O chamado entrismo (a tomada de um partido por um grupo para alterar a sua doutrina e/ou prática) é uma consequência da IV Internacional, que decorreu em 1938, depois da expulsão de Leon Trotsky da União Soviética. Tratou-se, então, de uma estratégia de dissimulação fundada na necessidade de uma nova frente, independente do estalinismo e da social-democracia, capaz de impregnar outros movimentos marxistas não alinhados com Moscovo.
A oposição dos trotskistas à burocratização nunca lhes permitiu ter influência relevante no movimento sindical, que esteve sempre ancorado na máquina do Estado. Por outro lado, a ordem política do pós-guerra legitimou e tolerou a influência de Moscovo nas franjas das democracias ocidentais.
O entrismo permaneceu, por isso, como a pele de cordeiro dos trotskistas, com raros e efémeros sucessos. Em França, por exemplo, a estratégia de Jospin e dos lambertistas acabaria por ser denunciada e fracassar.
Em Portugal, os trotskistas fundaram, pouco antes do 25 de Abril, a LCI, que em 1978 se viria a fundir com o PRT, dando origem ao PSR, que por sua vez seria extinto ao integrar, com a UDP e a Política XXI, o Bloco de Esquerda (BE). Neste takeover, Francisco Louçã passou a dominar um largo espetro político, onde conviviam dissidentes do PCP, velhos maoistas, libertários e jacobinistas e, claro, a ‘esquerda-caviar’ da capital. Muitos dos seus membros e eleitores nunca perceberam que o principal objetivo da liderança de Louça era a destruição da democracia burguesa – o sistema que, paradoxalmente, garantia à extrema-esquerda a confortável liberdade de que não poderia beneficiar numa ‘democracia popular’.
Conseguida a unificação sob a liderança de Louçã, os trotskistas recorreram ao entrismo para infiltrar causas mais ou menos fraturantes na extrema-esquerda portuguesa. Impuseram assim um novo código ora censório ora pseudomoralista de costumes, impregnaram a classe jornalística e os meios culturais e arregimentaram causas e movimentos que não tinham historicamente qualquer conotação ideológica, como o identitarismo LGBT.
A criação da ‘geringonça’ foi uma oportunidade de infiltrar o poder com a mesma mundividência. Enquanto o PCP sustentava a solução mas mantinha prudente reserva, o BE aproveitou tudo o que podia do convívio, beneficiando da simpatia acrítica da ala esquerda do PS. O Bloco alargou, então, a sua teia a várias esferas de influência e construiu a ilusão de que poderia condicionar a governação. A débâcle desta estratégia decorreu de um erro de cálculo: a precipitação de eleições antecipadas, nas quais o BE foi muito penalizado.
Se o discurso melífluo e a estratégia dissimulada de Catarina Martins redundaram numa humilhante derrota, a eleição de Mariana Mortágua marca um virar de página e o abandono da pele de cordeiro. Mortágua disse ao que vem. Se o seu discurso de posse não deixava dúvidas, a prática política do Bloco assume perentoriamente um novo radicalismo, procurando a presença na rua, onde nunca teve expressão.
É preciso ler Trotsky e recordar que «o fim pode justificar os meios, desde que haja algo que justifique o fim». Mesmo que a sua estratégia provocatória beneficie a direita autoritária, o que interessa ao BE é minar a democracia burguesa.
Entretanto, há uma esquerda moderada que parece ter-se esquecido de que não podemos ser tolerantes com a intolerância. Afinal, já passaram quase 50 anos desde o 25 de Novembro….
Para os trotskistas, este é o tempo do tudo ou nada. Espero, e confio também, que este tudo ou nada do Bloco venha a resultar em nada. l