Contra todas as expectativas, as eleições na Madeira foram um duche gelado para Luís Montenegro. Ele partiu para o Funchal com uma luzida comitiva, onde figurava parte do seu estado-maior, com o objetivo afirmado de ‘apoiar’ Miguel Albuquerque – mas com o objetivo escondido de ‘se apoiar’ em Miguel Albuquerque. Na verdade, Montenegro pouco apoio podia dar ao presidente do Governo Regional da Madeira; ao invés, podia aproveitar a sua previsível esmagadora vitória para iniciar aí uma cavalgada em direção ao poder no continente.
Saiu-lhe, porém, o tiro pela culatra.
E aquilo que foi uma boa vitória do PSD, humilhando o seu principal rival, o PS – que nem chegou a atingir metade dos votos da coligação PSD/CDS –, acabou por ter um sabor amargo.
Perante o falhanço da maioria absoluta, Albuquerque apressou-se a dizer que faria um Governo com apoio parlamentar maioritário, mas excluiu desde logo um acordo com o Chega.
E Montenegro repetiu o mesmo refrão.
Confesso que não percebo esta necessidade que o PSD tem de dizer que não fará em nenhum caso acordos com o partido de André Ventura.
Compreende-se o objetivo: ao afirmar que recusará alianças com o Chega, Luís Montenegro visa forçar os eleitores da direita a votarem no PSD.
No fundo, diz-lhes: se queres derrotar os socialistas, não tens outra solução que não seja votar no PSD, que é a única alternativa ao PS.
Nesta perspetiva, o voto no Chega será um ‘voto inútil’, uma munição desperdiçada.
Só que isto é voluntarismo: com os níveis de adesão que o Chega tem, o PSD não conseguirá a maioria absoluta sem os seus votos. Nem de perto nem de longe.
Só com o Chega o PSD pode aspirar a governar.
Se, com tudo a seu favor, Miguel Albuquerque não conseguiu a maioria absoluta na Madeira, como a conquistará Luís Montenegro no continente?
Mantendo-se nesta teimosia, Montenegro nunca chegará a primeiro-ministro.
A situação que se vive hoje entre o PSD e o Chega é – quem diria? – semelhante à que se viveu no passado entre o PS e o PCP. Mário Soares também dizia que nunca faria uma aliança com o PCP.
Podia aliar-se com todos, mas com o PCP nunca.
E respeitou a promessa.
Só que, também por isso, nunca completou uma legislatura.
Curiosamente, quem transporia essa ‘linha vermelha’ seria o seu filho João Soares, fazendo uma coligação autárquica com os comunistas em Lisboa.
E António Costa daria o passo final com a ‘geringonça’, assinando um acordo com os comunistas e os bloquistas para inviabilizarem pela primeira vez a constituição de um Governo que tinha ganho as eleições.
Ora, o que antes se passava à esquerda, passa-se hoje à direita.
A situação inverteu-se: o ‘bloqueio’ transitou de um lado para o outro do espetro político.
Há uns anos, o PS recusava alianças com o PCP, enquanto o PSD se aliava sem problemas ao CDS; hoje, é o PSD que recusa aliar-se ao Chega, enquanto o PS se alia sem problemas ao PCP e ao BE.
É altura de olhar com olhos de ver para a nova realidade.
Tal como António Costa percebeu que era uma grave limitação para o Partido Socialista não poder fazer alianças com os partidos à sua esquerda, Luís Montenegro vai perceber um dia que é uma grave limitação para o Partido Social Democrata não poder aliar-se com o partido à sua direita.
Nestas condições, não devia fazer promessas nem afirmações definitivas.
Alguém vê Costa dizer se voltará ou não a fazer uma nova ‘geringonça’?
É claro que o PSD deve afirmar-se por si, deve defender os seus princípios, deve explicar que é a única alternativa ao Partido Socialista – mas não tem interesse nenhum em dizer que nunca, jamais, em tempo algum, fará uma aliança com o Chega.
Di-lo para quê? Para tranquilizar a esquerda? Para a sossegar? Para a satisfazer?
E, ao atacar o Chega, o PSD ganhará ou perderá votos?
Perante os ataques de Montenegro, os simpatizantes do Chega serão tentados a votar no PSD ou ficarão irritados e cerrarão fileiras em torno de Ventura?
Em política, é muito perigoso dizer ‘nunca’.
A política é cada vez mais um campo de negociação, e António Costa é a prova viva disso mesmo.
Os militantes do PSD perceberão mais tarde ou mais cedo que, a atacarem permanentemente o Chega, nunca chegarão ao poder.
E nessa altura, se Montenegro não der o dito por não dito, e se se recusar a falar com Ventura, o PSD escolherá um líder que aceite fazê-lo.
jose.a.saraiva@nascerdosol.pt