Políticos ou marionetas?

O PS de António Costa sempre acusou o PSD de Passos Coelho de se comportar como bom aluno na Europa e se ajoelhar perante a troika; mas o Executivo socialista arma-se em reguila por cá, mas bate a bola baixinho em Bruxelas e sai de lá sempre de cócoras ou a rastejar.

Christine Lagarde foi clara e inequívoca: «Podia explicar as razões pelas quais tomámos a decisão de ontem, que penso ter sido bem compreendida pelos ministros das Finanças à volta da mesa». Mas não precisou, porque parece que, apesar das críticas feitas por alguns chefes de Estado e de Governo da União Europeia – entre os quais se destacaram pelo imediatismo e pela antecipação os de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa -, na reunião do Eurogrupo com os ministros das Finanças (no dia seguinte ao do anúncio pelo Banco Central Europeu de novo aumento das taxas de juros) não se ouviu uma única voz dissonante.

«Não recebi nenhuma pergunta e muito menos contestação quanto à decisão sobre a política monetária [novo aumento das taxas de juros]», garantiu a presidente do BCE perante as câmaras de televisão.

Curioso, as imagens mostraram logo a seguir Fernando Medina a entrar naquela reunião com cara de poucos amigos e com um ar resoluto de quem estava ali pronto para assumir frontalmente a discordância de Portugal relativamente à decisão tomada e dizer a Lagarde e seus pares o que o Governo português verdadeiramente pensa deles e da política monetária do BCE.

Mas saiu como entrou. Se falou ou disse alguma coisa, fê-lo bem pianinho, porque Lagarde nem o ouviu, como fez questão de sublinhar quando recordou, em tom assertivo e com voz autoritária, que «os Estados-membros devem focar-se em reduzir o défice e a dívida».

Na véspera, já António Costa anunciara em Lisboa novas medidas do Governo português para apoio às famílias com crédito à habitação antes mesmo de ser conhecida a decisão do Banco Central.

E logo de seguida veio a jovem ministra da Habitação, Marina Gonçalves, prometer o reforço dos mecanismos já existentes e a estabilização das taxas de juros nos contratos – «O que vamos anunciar tem dois âmbitos de ação. Por um lado, o reforço do apoio que já tínhamos criado, portanto, poder alargá-lo e torná-lo mais eficaz para as famílias e, por outro lado, uma tentativa de estabilização das taxas de juro dos contratos de crédito à habitação».

E, mais tarde, lá veio o ministro das Finanças, Fernando Medina, vender a mesma coisa.

Uma fantochada.

Como outro número deste Governo: a carta à Comissão Europeia pedindo mais fundos para a habitação. Pura propaganda para consumo interno, que é como quem diz para papalvos.

Bastou, aliás, que a comissária europeia Elisa Ferreira abrisse a boca, numa entrevista ao Clube de Jornalistas, para deitar por terra qualquer hipótese de a UE canalizar novos fundos no curto prazo para a habitação: «A habitação é um poço sem fundo. Onde vamos parar se formos financiar a habitação? Não quer dizer que não o possamos fazer, temos de trabalhar muito bem para que não se vá gastar verbas preciosas».

Elisa Ferreira não é da oposição e foi escolhida para a pasta da Coesão e Reformas por Ursula von der Leyen, em 2019, por indicação de António Costa.

Ouvindo Christine Lagarde ou Elisa Ferreira e confrontando os seus discursos com os dos governantes portugueses, as diferenças saltam à vista. E não são explicáveis por meras questões de semântica ou de erro na comunicação.

Bem pode o Presidente Marcelo – como o fez quando reagiu à decisão do BCE no próprio dia em que Lagarde anunciou este último aumento das taxas de juros – criticar a «rigidez» desta política monetária e considerar que ela só contribui para o crescimento dos populismos.A verdade é que os políticos sem coluna vertebral e facilmente manietáveis contribuem muito mais.E esse é um mal geral, que não conhece fronteiras.

Até dói olharmos, por exemplo, para a mais forte democracia do mundo e vermos os seus eleitores obrigados a terem de escolher entre Joe Biden e Donald Trump. Ou para o país com mais falantes de português, onde estes são chamados a optar entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro?

Há qualquer coisa de errado para a qual nem a ciência consegue ter explicação e que os populistas estão a saber aproveitar. Há quem lhe chame complexo do radicalismo dominante ou politicamente correto. Cá para mim é simplesmente um absurdo ou pura estupidez.

As marionetas chegaram ao poder e o povo assiste a um triste espetáculo.

Mas, como se vai vendo, ainda aplaude.