Tolice de perdição

Não se entende por que motivo demoraram os portuenses tantos anos para exigir a retirada da estátua.

Em 1863 Édouard Manet provocou um escândalo em Paris quando apresentou o quadro Le Déjeuner sur l’herbe no Salon des Refusés – uma exposição paralela ao Salon de Paris onde eram expostas as obras recusadas neste. O quadro não respeitava as regras académicas: a luz era excessiva e impossível de suceder naquele bosque, as raras sombras eram azuladas e as regras da perspetiva tinham sido subvertidas. Porém, o que mais enfureceu os visitantes foi a presença de mulheres nuas ao lado de homens vestidos. A nudez feminina e masculina era comum e bem aceite na arte, conquanto se tratasse de deusas mitológicas ou heróis do passado. Mas duas mulheres contemporâneas nuas, isso não era aceitável. Pior ainda: duas mulheres parisienses nuas ao lado de dois cavalheiros bem vestidos, o que significava que as classes altas francesas tinham amantes e faziam farras com elas. Os cavalheiros que se amancebavam ficaram furiosos, as esposas enganadas ficaram ainda mais furiosas, o clero anatemizou a obra, houve uns chiliques, e talvez apenas as referidas amantes e alguns mariolas se tenham rido.

Quase um século depois, eis que sucede algo semelhante no Porto. A estátua de Camilo Castelo Branco, da autoria do escultor Francisco Simões, colocada em 2012 no Largo do Amor de Perdição, indignou de tal forma 37 ilustres portuenses que estes exigiram a sua retirada. Tal como na obra de Manet, a estátua de Simões mostra um Camilo vestido a abraçar uma mulher nua. E deve ter sido esta combinação de nudez e vestuário que chocou a consciência cívica e estética dos 37 ilustres, entre os quais dois historiadores da arte que sabem, obviamente, o que é que o povinho pode, ou não, ver. As mamocas da A Menina Nua e os rabos e as pilinhas de Meninos – A Abundância, ambas de Henrique Moreira na Avenida dos Aliados, podem ser vistas, mas a mulher nua ao lado de Camilo não.

A lógica deve ser a tal ausência de alguém vestido ao lado destes nudistas – ou algo parecido.

Já não se entende tão facilmente por que motivo demoraram os ilustres portuenses tantos anos para exigir a retirada da estátua. Terá sido porque está na moda exigir a remoção de estátuas que alguma minoria clama ser ofensiva? Não me parece, porque nesse caso estaríamos perante um bando de pacóvios provincianos, entre os quais o grande removedor Rui Moreira, que andam a reboque das modas e doidices americanas. Não é o caso. Estes ilustres já foram a Lisboa ver o Jardim Zoológico, leram um ou dois livros de Lobo Antunes e raramente veem telenovelas. Ou seja, são intelectuais.

E é por isso que tão pouco se entende a mudança de posição de Rui Moreira que, em vez de escutar os intelectuais que queriam educar o povo, ouviu a voz deste mesmo povo – que também vai ao Zoo, mas vê novelas e não lê nada – e já não vai retirar a estátua de Camilo abraçado à mulher nua. O Porto não merecia esta paródia.

Por isso, para tudo acabar em beleza, sugiro a Rui Moreira que coloque junto ao Teatro Sá da Bandeira, onde outrora se exibiram filmes de vanguarda sexual, a estátua de Jeff Koons e Cicciolina em cópula explícita e convide os dois historiadores da arte para explicarem ao povinho que aquilo sim, está de acordo com a modernidade do Porto. E no fim vão todos ver um filme vanguardista da Cicciolina