As eleições na Região Autónoma da Madeira foram, no mínimo, estranhas. Desde logo, porque se conseguiu uma estranha unanimidade: todas as forças políticas reclamaram vitória, o que, convenhamos, constitui um cenário improvável e inverosímil.
Passados alguns dias daquela inusitada noite, dei-me ao trabalho de revisitar o que foi dito nas televisões. Lembrei-me de John Cleese e da inolvidável frase em que nos diz que fica «impressionado como o riso nos liga às pessoas. (…) O riso é uma força democrática» (The Human Face – BBC, 2001).
Se o leitor se dedicar ao mesmo exercício, não tenho dúvidas de que só lhe restará rir-se ao ouvir o rol de declarações vitoriosas mais ou menos esotéricas, em que o líder do Partido Socialista consegue a palma triunfal. Mas também não deixará de se rir ao escutar as declarações do nosso bem-intencionado oráculo e candidato presidencial. Marques Mendes, certamente mal informado e num arriscado ato de adivinhação, anunciou um ‘tsunami’ com a derrota do PS (que sucedeu) e do Chega (que não aconteceu) e uma rotunda vitória com maioria absoluta de Miguel Albuquerque e, por inerência, um grande sucesso de Luís Montenegro, que não viriam a ocorrer.
Sucede que o resultado das eleições na Madeira merece outra leitura, que não nos deve fazer rir. É um sério aviso, que deveria ser tomado pelos grandes partidos que sustentam a nossa democracia, PS e PSD, como um toque a rebate. Porque, na realidade, o PSD conseguiu um resultado abaixo das suas legítimas expectativas, pese embora a competente governação de Albuquerque, particularmente durante a pandemia. Enquanto isso, o PS tem um resultado tão fraco que a falta de brilho do seu candidato, quando comparado com Cafôfo, não explica.
E, subitamente, os partidos das franjas do sistema cresceram muito. Foram eles, e não o PS, quem retirou a maioria absoluta a Albuquerque.
Porque será que cresceram desta forma improvável e desmesurada? Não há uma resposta fácil. Tanto mais que, nestas eleições, as duas principais forças políticas em confronto apresentavam, de facto, projetos alternativos. Acresce que o PSD nacional investia muito nestas eleições, com a presença de Montenegro e da sua entourage, e o CDS tentava fazer prova de vida.
Ainda assim, e ao contrário do que sucedera há quatro anos, não houve voto útil. O voto dispersou-se e o espetro partidário fragmentou-se.
Pode ser um epifenómeno, mas julgo que, a exemplo do que vemos noutros países europeus, o voto democrático em urna já não obedece ao velho sectarismo político, nem se conforma com a bipolarização. E começa a ser condicionado pela forma como os cidadãos interagem nas redes sociais, onde tudo o que é mau é potenciado e comentado, os indignados campeiam e são construídas falsas narrativas e fake news. Tudo isto enquanto o eleitor que efetivamente está contente, ou satisfeito, não tem interesse em participar; nem está disposto a sacrificar um domingo para ir votar, porque acha que não vale a pena ou que tudo ficará igual.
A verdade é que não fica. Nada fica igual, porque se está a alterar o peso de cada braço da balança. E, assim, a maioria silenciosa oferece, de mão beijada, o poder à minoria ruidosa. Até ao dia em que o ruído substituirá o peso do voto, assinalando o fim da democracia.