Casas: “Problema não se resolve com medidas de curto prazo”

Governo já avançou com apoios. Mediadoras apontam limitações e lamentam falta de medidas estruturais.

Estão oficialmente apresentadas as medidas que têm como objetivo alargar a corda que os portugueses têm ao pescoço no que diz respeito ao crédito à habitação. Para aliviar essas famílias, o Governo pensou em três medidas e, segundo o ministro das Finanças, têm como objetivo «reduzir e estabilizar as prestações».

Portugal é um dos poucos países da União Europeia que tem empréstimos à habitação indexados a taxa variável e, segundo os números do governante, 87% dos empréstimos estão nesta situação. Assim, o Governo prevê que as prestações sejam calculadas em função de um indexante correspondente a 70% da Euribor a seis meses (aplicável a outros prazos).

O Executivo explica que podem beneficiar destes mecanismo quem tenha contratos de crédito para habitação própria permanente – realizados até 15 de março –, com taxa de juro variável, com um período de pagamentos que se estenda por, pelo menos, mais cinco anos. Segundo a estimativa apresentada pelo ministro, esta medida pode chegar a cerca de «900 mil, um milhão de famílias».

Esses pedidos para que a prestação seja revista podem ser apresentados aos bancos até ao final do primeiro trimestre do próximo ano e as instituições bancárias têm 15 dias para dar resposta.

«A nova prestação – reduzida e constante – aplicar-se-á nos 24 meses seguintes após a aceitação do plano», explica o Governo, detalhando ainda que «a diferença entre a prestação que seria devida e a que será paga começará a ser reembolsada daqui a quatro anos, com o pagamento diluído pelo período restante do empréstimo. Ou, em alternativa, o montante poderá ser amortizado antecipadamente, sem comissões ou encargos».

O pagamento do apoio à renda às pessoas que apresentaram taxas de esforço superiores a 100% devem começar a ser processados em outubro estando neste momento a ser reavaliados pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Destaque ainda para a bonificação do crédito alargada e simplificada, que serve para famílias com rendimentos até ao sexto escalão do IRS e já está a ser implementada, «mas o Conselho de Ministros decidiu esta quinta-feira que será alargada a mais famílias e o cálculo será simplificado». E detalha que corresponde a uma percentagem do adicional dos juros suportados pelas famílias (com rendimentos até 38.632 euros) e créditos até ao máximo de 250 mil euros (o limite aplica-se ao valor contratado inicialmente).

«Agora, esta medida passa a ter uma elegibilidade mais alargada, na medida em que o apoio passa a ser concedido a quem tenha uma taxa de esforço superior a 35% sempre que a taxa de juro indexante ultrapasse os 3%, e esteja dentro dos critérios de elegibilidade (montante dos rendimentos e do crédito)», lê-se na nota explicativa do Governo que detalha ainda que a bonificação passa a ser calculada utilizando como limite os 3% do indexante. Já a parcela de juros a bonificar passa a ser de 100% quando a taxa de esforço for igual ou superior a 50%. E passa a ser de 75% quando as taxas de esforço sejam iguais ou superiores a 35% e inferiores a 50%. Esta medida foi estendida até 2024 e pode chegar a 200 mil famílias.

O Governo prorrogou ainda a suspensão das comissões de amortização, que é estendida até ao final do próximo ano. Segundo os dados do Ministério das Finanças, «esta medida conduziu a um grande aumento das amortizações antecipadas de empréstimos à habitação, que ultrapassaram os seis mil milhões de euros desde que a suspensão entrou em vigor».

No rescaldo da apresentação do Governo, Ricardo Sousa, CEO da Century21 Portugal, defende «o ponto fundamental é que o problema da habitação e em particular do acesso à habitação não se resolve com medidas de curto prazo». Ao nosso jornal, o responsável diz que, o que se vê com esta solução, «é não atacar de frente o desafio que hoje muitas famílias têm. Não ataca a questão do acesso à habitação, quem precisa de comprar agora casa e também aqueles que estão num momento em que têm que trocar de casa».

Para Ricardo Sousa, este adiar do problema «é um risco grande porque vivemos num contexto de grande instabilidade geopolítica e económica e é muito difícil prever como é que está a situação daqui a dois anos ou daqui a quatro anos», sugerindo que «deveríamos evitar medidas tão transversais de tentar chegar a uma tão abrangente e centrar nesta fase, num curto prazo, que é aquilo que controlamos, as famílias que, de facto, estão em risco, as pessoas que precisam de facto de ajuda». Dentro desse grupo estarão as famílias que têm os rendimentos mais baixos, que têm uma taxa de esforço sobre o seu rendimento superior a 50% e estão neste risco financeiro e social com a situação atual «que têm ou podem ter a pagar o seu crédito à habitação porque foi de facto uma subida muito rápida num curto espaço de tempo e quem contratou o crédito há menos tempo, não é esta solução que para essas famílias vai ter impacto e ter a ajuda que eles necessitavam». E lamenta que a medida esteja limitada aos contratos até 15 de março. «Um jovem ou uma família que quer aceder hoje a uma casa não tem nenhum tipo de apoio. E também precisa», conclui.

Já Rui Torgal, CEO da ERA, comentou que «todas as medidas que ajudem a aliviar o esforço financeiro das famílias neste período mais desafiante são bem-vindas». Mas deixa alguns alertas: «Estas medidas que têm impacto no mercado financeiro deverão ser alinhadas com as instituições do setor. E, apesar de serem medidas positivas no curto prazo, não deixam de ser conjunturais», defendendo que «continuam a faltar medidas estruturais, focadas em estimular a oferta e a incentivar a compra de casa através da redução da carga fiscal associada». l

daniela.ferreira@nascerdosol.pt