O que acontece em Lisboa se houver um sismo como o de Marrocos?
Tal como em Marrocos, a situação é preocupante em Portugal, especialmente no Algarve, Alentejo e até mesmo em Lisboa, onde metade dos edifícios, de acordo com o último Censo, são construídos com alvenaria de pedra e, portanto, são suscetíveis de sofrer danos significativos em caso de terramoto. Basicamente, a maioria das construções em Portugal, construídas antes dos anos 80, são muito vulneráveis a terramotos. As construções após os anos 80, em teoria, deveriam ser resistentes a sismos devido à regulamentação, mas a falta de fiscalização pode resultar em práticas de construção que não atendem aos padrões ideais de resistência sísmica. Portanto, a realidade é que a maioria das casas no sul do país, possivelmente mais de metade delas, apresenta riscos significativos em caso de sismos. Ou seja, se houver em Lisboa um sismo como o de Marrocos será devastador. E o devastador tem a ver com a quantidade de pessoas que vão morrer. Metade das construções em Lisboa não estão preparadas para um abalo de elevada magnitude. Os grandes edifícios da cidade ficarão completamente destruídos: o Hospital de S. José, o Curry Cabral, o Santa Maria. Os viadutos caem, excetuando o do Fonte Nova, em Benfica, que foi preparado para eventuais sismos. O Hospital da Luz de Lisboa também tem isolamento de base. Se começarmos a reforçar hoje os edifícios, teremos imensos benefícios! E, acima de tudo, temos de pensar que a vida humana não tem preço.
O que há de diferente no Hospital da Luz?
Relativamente ao Hospital da Luz, o custo desse sistema de isolamento representou apenas 0,8% do valor total do projeto. Em países com alta atividade sísmica, como Japão, Turquia, Chile, México, Irão, Peru, Itália e outros, já não é permitida a construção de novos hospitais sem este isolamento de base. O custo final do reforço dos edifícios dependerá de vários fatores, como a extensão das obras necessárias. Se a reabilitação for profunda e incluir a renovação das instalações elétricas, hidráulicas, de esgoto, etc., esse custo pode aumentar em cerca de 10% a 15% em relação ao investimento inicial. Em última análise, o custo total será determinado pelos benefícios e melhorias que se deseja alcançar no edifício. E não nos podemos esquecer de que Lisboa estava a florescer e deixou de ser uma das capitais mais importantes da Europa precisamente devido ao sismo de 1755: e nunca mais foi importante como era!
Em que se baseia o isolamento?
É viável realizar o retrofit sísmico em edifícios existentes, tornando possível a reabilitação de construções antigas. A partir de janeiro de 2019 é uma exigência legal realizar um retrofit sísmico sempre que uma intervenção em obras de reabilitação seja total ou bastante intrusiva. Isso significa que, ao reformar um edifício, é obrigatório garantir que ele seja resistente a terramotos. Existem critérios específicos a serem seguidos, como a obrigatoriedade de reforçar a resistência sísmica se a intervenção abranger mais de 25% da construção existente. O Instituto Superior Técnico, por exemplo, tem um programa de pesquisa chamado ‘Rehab Toolbox’, dedicado a testar várias técnicas para a reabilitação de edifícios antigos de alvenaria. Uma dessas técnicas envolve a substituição do reboco do edifício por um reboco reforçado com rede de carbono, que ajuda a confinar a alvenaria, tornando o edifício mais resistente a terramotos. Se observarmos as imagens frequentemente exibidas nos media, notamos que muitas pedras estão espalhadas após um terramoto. Agora, imaginemos se antes do terramoto houvesse redes robustas que segurassem essas pedras. Nesse caso, as pedras não apenas permaneceriam no lugar, evitando ferimentos às pessoas, mas o edifício também continuaria de pé e seguro. Posso parecer exagerado a falar, mas o sismo é como uma viagem: fazemos a consulta do viajante, até levamos vacinas se for necessário… Um terramoto é um evento para o qual devemos estar preparados e os líderes governamentais devem estar vigilantes em relação a essa ameaça. Fazemos manifestações para reivindicar variados direitos, mas não fazemos nenhuma para reivindicar o direito à sobrevivência em caso de sismo. É um direito que assiste às pessoas! Por exemplo, se alguém for a um teatro público e morrer lá durante um sismo… De quem é a responsabilidade? Devia haver uma placa lá fora com a indicação ‘Mata em caso de sismo’ e a pessoa decidia se entra ou não.
Sismos como o de 1969 não tiveram qualquer influência na nossa preparação para um eventual próximo?
Tivemos o sismo de 1969 e, praticamente, não fizemos nada! Existe uma altura em que as pessoas ficam assustadas, são criadas comissões mas, depois, isso acaba por desvanecer-se. Se um político pudesse dizer que salvou 100 mil pessoas com as medidas que tomou, por exemplo, toda a gente começaria a votar nele, certo? Portanto, também existe aqui uma oportunidade! Oskar Schindler não gastou apenas dinheiro: ficou na História.
Então não investimos na prevenção porquê?
Essa questão é mais uma questão cultural do que financeira, porque na realidade não é muito caro. Numa obra de reabilitação profunda, o custo do reforço sísmico representa apenas cerca de 15% a mais, o que não é proibitivo. O problema é que, muitas das vezes, quando compramos uma casa antiga pelo preço de uma casa nova, tendemos a acreditar que um terramoto não vai ocorrer. Claro, pode ser que nunca ocorra, e não estou a afirmar que vai acontecer. No entanto, é importante lembrar que a ameaça sísmica está sempre presente, como evidenciado pelo recente terramoto na Turquia que se aproximou de Marrocos e, da Turquia a Marrocos, é uma distância maior do que de Marrocos a Lisboa. Portanto, a pergunta que devemos fazer é: “Por que não considerar a possibilidade de um terramoto também aqui?”. Nós temos um elevado risco sísmico! É importante entender que após um terramoto, não há muito que possa ser feito para reverter os danos. A sorte desempenha um grande papel nesses momentos. Por exemplo, o terramoto de 1755 em Lisboa ocorreu durante a manhã, quando muitas pessoas estavam na igreja, resultando em tragédias dentro das mesmas. O terramoto teve um impacto significativo em diversos aspetos e é considerado a primeira grande catástrofe moderna, principalmente devido à resposta inovadora das autoridades na época. Após essa tragédia, o Estado passou a desempenhar um papel mais ativo na prevenção e proteção civil, como evidenciado pelo inquérito realizado naquela época. Este terramoto não afetou apenas Portugal, mas também teve impactos em Marrocos e na região da Andaluzia, em Espanha. Em Portugal, o sismo, que acredita-se ter tido o epicentro no Algarve, foi notório pela sua violência e pelos danos que causou. Além do sismo, houve um maremoto subsequente que, embora não tenha atingido áreas tão distantes quanto Campo de Ourique, chegou até ao continente americano, afetando cidades como Boston e até a América do Sul. A catástrofe resultou na destruição de muitos edifícios e estruturas importantes. Por exemplo, o teatro na Baixa, conhecido como Casa da Comédia, foi completamente destruído, assim como o Hospital de Todos os Santos, no Rossio, onde apenas algumas paredes sobreviveram após um incêndio que resultou em várias mortes entre os pacientes. Os incêndios desempenharam um papel significativo na destruição, pois o terramoto ocorreu no Dia de Todos os Santos, quando muitas pessoas estavam nas ruas em procissões, carregando velas acesas. Esses incêndios persistiram por vários dias, causando danos adicionais. O terramoto de 1755 também levou à destruição da Ópera do Tejo, que tinha sido inaugurada no mesmo ano. Esta ópera era considerada uma das mais luxuosas da Europa, com uma quantidade impressionante de ouro do Brasil, tão abundante que alguns visitantes estrangeiros a consideravam excessivamente opulenta e distrativa para o público. O seu palco era extraordinariamente amplo, e até mesmo 40 cavalos estiveram em cena na estreia. Outro edifício notável que foi perdido foi a Basílica Patriarcal, que servia como sede da Igreja em Portugal desde o reinado de D. João V. Além disso, muitos arquivos importantes, como o da Casa da Índia, e manuscritos valiosos foram perdidos. Várias ruas desapareceram, mas outras mantiveram os nomes, como a Rua do Ouro ou a Rua da Betesga. No caso do terramoto em Marrocos, ocorreu por volta das onze da noite, quando as pessoas estavam a descansar e, infelizmente, muitas não tiveram sequer a oportunidade de perceber o que estava a acontecer antes de serem atingidas por detritos e falecerem. O ponto crucial aqui é que é essencial ter estratégias de prevenção em vigor muito antes de um sismo ocorrer. Embora possam ser tomadas medidas de resposta após o desastre, como o envio de equipas de busca e resgate, o ideal é investir em medidas preventivas. Isso envolve a implementação de estratégias e alocar recursos para tornar edifícios e infraestruturas mais resistentes a terramotos. Embora haja alguns esforços nessa direção, é possível que mais recursos e esforços possam ser dedicados à prevenção de desastres sísmicos, a fim de proteger vidas humanas e minimizar danos em caso de terramoto.