Quando e como é que o ativismo surgiu na sua vida?
Aos 25 anos, nas exposições de arte que fazia no Casino do Estoril, quando entrevistada, falava particularmente e sempre na falta de proteção das mulheres em contexto de violência doméstica. Nessa mesma altura escrevia crónicas para a revista Sábado e fazia exatamente a mesma coisa.
Como é que conjuga o ativismo com a pintura e a escrita de crónicas?
Hoje em dia o ativismo vem em primeiro lugar juntamente com as crónicas e talvez ou sempre alguma pintura de intervenção para alertar para os problemas das mulheres e das crianças.
Gostaria de desenvolver outra atividade a par destas?
Talvez venha a escrever um livro em pequenas dimensões para distribuir pelas escolas. No entanto, ser ativista dos direitos das mulheres e crianças é provavelmente um dos trabalhos mais difíceis que se pode ter, mas pelo qual sou completamente vidrada. Nós somos a mudança que queremos ver no mundo. E quando digo nós, enfatizo o plural, “nós”. Algo que passo a vida a dizer, só todos juntos fazemos a diferença.
Qual foi a primeira campanha em que esteve envolvida? E que recordações guarda da mesma?
Provavelmente a da MEO em 2019, sendo um dos rostos da mesma, lembro-me de dizer que não ia perpetuar o minuto de silêncio. E acabou por ser um minuto ou mais de um minuto, de bastante barulho. Foi inovador. Enquanto todos queriam sempre silenciar, eu quis que todos nos ouvissem.
Até agora, que iniciativas a marcaram mais? E porquê?
O que mais me marcou têm sido as mortes em contexto de violência doméstica de mulheres e crianças por justificar, tal como o silenciamento das mulheres violadas e, por último, o descontrolo total dos predadores sexuais nas redes sociais. O que me levou sempre, e com uma equipa coesa, a intervir, com um grupo sem nome, mas apenas com a causa como bandeira. Quando a pequena Jéssica foi morta, eu contactei pessoalmente a Dr.ª Dulce Rocha, o Dr. António Garcia Pereira, o Dr. Rui Pereira, a Dr.ª Manuela Ramalho Eanes e a Dr.ª Isabel Aguiar Branco. Até agora não ficámos quietos: criámos a petição para que as crianças que assistissem a episódios de violência doméstica fossem consideradas vítimas, algo que, após recolher 49 mil assinaturas, tendo como meu embaixador o Nuno Markl e a Jessica Athayde e tantos outros artistas que apelaram tendo sido tornado lei em 2021. Nesse mesmo ano a nossa equipa criou uma petição para que a violação se tornasse crime público com 106 mil assinaturas, com o apoio dos artistas, sociedade civil, e tantos e tantos nomes de especialistas na área, que acabou por ser totalmente desconsiderado pelo Partido Socialista que fez apenas pequeníssimas alterações. No início de 2023 a convite da Dr.ª Dulce Rocha tornei-me embaixadora da Justice Initiative, uma iniciativa que parte do seu fundador Guido Fluri juntamente em parceria com o Instituto de Apoio À Criança entre tantas ONGs e federações europeias e mundiais. Este ano, em parceria com a Câmara Municipal de Cascais, inaugurei o primeiro Memorial em Portugal para as vítimas de violência doméstica, devido à dedicação do Presidente da Câmara Carlos Carreiras e da sua vereadora Carla Semedo. Sempre quis que as vítimas tivessem um sítio de luta e luto e que esse sítio não passasse sempre pelo cemitério.
No ano passado, decidiu criar a campanha ‘Bullying? NUNCA 2022’ “para alertar a sociedade para o grave problema que estamos a enfrentar nas nossas escolas”, como começou por escrever na sua conta oficial de Instagram e reforçou esta ideia em declarações ao Nascer do SOL. “Dois mil oitocentos e quarenta e sete. Este é o número de ocorrências criminais registadas pela Polícia de Segurança Pública (PSP) em contexto escolar no ano letivo de 2021/2022”, frisou. Em 2021, denunciou os casos de G., ‘Ana’ e Luís Santiago. Acredita que estes são o espelho da violência que se vive nas escolas portuguesas?
Sem dúvida. Foi depois de ter reportado estes casos juntamente com a jornalista Maria Moreira Rato, e de aparecerem consideravelmente mais, que decidi criar esta campanha. Com cantores, atrizes, jornalistas que estão no terreno. O bullying mata, jamais pode ser desvalorizado. Algo que acaba por acontecer em muitas escolas. No entanto a essa pode juntar mais 13 campanhas de sensibilização, para os temas da violência doméstica, bullying, etc.
Em novembro de 2021, depois de ter denunciado mais um caso de bullying, viu a sua conta oficial de Instagram ser suspensa. “Suspendeu-me a conta, coisa que não faz a quem perpetua discursos de ódio. Acredito piamente que um post pode salvar uma vida como já aconteceu tantas vezes”, disse, em declarações ao Nascer do SOL a jovem, tendo adiantado que “no entanto é quando somos ativistas e alertamos para os problemas pessoais e mais graves da sociedade que isto acontece”. Como é que se sentiu quando tal aconteceu?
Triste pelas milhares de mensagens de vítimas que ficaram sem resposta.
Mais alguma vez sentiu que a sua voz estava a ser silenciada virtualmente? Se sim, quando e como?
Quando existem certos assuntos que não haja muito interesse em divulgar devido ao lobby existente.
E fora das plataformas digitais?
Fora das plataformas deve, sem dúvida existir um ativismo de intervenção. No entanto, se para ele existir, nos enfiarem mordaças… Diria que não estamos numa democracia, se o património do estado não ficar danificado, no entanto, muitas vezes o património vale mais que a vida de uma criança ou de uma mulher, por isso, o que responder a isso?
O que se deve fazer para combater este silenciamento?
Intervir, sempre!
De acordo com um relatório da Internet Watch Foundation (IWF), o aumento da utilização da Internet, durante a pandemia, foi aproveitado pelos predadores sexuais. Assim, a partilha de imagens de crianças vítimas de abusos sexuais cresceu acima de 1000%. O que pensa deste número?
O que penso deste número? Que ou agimos ou continuamos a perpetuar a pedofilia: é simples.
No ano passado, mais de 63 mil sites foram reportados como contendo imagens de crianças que foram coagidas a fazer atos sexuais gravados por predadores. Ou seja, houve um aumento de 129% relativamente a 2021, quando este número era de 27.550. No entanto, se compararmos com o número de 2019, em que existiam 5.443 registos, existe um aumento de 1.058%. Estes números surpreendem-na?
Não são os números que me surpreendem, talvez porque já deixaram de o fazer, o que me surpreende são a quantidade de pessoas que lucram com a imagem dos seus filhos, pondo a sua segurança atrás do seu lucro. Uma criança de dois anos, com uma página criada e milhares de seguidores, não tem noção que os próprios pais estão a explora-la, a deixá-la à mercê de 500 mil predadores sexuais online.
Das imagens existentes, de 2022, de crianças com idades compreendidas entre os 7 e os 10 anos, 14% correspondem a material de Categoria A. Isto é, do nível mais severo, como atividades que incluem penetração sexual, animais ou sadismo. O que devemos, enquanto sociedade, pensar acerca desta realidade?
Devemos mesmo é repensar várias vezes, o que é que andamos a fazer. Ao termos toda a informação e mais alguma, ao sabermos, que o pior crime da humanidade anda e vive dentro das nossas casas, e mesmo assim o importante é ter patrocínios para os nossos filhos? Andamos todos aqui a brincar, não?
A IWF deixa claro que urge atuar “para que o crescimento que estamos a observar agora não se torne endémico”. É por concordar com esta afirmação que decidiu ser embaixadora da petição da Justice Initiative a convite da Presidente do Instituto de Apoio à Criança (IAC), Dulce Rocha?
A Dr.ª Dulce Rocha é uma senhora com grande experiência. Já ela era ativista ainda eu não tinha nascido. É para mim uma mentora e um exemplo. Toda a sua vida foi dedicada à causa. Tanto da igualdade das mulheres como da proteção das crianças. Sem dúvida, disse logo que sim. Além disso, trabalhamos juntas nas causas que mencionei anteriormente.
“Não estamos a conseguir responder aos níveis reais da perturbação e do conteúdo que é partilhado e sem controlo online e que duplicou no ano de 2022. Daí ter sido criada a petição do Guido Fluri, chamada Justice Initiative, em parceria com várias ONG’S como o Instituto de Apoio à Criança, a MCE, Eurochild, ECPAT. A coligação que integra um conjunto de federações europeias e mundiais do que o IAC faz parte – Eurochild, Missing Children Europe, ICMEC, ECPAT, vai começar a sua demanda de enviar a sua ronda de cartas para os eurodeputados!”, escreveu numa crónica publicada no Nascer do SOL. Em que ponto desta demanda se encontram?
No ponto da sensibilização e ação. No ponto de fazer ver que se esta diretiva não for aprovada, os nossos filhos ficam à mercê dos pedófilos. Se os senhores eurodeputados não ficarem sensibilizados com a maior monstruosidade à face da terra ficamos com duas hipóteses: uma em que as grandes empresas digitais precisam de detetar e controlar de forma firme os conteúdos de abuso sexual infantil e a sua propagação, ou a segunda: deixará de existir fiscalização e os predadores sexuais vão poder navegar livremente em todas as plataformas sem qualquer supervisão. Só a primeira numa Europa civilizada pode ser válida. No ponto da ação: assinem a petição!
Um acordo com a União Europeia possibilita que as companhias tecnológicas de comunicação localizem e eliminem conteúdos que envolvam aliciamento e abuso de menores. Este acordo provisório termina no próximo ano. Pensar neste cenário assusta-a?
Não me assusta. Aterroriza-me, tal como devia acontecer com todos nós. Quando achamos que só os filhos dos outros é que podem ser vítimas, encontramo-nos no pior pesadelo das nossas vidas. Isto tudo porque não lutámos pela infância das nossas crianças.
Falta aproximadamente um mês para que a Justice Initiative torne a Internet mais segura para as crianças. Que apelo gostaria de deixar?
Para que assinem a petição no meu Instagram, no Instagram da Justice Initiative Portugal, no Instagram do Instituto de Apoio à Criança ou no Instagram da Justice Initiative.eu. Assinem. Assinem. Assinem. Estão a contribuir para a maior causa do mundo: salvar crianças de predadores sexuais.
Que testemunhos tem recebido desde que começou a partilhar o seu envolvimento nesta iniciativa? Existem alguns que a tenham marcado particularmente?
Houve um que me perturbou particularmente: dois pais desesperados, pois a filha de 12 anos foi aliciada por um membro da família por meios tecnológicos, foram-lhe enviadas imagens de conteúdo sexual e acabou mesmo por ser violada. Pior que isto tudo, e apesar de ser proferida acusação por parte do Ministério Público, o indivíduo vive a 100 metros da vítima sem qualquer medida de coação a não ser um “afastamento” por palavras, digamos. Não é nada a que não esteja habituada, é só algo que me mete um nojo absoluto pela condição da criança na justiça portuguesa.