Greves, descontentamento, justiça, instabilidade e luta, são algumas das palavras que têm marcado as vésperas do arranque do novo ano letivo 2023/2024. Professores de um lado, a reivindicarem os seus direitos; pais do outro, solidários com a luta mas cansados da falta de aulas; Ministério da Educação a «pintar um quadro» que os docentes não apreciam.
A carência de profissionais nas escolas portuguesas, apontam, é agravada por centenas aposentações. No mês em que arranca mais um ano escolar, 387 docentes (dos quais 29 educadores de infância) foram para a reforma – é o maior número de reformas no arranque de um novo ano letivo da última década.
De acordo com a Caixa Geral de Aposentações (CGA), citada pelo Público, trata-se de um aumento de 50% em relação ao período homólogo (no ano passado, em setembro, 257 professores aposentaram-se). O número tem vindo a aumentar desde 2019, ano em que se reformaram 128 professores em setembro. Em 2020, foram 155.
Entre janeiro e setembro de 2023, reformaram-se 2.207 professores, dos quais 158 educadores. No mesmo período, em 2022, aposentaram-se 1.666 – ao todo, nesse ano, reformaram-se 2.401. A CGA acredita que este ano esse valor deverá ser superado. Se assim for, «será atingido um novo recorde de professores reformados na última década».
De acordo com uma previsão da Federação Nacional de Professores (Fenprof), o total das reformas de professores e educadores até ao final de 2023 deve exceder as 3.500, como refere tanto o dirigente da federação, Mário Nogueira, como José Feliciano Costa, secretário-geral adjunto, ao Nascer do SOL.
No primeiro dia do mês, foram conhecidos os resultados da primeira reserva de recrutamento de professores, que permitiu às escolas contratar quase três mil professores: «Foram colocados 1769 professores contratados em horários completos e incompletos e outros 1006 docentes dos quadros», referiu à Lusa o professor Arlindo Ferreira, especialista em estatísticas da educação. No entanto, «continuam a faltar professores», em especial na área metropolitana de Lisboa, mantendo-se o padrão da semana passada.
Até às 17 horas do mesmo dia, em que arrancava a 2.ª reserva de recrutamento, os diretores escolares já tinham publicitado cerca de 400 horários vazios. E, segundo Arlindo Ferreira «provavelmente este número vai continuar a aumentar».
«400 horários vazios… Continuam e vão continuar! Há departamentos, como o meu de geografia, onde não há professores! Ou seja, faltando um professor de geografia ou informática – que vai acontecer até porque as pessoas adoecem, metem baixa, engravidam (um conjunto de situações que são inerentes a um corpo docente envelhecido) -, não há ninguém que os substitua. Há grupos como o de história, geografia, informática, onde já não há professores em reservas de recrutamento», denuncia José Feliciano Costa. «A carreira não é atrativa! A carreira está profundamente desvalorizada. Os professores perdem tempo de serviços, têm quotas, avaliação de desempenho desgastante… Os miúdos veem isso. Quando chegam ao 12.º ano dificilmente escolhem seguir esta profissão. Vamos continuar a ter este problema e o Ministério da Educação não faz nada para o resolver», lamenta o secretário-geral adjunto da Fenprof.
Uma profissão com futuro?
Apesar da aflição e descrença reinantes face ao paradigma atual, o ministro da Educação, João Costa, defendeu, na quarta-feira, que ser professor é uma «profissão com futuro». «Vamos precisar até 2030 de mais de 30 mil novos professores. Desde que assumi esta pasta, não tive problemas em dizer que temos um problema para resolver, temos falta de professores», afirmou o governante aos jornalistas, durante o VIII Encontro Internacional SUPERTABi 23, uma iniciativa relacionada com um projeto de inovação pedagógica para o 1.º Ciclo que se está a realizar na cidade da Maia.
João Costa acrescentou que o problema da falta de professores «não é apenas português, é global e tem várias explicações»: «Questões de carreira, motivacionais, oferta de empregos que antes não existiam», algo que «está a ser discutido a nível internacional para que sejam arranjadas soluções», frisou. Até lá, sublinhou, «precisamos transmitir aos jovens uma mensagem clara. Ser professor é uma profissão com futuro». «Neste momento temos um sinal positivo que é uma procura muito maior e crescente desde que começamos a publicitar muito claramente que o país precisa de professores. Há uma procura muito maior dos cursos de formação de professores, por exemplo, nos cursos de educação básica, nas escolas superiores de educação tivemos, nestes dois anos, um aumento de 45% de alunos inscritos, nos mestrados em ensino temos mais candidatos do que houve na última década», realçou.
E qual tem sido a resposta à falta de professores? «Vão buscar pessoal não profissionalizado», lamentou José Feliciano da Costa ao i esta semana. «A lei agora permite. Permite o que permitia em 70, depois do 25 de abril, em que houve um boom na escola pública. Como aumentou o número de alunos, eram necessários professores. O que é que aconteceu? Vinham licenciados noutras áreas, como engenheiros químicos que dava química, um economista que dava aulas de economia. Licenciados sem preparação pedagógica… Não tiraram formação específica para o ensino, etc.», explicou. «O Ministério está a chamar gente dessa, que vem para o ensino fazer perninhas, horinhas extraordinárias, alguns porque estão desempregados… Esta não é a solução. Aliás, é uma ‘solução que vai degradar o ensino’».
As greves continuarão
Tal como já havia sido noticiado pelo i desta semana, o novo ano letivo será marcado, ao contrário daquilo que tanto pais como o Governo desejavam, por greves. Ao Nascer do SOL, há duas semanas, já o dirigente da Fenprof havia garantido que «a luta iria continuar».
O coordenador nacional do STOP, André Pestana, anunciou a convocatória de uma greve nacional – entre os dias 18 e 22 de setembro -, que vai coincidir com a segunda semana de aulas. Já no dia 22 de setembro será realizada uma manifestação nacional de todos os profissionais de educação na capital. Além disso, a plataforma de nove organizações sindicais de professores – que inclui a Fenprof -, convocou uma greve nacional para 6 de outubro, um dia depois do Dia Mundial do Professor. De acordo com Mário Nogueira, a primeira semana de outubro vai ser, por isso, «uma semana de forte luta dos professores», com «outras greves nessa semana e outras ações de luta» que se vão prolongar até à discussão do Orçamento do Estado para 2024.
Na sexta-feira passada, o ministro da Educação lamentou a convocação dessas greves para o arranque do ano letivo, defendendo que «os alunos devem estar em primeiro lugar». «Não começamos um ano letivo com as escolas fechadas, temos de começar o ano letivo com as escolas em pleno funcionamento», sublinhou João Costa, em declarações aos jornalistas à margem do encontro Book 2.0, promovido pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros. «Lamento que, num ano letivo que vai começar com uma geração de alunos que teve dois anos de pandemia [e após] um ano com alguma perturbação, a primeira iniciativa anunciada por um sindicato que representa professores seja parar as aulas duas semanas», disse ainda o ministro, reforçando que «é mesmo tempo de nos centrarmos nos alunos e pensarmos se quem defende a escola pública a está a defender penalizando os alunos». O Ministério da Educação, notou ainda, «nunca parou de negociar».
Apesar do Governo ter aberto a porta à recuperação integral do tempo de serviço dos docentes, o decreto-lei que foi entretanto publicado em Diário da República continua a desagradar os professores. A Fenprof entregou na sexta-feira passada uma proposta à tutela para que o tempo de serviço congelado – seis anos, seis meses e 23 dias – seja recuperado faseadamente, 798 dias por ano até ao final do mandato, insistindo num dos principais temas que tem motivado a contestação dos docentes e cuja discussão o Governo já tinha dado como encerrada.
*com Sónia Peres Pinto