Em meados dos anos 50 do século passado, o embaixador de Portugal no Reino Unido, Pedro Theotónio Pereira, e o advogado inglês Bernard Morgan tiveram a ideia de organizar uma regata com grandes veleiros com o intuito de manter vivas as tradições dos grandes navios de vela e promover boas relações e um melhor entendimento entre jovens de diferentes países. Foi assim que surgiu a Tall Ships Races, no verão de 1956 (durante 30 anos chamou-se Cutty Sark), que possibilitou a muitas embarcações renascerem para a atividade da vela. Vinte navios-escola e centenas de marinheiros de várias nacionalidades tomaram parte na primeira edição, que zarpou de Torbay (Inglaterra) em direção a Lisboa, e teve como ilustres pioneiros o almirante Lord Louis Mountbatten e Filipe, duque de Edimburgo. O veleiro britânico Moyana foi o vencedor, mas no regresso a Southampton apanhou uma tempestade e afundou-se. Os 23 oficiais e tripulantes foram resgatados e ainda tiveram o engenho e a arte de salvar o troféu que tinham ganho.
O sucesso da regata e a atenção mediática justificaram a sua realização até aos dias de hoje, e a Tall Ships Race tornou-se uma das maiores concentrações de grandes veleiros na Europa. A missão manteve-se a mesma de sempre: promover o treino de vela e mar junto dos jovens de todo o mundo.
A regata é organizada pela Sail Training International, cujo objetivo é a educação e o desenvolvimento de jovens de todas as nacionalidades através da formação em vela. Mais do que uma regata, é um encontro de nações, que permite o intercâmbio cultural, conhecer pessoas de diferentes religiões e culturas e visitar diversos portos da Europa, promovendo amizade e compreensão internacional.
A edição deste ano contou com 12 embarcações, incluindo o navio-escola Sagres e a caravela Vera Cruz. Estes navios destinam-se ao treino de mar junto dos jovens e as tripulações eram compostas por marinheiros experientes e aprendizes, cerca de 50% dos tripulantes tinham entre 15 e 25 anos. Para todos eles é uma experiência inesquecível viver a bordo de um veleiro de outros tempos, em comunidade, partilhando tarefas e responsabilidades.
A regata teve 1.900 milhas náuticas (3.520 km) e três etapas. Começou em Falmouth (Inglaterra) a 18 de agosto e fez um stop over na Corunha, antes de zarpar em direção a Lisboa. Depois de quatro dias muito intensos, os participantes saíram da Gare Marítima da Rocha Conde d’Óbidos para a derradeira etapa, que termina em Cádiz. A passagem por Lisboa confirmou a reputação portuguesa para sediar eventos especiais. As instalações marítimas onde os veleiros ficaram eram excelentes e, mesmo ao lado, estavam as Docas, conhecido local de restauração e diversão noturna.
Os ‘senhores’ dos mares
Os grandes veleiros são navios monocasco à vela, com um comprimento de linha de água superior a 9,14 metros, e são classificados em quatro classes consoante as suas dimensões e tipo de velas. O maior navio em competição é o Dar Mlodziezy, uma fragata de três mastros com 109 metros de comprimento e uma tripulação de 162 elementos. Foi construída em 1982 e pertence à Academia Marítima de Gdynia, na Polónia. O seu nome significa ‘o dom da juventude’ e é dos maiores veleiros de treino de mar do mundo. É presença regular nas Tall Ships Races há 25 anos. Realizou também a viagem de circum-navegação por altura do 200.º aniversário da Austrália, em 1988.
As atenções recaiam também na caravela Vera Cruz, uma belíssima réplica das antigas caravelas que os portugueses inventaram no período dos Descobrimentos nos séculos XV e XVI. A caravela portuguesa era uma embarcação rápida, fácil de manobrar e de proporções modestas que, em caso de necessidade, podia ser movida a remos. A tripulação é composta por 21 elementos e tem 24 metros de comprimento. A Vera Cruz esteve em destaque ao vencer três categorias: ‘Melhor entrada de navio em Lisboa’, ‘Comandante mais jovem’ e ‘Navio que melhor recebeu os visitantes’. Foi construída em 2000, no estaleiro naval de Vila do Conde, no âmbito da comemoração dos 500 anos da descoberta do Brasil. Destina-se ao treino de vela e experiências de mar para jovens, participa em provas e outros eventos náuticos.
O vistoso veleiro dinamarquês Georg Stage foi construído em 1934 e tem 51 metros de comprimento. O navio-escola pertence à The Georg Stage Memorial Foundation, e é utilizado para a formação de jovens que pretendem velejar. A história do Georg Stage tem mais de 140 anos. O primeiro navio com este nome foi lançado em 1882, em Copenhaga.
Nesse mesmo ano iniciou a viagem inaugural com 80 estagiários a bordo, foi uma viagem financiada pelo armador Frederik Stage em memória de seu filho, Georg, que morreu de tuberculose aos 22 anos. A figura de proa original que retratava o jovem Georg Stage foi transferida da anterior embarcação para a atual. Este navio é dos poucos que participou na primeira regata e na edição do 50.º aniversário da Tall Ships em 2006.
Do Uruguai veio o Capitan Miranda, veleiro construído em 1932 com 67 metros e 116 tripulantes. Tem a particularidade de ter iniciado as suas viagens como cargueiro. Recebeu o nome do hidrógrafo e capitão Francisco Miranda (1868-1925), que foi oficial de guerra e mais tarde professor de geografia marinha na Academia Naval do Uruguai.
O Cuauhtémoc foi construído em Bilbau em 1982 e, originalmente, chamava-se Celaya. Mais tarde, foi adquirido pela marinha mexicana como uma embarcação de treino para oficiais, cadetes e marinheiros. O Cuauhtemoc venceu por duas vezes a Tall Ships Races. É um veleiro com 90 metros de comprimento e 237 tripulantes. O Atyla foi construído à mão em Espanha, entre 1980 e 1984, com a intenção de circum-navegar a terra seguindo a rota Magalhães, mas nunca fez essa viagem. É dos poucos Tall Ships com casco de madeira feito à mão que ainda está a navegar.
Embora não participe na regata, o navio-escola Sagres abriu o desfile náutico entre Lisboa e Cascais. Foi construído em 1937 nos estaleiros Blohm & Voss, na Alemanha, tendo recebido o nome de Albert Leo Schlageter. Foi o terceiro de uma série de quatro navios construídos para a marinha alemã. No final da II Guerra Mundial, foi capturado pelas forças americanas e, em 1948, foi vendido à marinha brasileira por um valor simbólico de cinco mil dólares. Em 1962, foi adquirido por 150 mil dólares e incorporado na marinha portuguesa como navio-escola com o nome Sagres. Tem 89 metros de comprimento e uma tripulação de 188 elementos. A sua principal missão é permitir o treino e o contacto com a vida no mar aos cadetes da Escola Naval. Ao serviço da marinha portuguesa já deu três voltas ao mundo. Além das circum-navegações, participou na Regata Colombo (1992), nas comemorações dos 450 anos da chegada dos Portugueses ao Japão (1993) e nas celebrações dos 500 anos da Descoberta do Brasil (2000).