Nas reuniões de pais dos primeiros anos do 1.º ciclo, uma das questões de debate – por vezes bastante aceso – são os equipamentos digitais. Enquanto há pais ansiosos pela chegada dos computadores prometidos pelo Governo, outros torcem o nariz em relação à entrada da tecnologia na vida dos mais pequenos. Quando nas turmas de 2.º ano os computadores ainda não estão disponíveis a ansiedade é ainda maior, porque no final do ano letivo estes alunos irão realizar as provas de aferição em formato digital.
Ao mesmo tempo, os manuais digitais ganham cada vez mais terreno. Este ano prevê-se que cerca de 20 mil alunos de 160 escolas – do 3.º ao 12.º ano – vão passar a usá-los e o objetivo é que daqui a três anos estejam totalmente implementados.
Não deixa de ser curioso continuarmos a avançar na educação digital em idades precoces quando sentimos as crianças cada vez mais dependentes das tecnologias e menos ligadas ao mundo real, às relações com os outros, a elas próprias, às experiências, ao imaginário, e menos capazes na leitura e na escrita. Já em idade pré-escolar os educadores são testemunho das crianças que encontram: muitas não sabem brincar, pegam menos nos livros, são menos autónomas e falam pior. Muitas dormem mal porque ficam até tarde ligadas aos pequenos aparelhos, estão mais ansiosas, mais explosivas e menos tolerantes.
O mesmo se passa com os mais velhos, que além disso têm mais dificuldade em ser empáticos e estabelecer relações.
A era digital chegou. Está entre nós e traz-nos, indiscutivelmente, variadíssimas vantagens. Não há dúvida de que não a podemos, nem devemos, ignorar ou privar os nossos alunos de tirar partido dela. Mas temos de ser cautelosos.
Como sabemos há crianças que passam os dias em frente a ecrãs e até durante a refeição – para que comam melhor ou, por outras palavras, para não darem trabalho a comer – têm o ecrã à frente do prato. Ora, se no recreio da escola também é permitido o uso de telemóvel, se as aulas são feitas através de aparelhos digitais e até para estudar usam manuais digitais, quando é que estão em contacto com o mundo real, com os outros e com o seu mundo interior?
Lembro-me de ter um amigo que fingia estudar enquanto lia livros que colocava dentro dos manuais escolares para não ser ‘apanhado’ pelos pais quando entrassem no quarto. Traduzido para hoje, os manuais e conteúdos escolares digitais são uma constante porta aberta de difícil supervisão para o mundo digital, que abarca as redes sociais e os jogos, que alguns pais tanto tentam evitar.
Ouve-se muitas vezes que temos de preparar os mais novos para as tecnologias porque são o futuro. Essa é, aliás, uma das razões apontadas para a entrada das tecnologias nas escolas. Mas na verdade sabemos que a dificuldade não está em ensinar a lidar com o digital, porque tanto as crianças de 3 anos, como os seus bisavós de 90, conseguem aprender a usar tecnologia com facilidade. O grande desafio é zelar para que as crianças não tenham contacto com estes aparelhos em idade precoce e limitá-lo quando já tiverem maturidade para o fazer. Todos os pais, educadores e professores sabem que não é uma tarefa fácil. E os mais atentos já perceberam que há uma série de capacidades fulcrais que se estão a perder devido ao seu uso prematuro e excessivo.