenberg, vai estar na 17ª edição do MotelX para apresentar o seu filme mais recente, Infinity Pool. 

Considerado uma das maiores promessas da atual geração de realizadores do cinema de terror, Brandon Cronenberg – sim, filho do mestre David Cronenberg, realizador de clássicos como A Mosca (1986) ou Crash (1996) – vai marcar presença no festival MotelX.

Neste certame, o cineasta vai apresentar a sua alucinante nova longa-metragem, Infinity Pool, 15 de setembro, às 21h30, na Sala Manoel de Oliveira, uma masterclass, dia 17, às 18h, e vai acontecer também uma retrospetiva da sua carreira, com exibições dos seus filmes anteriores, Antiviral (2012) e Possessor (2020), respetivamente, nos dias 16 e 17.

Ao i, o canadiano falou sobre o processo de criação do seu filme mais recente, como foi trabalhar com os seus protagonistas, Mia Goth, que está numa senda de elogiadas performances em filmes de terror, depois de ter participado em X e Pearl (ambos de 2022), e Alexander Skarsgård, e ainda avaliou como tem sido o processo de criar a sua própria identidade artística apesar de ter o “peso” de um apelido de família tão sonante na indústria.

 

 

O Infinity Pool apresenta alguns conceitos de alta ficção científica, como a clonagem, morte ou o renascimento. Gostaria de saber, de onde surgiu a inspiração para juntar todas estas ideias num filme?

A ideia original para o filme é baseada numa história curta que tentei escrever há vários anos. O conceito original era, essencialmente, apenas a primeira execução do Infinity Pool. Era um personagem a observar um duplo seu a ser assassinado. A minha vontade erra abordar a filosofia da identidade pessoal, tentar explicar o que é ser uma pessoa, mas também explorar diversas ideias sobre o castigo e o objetivo de castigar alguém. Desse ponto de partida, expandiu-se, dessa história curta, para um filme sobre uns turistas num resort luxuoso, o que permitiu incluir uma série de elementos interessantes. Este ambiente pareceu-me o melhor para falar sobre pessoas que operam sem qualquer tipo de consequências convencionais nas suas vidas.

Estava a falar sobre o resort que serve de cenário para a maior parte do filme.  Este é um cenário bastante diferente daquele que utilizou nos seus anteriores trabalhos, nomeadamente, Antiviral (2012) e o Possessor (2020). O que o motivou a fazer um filme neste contexto tão diferente?

Acima de tudo, senti que este era o ambiente certo para contar esta história. Este filme deixou-me bastante excitado porque tive a oportunidade de fazer algo diferente, uma vez que tive a oportunidade de experimentar com uma palete diferente de ambientes e de localizações para fazer as gravações. Mas, acima de tudo isto, a escolha foi muito mais guiada pela história. Queria contar uma narrativa sobre pessoas que vivem livres de consequências e como isso pode afetar a sua psicologia, visto que podem ser ilibados de fazer qualquer tipo de ato. Senti que, no mundo real, um resort turístico é onde este conceito está mais próximo da realidade, por isso, fez-me sentido escolher este cenário.

Este filme foi gravado na Croácia e na Hungria. O que é que o ambiente europeu trouxe de diferente ao Infinity Pool?

As gravações do filme foram divididas em sessões em Šibenik, na Croatia, e em Budapeste na Hungria. Estas cidades afetaram imenso o visual do Infinity Pool. Não escrevi novas cenas e o objetivo do filme sempre foi ter esta estética de Bloco do Leste, quase como se tratasse de uma versão de um sonho de uma destas regiões, mas, quando chegámos aos locais de filmagem, a história real destes locais começaram a invadir o filme e a definir muito da sua estética. 

Pode dar-nos algum exemplo de algo que tenha entrado no filme? 

Por exemplo, os carros que os polícias conduzem durante as cenas eram os mesmos que as forças de segurança usavam para transportar os políticos. A arquitetura deste período, com todas as suas influências do brutalismo, que podemos ver no resort, que foi construído durante o período comunista, e, eventualmente, renovado para versão mais moderna pelo seu novo dono, ajudou a definir aquilo que viria a ser o filme.

Infinity Pool surge numa altura em que existem diversos filmes, como o Parasitas, Triângulo da Tristeza ou The Menu, com o tema "eat the rich". Este tipo de filmes também serviram de inspiração para criar o seu filme mais recente?

Para ser honeste, fazer um filme é um processo tão longo que, quando comecei a trabalhar no Infinity Pool, esses trabalhos que mencionaste ainda nem sequer tinham sido lançados e eu não estava a par do seu conteúdo, por isso, acima de tudo, é uma coincidência terem sido todos lançados ao mesmo tempo. 

Talvez seja um produto dos tempos que correm.

Existe uma longa tradição deste tema ser retratado no cinema. Diria que pode dever-se ao estado atual da economia e todos os problemas que estão a surgir daí, mas, a um nível mais pessoal, este foi um projeto que demorou tanto tempo a ser concluído e acabou por coincidir com todos estes projetos. 

Neste filme trabalha com a Mia Goth, que, recentemente, está numa série de performances que estão a ser bastante elogiadas, por exemplo no X (2022) e no Pearl (2022), como foi trabalhar com uma atriz tão talentosa?

Foi incrível. Já queria trabalhar com a Mia desde o início da sua carreira. A primeira vez que a vi foi no Ninfomaníaca – Vol. 2 (2013) e achei-a brilhante. Ela é uma daquelas atrizes que brilha através do ecrã cada vez que surge em cena. Até nas cenas mais pequenas, ela rouba as atenções sempre que está a ser filmada. Quando estava a trabalhar no Infinity Pool, ainda não tinha visto nenhum dos filmes que mencionaste, aliás, ela estava a acabar de gravar o X quando lhe enviei o guião. Foi uma feliz coincidência os seus desempenhos terem sido tão elogiados por todos estes filmes, mas acredito que ela tem sido incrível ao longo da sua carreira e é um grande prazer trabalhar com ela.

Uma das cenas mais excitantes do filme é quando a personagem de Mia Goth, Gabi Bauer, e outros hospedes do resort estão a perseguir o James Foster, interpretado por Alexander Skarsgard, e ela começa a gritar "Jamesy". Para um realizador, como é observar uma cena tão icónica a desenrolar à sua frente?

É muito excitante e gratificante. Em primeiro lugar, quando temos uma atriz tão boa a fazer uma performance tão impressionante, isso facilita imenso o nosso trabalho. Mas, nesse mesmo momento, já sabia que ia ser um dos pontos altos do filme. Quando estávamos a gravar essa cena, todos os membros da equipa e do cast sabiam que estavam a ver um momento especial. Foi um momento muito apelativo e foi difícil de retirar os olhos do que estava a acontecer. Não foi muito mudado daquilo que estava no guião, mas quando o escrevi não estava à espera que fosse um dos momentos altos do filme, por isso, é um bom exemplo de como a Mia é capaz de elevar um guião. A sua entrega elevou o meu trabalho.

A química entre Mia e Skarsgard é completamente alucinante, por exemplo, na última cena, quando a atriz está a amamentá-lo. Também deve facilitar o trabalho de um realizador quando os seus atores se compreendem tão bem. 

Eles são atores brilhantes, mas, mais importante do que isso, são atores que não se importam de cruzar limites e barreiras com as suas performances. O Alexander, apesar de também fazer papéis em filmes mainstream de Hollywood e ter o aspeto e o carisma para ter sucesso a desempenhar esse tipo de personagens, ele é muito mais interessante do que isso. Ele tem um lado muito subversivo e gosta de se chegar a estes cantos mais extremos da sua personalidade. Quando temos dois atores assim, que se alimentam um do outro, que não tem medo e querem abraçar o material com que estão a trabalhar é algo maravilhoso para um realizador, especialmente tendo em conta o filme que estava a tentar fazer. 

Acredita que a Mia Goth tem o que é preciso para ser a grande "scream queen" da sua geração?

Para ser honesto, acho que ela pode fazer qualquer coisa. Sei que as pessoas lhe chamam "scream queen" porque ela vai numa fase em que fez grandes performances em filmes de terror, apesar de considerar que é um belo elogio, também sei que, para ela, a Mia está a seguir as personagens e não o estilo de filme. Já fizemos entrevistas juntos, sei que ela gosta de filmes de terror, mas ela também é atraída por um certo tipo de personagens complexas e um certo tipo de realizadores. Imagino que ela, no futuro, faça uma grande variedade de filmes e estilos em vez de se manter apenas no cinema de terror.

Li uns comentários na internet, que me deram muita vontade de rir, onde os fãs queriam que a Mia Goth fosse uma das próximas princesas da Disney.  Era um filme que pagava para ver.

Também gostava de ver e tenho a certeza de que ela faria um excelente trabalho (risos).

Noutros tópicos. Nos últimos anos, Hollywood tem sido alvo de um discurso bastante duro contra o nepotismo. Não querendo entrar muito profundamente neste tema, mas quais foram as maiores dificuldades que encontrou em tentar distanciar-se do seu pai, David Cronenberg, e a criar um nome por si próprio?

Se estás numa posição em que és associado a uma posição através da tua família, a única coisa que podes fazer, honestamente, é seguir os teus próprios impulsos criativos e os teus interesses. Não acredito que tentares distanciar-te ou abraçar esta realidade é uma boa ideia porque, no fim do dia, isso só vai fazer com que o teu trabalho seja definido no contexto da carreira de outra pessoa. A minha expectativa é continuar a trabalhar e se alguém encontrar algum valor no que estou a fazer, isso é o melhor que posso esperar.

O que acha que foi o ensinamento mais importante que aprendeu com o seu pai?

Já me perguntaram esta pergunta algumas vezes e o problema é que nunca consigo arranjar uma boa resposta. Acredito que, acima de tudo, crescer dentro de sets de filmes permitiu-me perceber como é que estes funcionam e processar todo o aspeto técnico por trás desta arte.

Qual é a sua memória favorita dos momentos em que esteve presente na gravação dos filmes quando era criança?

Não sei bem o que responder (risos), para mim, era tudo parte de uma rotina, não é assim que recordo essas gravações.

Segundo notícias, está a trabalhar no desenvolvimento de uma série de televisão, Super Cannes, baseada no romance de J. G. Ballard. Como está a correr este projeto?

É algo que ainda estou a trabalhar, não tenho grandes atualizações, mas espero que em breve possa partilhar algumas notícias novas com os fãs.

Porquê trabalhar agora neste formato diferente?

Acredito que seja uma variação interessante do formato a que estou habituado. Permite uma narrativa mais longa e que se pode estender durante mais horas. Isto é algo que é bastante apelativo para mim. Não quero parar de fazer filmes, esse continua a ser o meu interesse primário, mas também tenho interesse em experimentar com esta forma diferente de contar uma história. Além disso, de atualmente, a televisão já não tem de seguir as regras tradicionais. Existem oportunidades que permitem brincar com o formato, nem todos os episódios tem que ter a mesma duração, e isso motiva-me a querer embarcar nesta aventura e a desafiar-me num formato diferente.