As preocupações no regresso às aulas

Apesar desta altura ser, para muitos, sinónimo de mudança de vida e de alegria, as preocupações na entrada num novo ano letivo – quer para os mais novos, quer para os mais velhos – são uma realidade. O stresse, a ansiedade, os preços das casas, o peso das mochilas e os piolhos são alguns dos…

Em contagem decrescente para o ano letivo 2023/2024, é possível que a maior parte das famílias já tenham comprado os materiais escolares dos seus filhos e tenham iniciado as conversas com as crianças sobre as novidades que o novo ano trará. É natural que quem vai mudar de escola sinta borboletas na barriga por medo do desconhecido. Já para quem muda de cidade, para ingressar na faculdade, em breve começará uma das maiores aventuras da sua vida.

Ou seja, à medida que se aproxima o final das férias, um turbilhão de emoções acaba por tomar conta das crianças e jovens portugueses. Por isso, regressar às aulas é sinónimo de ansiedade. Mas quais as maiores preocupações nesta altura do ano? Dos piolhos, às dores nas costas, às dificuldades em arranjar casa, ao cansaço e até mesmo às depressões são muitos os obstáculos e desafios que se impõe nesta altura do ano. 

 

Cada vez mais deprimidos

A saúde mental dos estudantes tem sido uma preocupação de há vários anos, com estudos a revelarem elevadas taxas de problemas de saúde mental, nomeadamente sintomas depressivos e ansiedade. «É importante referir que é normal a existência de alguma ansiedade, uma é positiva, pois estimula as competências dos jovens. Inversamente, a ansiedade excessiva é aquela que passa a ter impacto negativo nos mesmos, já que os bloqueia, que causa incapacidade e sofrimento nas experiências vividas», começava por explicar ao i Elsa Rocha Fernandes, médica psiquiatra e docente convidada na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

Segundo a especialista, os estudantes são uma população especialmente sensível a sintomas psicopatológicos. Afinal «podem estar expostos a fatores que predispõem ao adoecimento mental», tais como: «a pressão para atingirem as exigências académicas, o medo da falha e ambientes estudantis competitivos; podem ainda apresentar problemas relacionados com a escola, ou o ambiente familiar, que impactam negativamente a saúde mental – a existência de bullying, conflitos familiares e/ou violência doméstica, divórcio etc.». Além disso, o excesso de atividades curriculares e extracurriculares, especialmente nas crianças mais pequenas, e a ausência de tempo para brincar podem ser também um fator de impacto negativo na saúde mental.

Já para os professores, as maiores preocupações prendem-se com as «longas horas de trabalho», a «ausência de recursos necessários ao exercício de funções», a «falta de equilíbrio entre vida pessoal e laboral» bem como «questões políticas e económicas», como baixos salários, precariedade do vínculo laboral, falta de progressão na carreira e incerteza das colocações. «Estes podem ser fatores causadores de preocupação no regresso às aulas. Situações de violência verbal e física por parte dos alunos para com outros alunos, auxiliares e os próprios professores e a perda de autoridade na sala de aula, são também geradores de preocupação e ansiedade», afirma a psiquiatra.

Segundo o Estudo Health Behaviour in School-aged Children (HBSC/OMS), a saúde mental dos jovens em Portugal, especialmente entre as idades de 11, 13 e 15 anos, está em declínio: no inquérito, a percentagem dos que responderam estarem satisfeitos com a vida desceu de 7,68 para 7,50. Além disso, a perceção de felicidade também diminuiu, com mais de um em cada quatro adolescentes (27,2%) a relatarem sentir-se infelizes, em comparação com 18,3% em 2018.

 

Crianças com dores nas costas 

Os sintomas físicos e psicológicos também aumentaram. Por exemplo, 12,2% dos estudantes disseram ter dores nas costas quase todos os dias e 8% relataram ter dores de cabeça quase diariamente. Quanto aos sintomas psicológicos, 21% dos jovens disseram sentir nervosismo quase todos os dias, 15,8% relataram mau humor ou irritação quase todos os dias, 11,6% relataram tristeza quase diariamente e 9,1% relataram medo.

Relativamente às dores nas costas – algo que se supõe que apareça com a idade -, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais da metade das crianças em idade escolar transporta mochilas com excesso de peso, o que faz com que comecem, desde cedo, a ter problemas nessa zona. A OMS recomenda que o peso da mochila não ultrapasse 10% do peso corporal da criança. Portanto, se uma criança pesa 30 quilos, a sua mochila não deve exceder 3 quilos.

 

Dificuldade em arranjar casa 

Para os mais pequenos, as preocupações recaem sobretudo pela mudança de ano letivo, de escola, colegas e professores. No entanto, para aqueles que saem pela primeira vez da casa dos pais – mudando-se para a cidade onde se encontra a faculdade em que foram colocados -, o preço dos quartos e casas tem sido um motivo de frustração e inquietação. 

Porque, apesar da oferta ter aumentado, os preços também subiram. De acordo com o mais recente estudo do idealista, a oferta de quartos em casas partilhadas subiu 71% no último ano. Olhando para a oferta por cidades, o «aumento do stock foi bastante acentuado» no último ano, tendo em conta que na grande maioria dos casos supera os 50%. Os dados mostram que em Lisboa (147%) e no Porto (107%) a oferta mais do que duplicou. A capital continua a ser a cidade que tem disponíveis os quartos mais caros e os preços rondam, em média, os 506 euros por mês. Seguem-se Porto (400 euros), Setúbal (380 euros), Faro (380 euros), Aveiro (355 euros) e Braga (350 euros). Já as cidades mais em conta são Coimbra (270 euros), Leiria (270 euros) e Santarém (290 euros).

 

O problema dos piolhos

O regresso às aulas é, para muitos, também sinónimo de aparecimento de piolhos, os bichinhos que teimam em agarrar-se ao couro cabeludo principalmente de crianças e adolescentes – incluindo estudantes, devido ao contacto próximo nos estabelecimentos de ensino -, dando uma grande dor de cabeça aos pais e muita comichão a quem os apanha. 

Os piolhos são pequenos insetos parasitas que vivem no couro cabeludo e se alimentam de sangue humano. Segundo Andreia Sousa, técnica de pediculose na Clínica Clínica Piolho Pop, a sua origem remonta a tempos antigos. «Sabia que foram encontrados nas múmias do Antigo Egipto?», interrogou a especialista, acrescentando que «têm sido uma presença incómoda na história da humanidade há séculos». Espalham-se principalmente através do contacto direto entre cabeças ou pela partilha de objetos pessoais, como escovas de cabelo ou chapéus. «É importante esclarecer que ter piolhos não tem nada a ver com falta de higiene, qualquer pessoa pode apanhá-los, independentemente do nível de cuidado com a higiene pessoal», explicou. 

De acordo com Andreia Sousa, é importante referir o ciclo de vida do piolho e que explica de forma simples como rapidamente podemos ter infestações severas: «As fêmeas adultas depositam diariamente cerca de 10 ovos, podendo chegar a 100-140 lêndeas por dia. Após cerca de uma semana o ovo ou lêndea liberta o piolho e o ciclo repete-se. Nota que fora do corpo humano o piolho pode sobreviver no máximo até 55 horas, acabando por morrer por desidratação (por ser um parasita precisa de sangue humano para sobreviver)», conta. 

Interrogada se apanhar piolhos tem a ver com uma questão hormonal e se afeta mais raparigas do que rapazes, a especialista responde que não. «A infestação por piolhos não está diretamente relacionada à questão hormonal. Os piolhos espalham-se principalmente através do contacto próximo e partilha de objetos infestados. Qualquer pessoa, independentemente de seu sexo ou idade, pode ser afetada pelos piolhos se entrar em contacto com alguém ou algo infestado», frisa, acrescentando que «os piolhos não discriminam com base no género». «O que acontece é que tendo os cabelos geralmente mais compridos, as meninas são um alvo preferido para estes parasitas», reforça.

De acordo com dados fornecidos pela IQVIA Portugal, há um ano, ao i, as famílias gastaram um total de 7 milhões de euros em produtos relacionados com piolhos e lêndeas em farmácias e parafarmácias num período de 12 meses, um aumento de 31% em comparação com o ano anterior, quando a pandemia afetou as interações sociais. Isso inclui uma variedade de produtos, como loções, champôs e pentes elétricos.

Antes da pandemia, os gastos das famílias eram ainda mais elevados, chegando a cerca de 8,9 milhões de euros no mesmo período de 2019/2020. No entanto, a tendência de aumento nos gastos persiste. No total, foram vendidas 380 mil unidades de produtos antiparasitários nas farmácias naqueles 12 meses, o que pode significar que mais de 120 mil pessoas foram tratadas, com um gasto médio de cerca de 18 euros por produto.

 *Com Daniela Soares Ferreira e Maria Moreira Rato