Por Manuel dos Santos
É fácil reconhecer que o indesejado e perigoso divórcio entre os políticos e os cidadãos não pára de crescer.
No curto prazo, isso pode ser bom para quem está no poder, pois o desânimo produz inércia e desinteresse, a abstenção tende a aumentar e os beneficiados pelo poder instalado mobilizam-se.
Compete à oposição alternativa (as franjas extremistas acabam por beneficiar também desta deterioração) encontrar formas e fórmulas susceptíveis de inverter a situação.
No ciclo político que se inicia no fim do mês de setembro e ‘terminará’ depois das eleições europeias em junho de 2024, haverá dois actos eleitorais que assumem, no actual contexto, uma grande importância.
As eleições regionais da Madeira, onde não estará em causa a vitória do PSD mas antes a dimensão dessa vitória, e as eleições europeias, tradicionalmente difíceis para o partido do Governo, podem ser uma oportunidade para a afirmação de uma alternativa.
Caso se falhe esta oportunidade, é difícil imaginar que a atual legislatura seja interrompida e, assim, os habituais comentadores avençados terão de reformular as suas previsões esotéricas, mesmo em benefício próprio, dos futuros candidatos à Presidência da República.
Os partidos e os seus políticos profissionais tem andado a brincar com coisas sérias pois colocam sempre o interesse das suas tribos acima do interesse nacional e contribuem, irresponsavelmente, para o enfraquecimento do sistema político vigente.
O tiro de partida para esta degradação das instituições começou em 2015, o ano que viu nascer a ‘geringonça’, e, desde então, a crise moral que tomou conta do país, não cessa de se agravar.
Não deixa de ser irónico que tenha sido após esse ano que Portugal teve as melhores condições para se desenvolver: maiorias parlamentares de apoio, colaboração ativa e leal do Presidente da República (PR) com o Governo, taxas de juro próximas do zero e o acesso a um volume de fundos sem precedente na democracia portuguesa.
Se a ‘obra’ não foi feita, se o mal estar se instalou, se a coesão social enfraqueceu e se os cidadãos se afastaram da política, isso é devido, exclusivamente, à opção política assumida por Costa (sem aviso prévio) e à incompetência dos que, desde então, exerceram o poder.
Os defensores dessa solução (a minoria que beneficiou dela) esgrimem com a chamada ‘ilusão do determinismo retrospetivo’ a que se referia Bergson ou seja, a ideia de que o que aconteceu, tinha, de alguma forma, de acontecer.
Não tinha, como hoje facilmente se compreende, tal como também não tinha de acontecer a estratégia da União Europeia, na sequência da crise das dívidas soberanas, conhecida pelo acrónimo TINA (There Is No Alternative) que condicionou a evolução económica nos países mais frágeis do espaço europeu.
Só que neste caso, houve países que fizeram os trabalhos de casa, ou seja reformas, e outros, nomeadamente Portugal, que se deixaram viciar num processo de dependência e subsidiação que se agrava constantemente.
Mais uma vez os próximos meses ou semanas ‘vão ser decisivos’; aliás os próximos meses ou semanas são sempre decisivos, sem que, no entanto, algo mude.
Veremos o resultado do Conselho de Estado (parte dois) entretanto realizado, (este texto é entregue no mesmo dia) mas já não seria mau se ajudasse a corrigir a composição do governo onde se mantém ministros que, numa democracia decente, já teriam sido despachados.
Embora pouco provável, dada a sua personalidade, seria bom que o primeiro-ministro compreendesse que a sua insistência no pacote Mais Habitação, vetado pelo PR, é uma asneira, não só porque a maioria dos cidadãos assim o considera, mas porque para lá de não resolver qualquer problema nesta área, agravará, como o já está a fazer, os problemas existentes.
Também seria justo que o desejo expresso do PR para que a folga orçamental excessiva seja colocada ao serviço dos cidadãos que passam enormes dificuldades e não têm culpa das asneiras recorrentes dos governantes, fosse concretizado.
Embora subliminarmente, foi útil que Marcelo Rebelo de Sousa tivesse invocado esse grande estadista que foi Jorge Sampaio e a sua célebre afirmação «há mais vida para lá do Orçamento». Mas é preciso contextualizar a afirmação e citá-la corretamente.
O que o Presidente Sampaio disse, no 25 de Abril de 2003, foi o seguinte:
«Há mais vida para além do orçamento. A economia é mais do que finanças públicas. O aumento do investimento, da produtividade e da competitividade da economia portuguesa é fundamental para o nosso futuro e requer o esforço continuado e empenhado de todos: governantes, empresários e trabalhadores».
O PR dessa época não referiu o déficit, mas acentuou a necessidade do aumento do investimento, da produtividade e da competitividade da economia, como condições necessárias para construir um futuro melhor.
Jorge Sampaio colocou sempre na sua agenda, a que chamava ‘magistratura de estímulo’ em contraponto à ‘magistratura de influência’, as questões económicas e sociais, que, no seu juízo, marcariam, pela negativa, o nosso desenvolvimento.
Recados certeiros para os tempos atuais.
Sem mudança de rumo e de protagonistas, não há PRR que nos salve nem carta ‘passa-culpas’ para Bruxelas que nos absolva.
E o circo vai continuar!