“Não sei o que ando a fazer aqui. Sinto-me completamente desmotivado e sem vontade de viver. Todos os dias são um martírio para mim”, começa por dizer Martim (nome fictício), de 22 anos, estudante de Medicina numa instituição de Ensino Superior portuguesa que prefere não especificar. “Tenho medo de que alguém perceba que sou eu. A verdade é que ainda há muitos estereótipos e estigmatização da doença mental. Por isso, se os meus colegas perceberem que me corto e que já sofri de distúrbios alimentares, muito por culpa das redes sociais, podem não ser propriamente simpáticos”, desabafa.
Já em 2017, um estudo revelou que um quinto dos jovens já se magoou intencionalmente e que as raparigas têm uma maior propensão para o fazer. “Cerca de 20% dos adolescentes [inquiridos] reporta ter tido pelo menos uma vez na sua vida o envolvimento em comportamentos autolesivos”, afirmou Ana Xavier, da Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra, citada pela agência Lusa. A automutilação pode passar por cortes, queimaduras, arranhões, o objetivo é magoar o próprio corpo para “regular emoções difíceis e intensas”, acrescentou a investigadora.
A investigação revelou ainda que as raparigas registam um “maior envolvimento” neste tipo de comportamentos, são também elas quem reporta “maiores níveis de sintomas depressivos”. As raparigas tendem a ser “mais autocríticas e a relatar maiores problemas com o grupo de pares”, lê-se no estudo. Para a investigadora, a automutilação não sugere “”intencionalidade de suicídio”, mas constitui um fator de risco que deve ser tido em conta.
Os resultados “são importantes porque alertam para a importância de se fazerem intervenções e de se estar atento a este tipo de dificuldades” nos adolescentes, sublinhou Ana Xavier. Os resultados, embora possam ser considerados chocantes, eram semelhantes aos já reportados em estudos internacionais. O estudo teve por base um inquérito a quase três mil jovens, com idades entre os 12 e os 19 anos.
Quanto aos distúrbios alimentares, um estudo sobre o impacto das redes sociais na saúde mental dos jovens em Portugal revelou algumas conclusões preocupantes. O estudo, conduzido pela Dove e que envolveu 1.200 jovens e pais em Portugal, trouxe à luz os seguintes resultados: cerca de 86% dos jovens portugueses admitiram estar viciados em redes sociais, um valor superior à média europeia de 78%. Além disso, 90% deles começaram a usar redes sociais desde os 13 anos; preferência pela comunicação online – a maioria (80%) dos jovens prefere comunicar através das redes sociais em vez de pessoalmente, e consideram essas plataformas como parte integrante das suas vidas. Relataram ainda sentir-se aborrecidos quando não conseguem aceder às suas contas nas redes sociais.
Existe também o impacto negativo na saúde mental: dois em cada cinco jovens reconhecem que as redes sociais têm um impacto negativo na sua saúde mental, principalmente devido aos conteúdos tóxicos que encontram. Isso inclui conteúdos que promovem automutilação (25%) e padrões de beleza tóxicos (90%). Naquilo que diz respeito à influência na imagem corporal, cerca de 45% dos jovens afirmaram ter visto conteúdos que incentivam comportamentos relacionados à restrição alimentar ou distúrbios alimentares. Além disso, 70% deles admitiram consumir informações que os encorajaram a usar filtros excessivos nas suas fotos e vídeos. Três em cada quatro jovens foram expostos a conteúdos que mostravam “corpos perfeitos e irrealistas,“ levando-os a querer mudar a sua aparência.
“Ao contrário de muitas pessoas, escolhi Medicina porque realmente quis. Ninguém me obrigou ou sequer incentivou a ir para este curso. Sempre fui livre de escolher o meu futuro. Mas acho que tenho muitos problemas por resolver e, se não tratar da minha saúde mental, não conseguirei tratar dos outros. Já estou a ter acompanhamento psiquiátrico e espero ter psicológico brevemente”, confessa Martim, sendo que a saúde mental dos estudantes universitários em Portugal está em declínio, com uma parcela significativa a enfrentar sintomas graves relacionados com a saúde psicológica, como depressão, ansiedade e perda de controle. Estes são os resultados de uma pesquisa conduzida pela RYSE, uma associação juvenil que combate o burnout académico, e pela Associação Nacional de Estudantes de Psicologia, que foi divulgada em março passado.
A pesquisa teve como objetivo avaliar a saúde mental e o bem-estar dos estudantes universitários portugueses. Para isso, os estudantes foram convidados a responder a um questionário que avaliava várias dimensões, incluindo ansiedade, depressão, perda de controle, laços emocionais e afeto positivo. Um total de 2084 estudantes participaram no questionário, que foi realizado entre 19 de outubro e 19 de novembro de 2022.
Os resultados mostram que as estudantes do sexo feminino parecem ser mais afetadas do que os estudantes do sexo masculino. No relatório lê-se que “as participantes do sexo feminino apresentam níveis gerais significativamente mais baixos de bem-estar psicológico do que os indivíduos do sexo masculino”. Além disso, as condições psicológicas são “mais graves em todas as dimensões”, exceto em relação aos laços emocionais.
O presidente da RYSE, José Mesquita, que é estudante de Engenharia Mecânica na Universidade de Aveiro, expressou preocupação com essas estatísticas alarmantes e fez um apelo aos órgãos competentes para que ouçam os jovens. Assinalou que a geração atual de jovens enfrenta adversidades sem precedentes, e a falta de atenção às suas necessidades terá impactos duradouros na saúde mental dos adultos no futuro.
Mas não são “apenas” os universitários que sofrem, sendo que esta realidade afeta também os mais novos. “A minha filha tem 14 anos e, todos os dias, tem de tomar um ansiolítico. Não consegue ir para a escola sem o comprimido”, conta Sílvia (nome fictício), mãe de uma adolescente que padece de ansiedade. “Ela teve uma infância feliz e a adolescência estava a correr bem até ficar assim no ano passado. Não sei mesmo quais são os motivos que a levam a sentir-se tão mal mas, enquanto mãe, aflige-me vê-la sofrer”.
Segundo o Estudo Health Behaviour in School-aged Children (HBSC/OMS), a saúde mental dos jovens em Portugal, especialmente entre aqueles com idades de 11, 13 e 15 anos, está em declínio em comparação com o último ano estudado em 2018, passando de uma média de 7,68 para 7,50. Além disso, a perceção de felicidade também diminuiu, com mais de um em cada quatro adolescentes (27,2%) a relatarem sentir-se infelizes, em comparação com 18,3% em 2018.
Os sintomas físicos e psicológicos também aumentaram. Por exemplo, 12,2% dos estudantes disseram ter dores nas costas quase todos os dias (v. págs. 10-11) e 8% relataram ter dores de cabeça quase diariamente. Quanto aos sintomas psicológicos,, 21% dos jovens disseram sentir nervosismo quase todos os dias, 15,8% relataram mau humor ou irritação quase todos os dias, 11,6% relataram tristeza quase diariamente e 9,1% relataram medo.
Além disso, o comportamento autolesivo entre os jovens aumentou de 19,6% para 24,6%, com a maioria deles a magoarem-se intencionalmente nos braços. A pandemia de covid-19, a guerra na Ucrânia e a recessão económica são apontadas como fatores que contribuíram para essas mudanças. A pandemia teve um impacto significativo na saúde mental dos adolescentes, com muitos deles a relatarem tomar medicação para a tristeza, défice de atenção/hiperatividade e nervosismo nos últimos meses.
A falta de contacto social durante a pandemia levou à perda de habilidades socioemocionais, resultando em mais conflitos, lutas, tristeza, insegurança e medo entre os jovens. A qualidade das relações familiares também diminuiu, com uma perceção mais negativa do apoio familiar e menos refeições em família. Em relação às expectativas de futuro, houve uma queda significativa, com os jovens a sentirem incerteza em relação ao seu futuro, o que afetou a sua motivação para estudar e planear as suas vidas.