Politicamente correto é socialmente incorreto

Sempre que oiço um político pregar moral fico desconfiado. Por um lado, quem tem ética não necessita de estar sempre a falar dela, a mesma está inerente aos seus comportamentos; por outro, servindo de instrumento de agressão política, qual o discurso perante o seu comportamento ou dos seus correligionários? A história, nacional ou internacional, está…

Sempre que oiço um político pregar moral fico desconfiado. Por um lado, quem tem ética não necessita de estar sempre a falar dela, a mesma está inerente aos seus comportamentos; por outro, servindo de instrumento de agressão política, qual o discurso perante o seu comportamento ou dos seus correligionários?

A história, nacional ou internacional, está pejada de grandes homens públicos cujos vícios privados contrariavam a moral instituída. Devemos julgá-los pelas suas realizações políticas, materiais e imateriais, ou por comportamentos dos quais possamos discordar?

Escreve estas linhas quem discorda profundamente da frase que a «ética republicana é a Lei». A Lei não é sinonimo de ética. A Lei é um instrumento dos poderosos (sim, só quem tem poder faz Lei) para estabelecer regras na sociedade. A ética é um código comportamental sobretudo individual, o qual, ainda que não violando a Lei, pode ser objeto de censura, mas não para combate político. A censura política da ética do outro é o moralismo, que em política é quase sempre de ‘goela’.

Curiosamente, a política portuguesa é muito feita disso: discurso proclamatório, com pouca realização, sem que os agentes políticos percebam dos custos dessa atitude sobre a comunidade. Dividem-se as pessoas, destroem-se os símbolos de autoridade, e pouco de significativo se produz como resultado.

Propostas políticas sérias, pragmáticas e realistas rareiam, abundando julgamentos éticos sobre terceiros, cavalgando-se a onda do moralismo, até que os próprios sejam recordados dos seus pecadilhos.

Podemos e devemos promover um debate político em torno de causas da vida real das pessoas, que visem melhorar a vida das pessoas. Olhando para os últimos anos da vida coletiva portuguesa, isso será muito difícil. Um debate político centrado em casos e fait divers tem contribuído para que o país viva desfocado das questões reais da vida coletiva. O politicamente correto que tudo sufoca é, na realidade, socialmente incorreto, na medida em que é mais um fator do atraso relativo de Portugal.

Era interessante comparar o tempo e o espaço dedicado a casos sem qualquer relevância, para além da espuma dos dias, e o tempo dedicado às políticas de crescimento económico do país. Tal seria particularmente interessante num país com metade da população a viver com ordenados que não permitem ter uma vida digna.

Claro está que estas pessoas, que pouco aparecem nas prioridades da comunicação social não contam em certas contas. Não consomem certos produtos, pois estão demasiado preocupados com as dificuldades do seu quotidiano, podendo ser tratadas como se invisíveis fossem.

Há um ciclo pernicioso, no qual publicamente e politicamente saltamos de caso em caso, fait divers em fait divers. De quando em vez descobrimos que temos um problema e discutimos apenas esse problema.

Talvez a primeira grande prioridade nacional consista em romper este estado de dormência social, em que parecemos viver, para se poder discutir o país. De preferência sem berros, ofensas pessoais ou ataques miseráveis à dignidade dos outros.

Sem esse primeiro passo, certamente continuaremos vivendo as ‘décadas de estagnação’ deste início de século. Cantando e rindo.