Talvez poucos pensem que o padroeiro principal da cidade de Lisboa é Santo António, mas não é. Na verdade, a Câmara Municipal de Lisboa é a proprietária detentora do mosteiro e da Igreja onde Santo António nasceu, mas o seu padroeiro é São Vicente. Sim… é verdade!
Se virmos a bandeira da cidade de Lisboa, vai-nos aparecer uma barca e dois corvos. Porquê? A história diz respeito à fundação de Portugal e será sempre bom relembrar a história para aqueles que têm memória fraca ou para aqueles que contam as histórias ao contrário devemos procurar dar a versão mais fiel aos acontecimentos.
Devemos dizer que São Vicente foi martirizado pelo Império Romano muito antes da fundação de Lisboa. Sabe-se que o seu corpo foi durante muito tempo venerado onde hoje se encontra a Ponta de Sagres, também conhecida como Cabo de São Vicente.
Quando os cruzados vieram libertar os cristãos que viviam sob o domínio árabe, tendo chegado a Lisboa travaram grande luta contra os seus habitantes e defensores. O que não sabiam os cruzados é que estavam a lutar contra muçulmanos e, também, contra cristãos. Muitos cristãos que viviam debaixo do domínio árabe foram mortos pelos cruzados que chegaram a Lisboa.
Quem eram esses cristãos? Eram cristãos de rito moçárabe, isto é, cristãos católicos que não celebram conforme o rito romano – que é o nosso caso, hoje – mas conforme o rito moçárabe. Devo relembrar que o rito moçárabe não tem nada a ver com o islamismo, a não ser uma certa influência no próprio gregoriano e entoação dos cânticos. Hoje, quem visitar a Catedral de Toledo poderá ver o rito moçárabe ser celebrado numa das capelas todos os dias.
Onde hoje sou pároco – a Igreja de São Cristóvão – era, naquele tempo, a Catedral Moçárabe. Para acalmar os moçárabes, que, compreensivelmente, estavam revoltados contra os cruzados, estes mandaram vir o corpo de São Vicente para Lisboa, a fim de acalmar os ânimos daquela comunidade cristã. Eram grandes devotos de São Vicente e, por isso, ficaram-lhes reconhecidos pelo acontecimento.
Conta-se, então, que o corpo de São Vicente, vindo de barco, a partir do Algarve até Lisboa, foi seguido por dois corvos. Por isso, o símbolo de São Vicente é, constantemente, representado com um corvo na própria iconografia. A cidade de Lisboa representou esta história na sua própria bandeira.
Parece, pois, que faz 850 anos da chegada de São Vicente à cidade de Lisboa e, por isso, iniciam-se, então, os seus festejos. Vai haver várias iniciativas e vão-se preparar muitas conferências e outras coisas culturais. O que devemos de reter na memória não será tanto a chegado do Santo a Lisboa, mas o testemunho da sua própria vida.
São Vicente é, pois, hoje um anúncio vivo de que Deus existe e de que existe, também, a vida eterna. Numa altura em que a Igreja não era para «todos, todos, todos», mas apenas para aqueles que queriam ser fermento, sal e luz, São Vicente decide não apostatar a fé e, por isso, recebe a coroa do martírio.
Eu não sei se estou realmente preparado para dar a minha vida e morrer para dar testemunho de que tenho a vida eterna dentro de mim. Vou dando a vida aos poucos pelo anúncio do evangelho, mas sei que ainda falta entregar totalmente a minha vida ao chegar a morte. Agora, ter a coragem de olhar em frente e deixar que outros me tirem a vida, penso que é de uma sublimidade enorme.
E porque penso isto? Porque aceito muito poucas vezes as injustiças! Entregar a vida à morte para dar testemunho da nossa fé, deve ser a coisa mais difícil que se nos apresenta às nossas vidas. Estou, porém, ciente que está este momento se aproxima cada vez mais.