Batman, o menino que chorou até se tornar um morcego

16 de Setembro – nos Estados Unidos, onde parecem concentrar-se todas as ideias tolas, o 16 de Setembro é Dia Internacional do Homem-Morcego. Ora toma! O povo veste a capa do Senhor das Trevas e vem para a rua mesmo ao meio dia. E a brincadeira já se estende desde o dia 27 de Maio…

O Batman é, muito provavelmente, o mais triste e bisonho dos super-heróis que, adorados nos Estados Unidos, se espalharam pelo universo à custa do cinema e das histórias aos quadradinhos. Francamente! Nunca vi o homem rir ou sorrir, seja por debaixo daquela máscara sinistra, seja no papel de Bruce Wayne, o milionário de Gotham que recolhe lixo humano nas sarjetas dos subúrbios.

Foi Bob Kane, que trabalhava na que tinha por nome comics industry, ou a indústria de fazer livros de banda desenhada, que rabiscou Batman pela primeira vez. Nascera em Nova Iorque, era da família judia dos Askhenazi, e num instante o seu traço foi absorvido por aqueles que procuravam desesperadamente ilustradores para as dezenas e dezenas de personagens que iam surgindo quase diariamente. Isto no final dos anos 30 e princípios dos anos 40.

Os americanos viciaram-se em desenhos com histórias acopladas e figuras de todas as espécies e feitios como se haveriam de viciar na cocaína uns tempos mais tarde. Foi pai de uns poucos desses personagens, como_Peter Pupp ou Oscar the Gumshoe, mas percebeu rapidamente que não seriam eles a levá-los ao topo. Em 30 de Março de 1939, já com a parceria de Bill Finger, um escritor que também caiu de pára-quedas no mundos dos comics, deu a todos os milhares de pessoas que se apaixonaram por imediato pelo bicho o Homem-Morcego.

As primeiras tiras saíram numa revista chamada Detective Comics. Batman era o alter-ego obscuro de um ricalhaço filantropo. Quase o dia e a noite. O dia para Bruce; a noite para Batman. Já o sorriso não encaixava nem na boca de um nem da do outro.

Bruce era um rapazinho tímido e ensimesmado, filho de papás ricos como Cresus: Thomas e Martha. E começou a chover-lhe na infância como andasse com uma nuvem negra dependurada sobre a cabeça e amarrada à mão como um balão. Um dia, à saída de uma peça de teatro, a família Wayne regressava ao carro por um beco mal frequentado quando foi, inevitavelmente, de encontro a um par de bandidos sanguinários. A coisa tinha tudo para correr mal e correu mesmo mal. Thomas e Martha foram abatidos a tiro e o jovem Wayne ficou ali, sozinho, a alimentar uma raiva surda contra as injustiças deste mundo que o deixavam órfão embora a nadar em dinheiro.

Batman nasceu de um trauma. E não há aventura de Batman que não esteja ligada a esse trauma. Não se sabe ao certo quando é que Bruce Wayne acumulou tanta raiva que decidiu ser um vigilante. Em 1940 já era independente:_surgiu uma revista chamada Batman. Uma espécie de rival do invencível Super-Homem!

Entre o grotesco e o ridículo

Vamos e venhamos: o Super-Homem, criado pela dupla Jerry Siegel e Joe Shuster, pode ser o herói mais querido da mitologia moderna dos super-heróis mas tem traços de certa forma ridículos e já não falo daquela estranha mania de andar com as cuecas por fora das calças.

 Enquanto Batman foi desenhado para ter alguma credibilidade, isto é, para ser um homem normal com uma parafernália de instrumentos revolucionários que o auxiliam a combater o mal, no seu stricto sensu, o miúdo que nasceu num planeta chamado Krypton sob o nome inicial de Kal-El e que veio parar à superfície da Terra depois da explosão de Krypton para ser adotado por dois parolos campestres, Jonathan e Martha Kent, com o nome bem mais próprio de uma lista telefónica de Clark Kent, está tão completamente cheio de contradições que ninguém o leva a sério. Clark Kent é aquilo que a malta do nosso tempo de escola chamava de um choninhas (e às vezes até lhe tirávamos o agá). Falsamente míope, esconde a sua identidade atrás de um par de óculos já que, depois de entrar na cabina telefónica para rasgar a camisa e o fato de jornalista barato, sai dela exatamente como é só que sem ser catrolhos, que assim me posso exprimir.

É verdade, que tem os bíceps, tríceps, o esplénio do pescoço e o romboide de tal forma explícitos que ninguém pode duvidar que está perante o Homem-de-Aço. Um aço um bocado fraquitolas já que um simples raio de kryptonite, esse veneno verde que sobrou da explosão do seu planeta o deixa de rastos como se tivesse sido atacado por cinco doses consecutivas de COVID.

Bruce_Wayne não tem cá dessas mariquices: humano como é, embora injetado com sangue de morcego, leva na tromba como os outros, fica muitas vezes estendido em becos lamacentos todo rebentado, mas possui um anjo da guarda no mordomo inglês Alfred Thaddeus Crane Pennyworth, o homem que conhece de cor e salteado todos os seus segredos e, principalmente, as suas debilidades.

Clark Kent é ligeiramente mais velho do que Bruce Wayne: foi publicado no_Verão de 1938 na revista Action Comics. Com o tempo e a imaginação à solta da rapaziada da Marvel não viriam apenas a combater lado a lado como até um contra o outro._Finger, o construtor da personagem de Wayne, explicou um dia a sua ideia em relação à personagem: «Resolvi basear-me no herói das guerras entre a Escócia e a Inglaterra, Robert the Bruce. Ao mesmo tempo que é um playboy é, também, um homem que entende o povo e percebe as suas necessidades contra os poderes estabelecidos. Sendo um aristocrata com uma identidade-mistério, também tem algo do antigo Pimpinela Escarlate». Começou por ter uma mascarilha minúscula como o Zorro, mas o bom senso ditou que seria fundamental ocultar por completo a identidade de Bruce. Inventaram-lhe o gorro, o nariz proeminente, a frincha por onde é possível espreitar apenas o risco dos olhos que não têm neles um risquinho de piedade quando se confronta com todos aqueles que, para ele, Batman, são versões dos assassinos que lhe tiraram os pais. Jerry Kane não teve grandes rebates de consciência na hora de dar de barato a autoria de Batman. Dar de barato é como quem diz: até aos anos 60, o «by Kane» apareceu nas tiras das aventuras em revistas e jornais. A partir daí, já cada desenhador as sublinhava com o seu próprio nome. Finger, por seu lado, acabou por ser esquecido rapidamente e apagado da vida quotidiana do Homem-Morcego sem um pingo de escrúpulos por parte dos editores. Acabaria por ser Julius Schwartz, em 1964, a dar uma nova vida a uma personagem que vinha perdendo a olhos vistos a imensa popularidade com que nascera. De tal forma que até os seus inimigos, como o Joker, acabariam por ter o seu espaço autónomo no cinema. Ficam bem um para o outro, convenhamos. Wayne e Batman nunca se riem nem sorriem. O Joker, por seu lado, tem um sorriso de orelha a orelha. Ainda que tenha sido desenhado à força de  uma faca. Um sorriso triste mas eterno…