A ajuda externa tem sido fundamental para a Ucrânia resistir a uma potência nuclear em posição de clara vantagem militar, económica e demográfica. Mas esta boia, na forma de pacotes de ajuda bélica e financeira, pode estar a esvaziar-se. As eleições na Polónia e na Eslováquia, a divisão nos Estados Unidos e as políticas húngaras ameaçam a continuidade do apoio aos ucranianos e, consequentemente, comprometem o desfecho do conflito.
Na última edição da Assembleia Geral das Nações Unidas, o Presidente Volodymyr Zelensky, mostrou-se alinhado com a posição ocidental. A tentativa de “falar a mesma língua” demonstra a necessidade de cativar as potências ocidentais a não abandonar o ‘barco’ dos apoios, afirmando ainda que a segurança internacional estará em risco com uma vitória russa.
O papel de Washington
Na sequência da sua primeira aparição física na ONU, Zelensky viajou até Washington para uma visita à Casa Branca e ao Capitólio. Tanto a atitude adotada na ONU como a passagem pelos órgãos de poder dos EUA são um indício de insegurança de Kiev, num momento em que o apoio à Ucrânia parece esmorecer face aos fracos progressos da contraofensiva. Ainda assim, Washington garantiu a continuidade do auxílio e solicitou à Câmara dos Representantes um novo pacote de ajuda no valor de 24 mil milhões de dólares. O Presidente americano prometeu mais armas de defesa antiaérea em conjunto com os tanques M1 Abrams que já chegaram à Ucrânia, mas não garantiu o envio de mísseis de longo alcance, avançou a Euronews. Biden aproveitou a ocasião como manobra eleitoral e garantiu que o apoio dos EUA estará sob ameaça com um Presidente republicano. O chefe de Estado ucraniano agradeceu a Joe Biden e ao povo norte-americano pelo novo pacote de defesa: “É exatamente o que os nossos soldados precisam. (…) Por agora.”. Biden confirmou que irá “continuar a providenciar segurança à Ucrânia e vamos continuar a apoiar que reconquiste territórios”. Referiu ainda que se trata de um apoio conjunto entre “republicanos e demócratas”.
Ainda que seja uma afirmação que ofereça esperança a quem acredita que a incondicional ajuda à Ucrânia é a melhor forma de lidar com o conflito, não é um retrato fidedigno do panorama político interno. E mesmo que tenha havido maioria no Senado quanto à aprovação do mais recente pacote, as fações mais conservadoras da Câmara opõem-se, segundo o The Hill. Uma sondagem da CNN mostra que 55% dos americanos e 71% dos republicanos estão contra a autorização do Congresso para o apoio adicional. O facto de os EUA terem enviado mais ajuda que todos os países europeus juntos, além de ser alvo constante de críticas, demonstra a dependência da fação ocidental do velho continente em relação aos americanos.
Braço de ferro a leste
A Polónia pode estar a conseguir deslocar o eixo de poder da UE para leste e essa possibilidade ganhou mais consistência em fevereiro, quando Biden decidiu ir à Polónia na sua viagem à Europa. É certo que um dos motivos de Washington seria reiterar o apoio aos Estados na linha da frente, mas pode ser entendido de um ponto de vista mais amplo. Sendo pro-NATO e pro-EUA na política externa e de defesa, juntamente com o apoio que tem prestado à Ucrânia, a Polónia demarca-se da ambivalência francesa e alemã. Mesmo assumindo esta posição fundamental, foi alvo de críticas ucranianas quanto à sua posição no embargo dos cereais. Em abril deste ano, a Polónia, a Hungria, a Eslováquia, a Bulgária e a Roménia colocaram em vigor, com aprovação da Comissão Europeia, um embargo aos cereais ucranianos, protegendo assim os produtores nacionais. A medida foi tomada prevendo o término do Acordo dos Cereais que acabou por privar a Ucrânia de aceder aos seus principais mercados em África e no Médio-Oriente. No entanto, Bruxelas voltou atrás, considerando que as “distorções de mercado causadas pelo afluxo de cereais ucranianos tinham desaparecido”. A Polónia, a Hungria e a Eslováquia não seguiram as diretrizes europeias e prolongaram unilateralmente o embargo, decisão contestada pela Ucrânia junto da Organização Mundial do Comércio, onde a ministra da Economia ucraniana comunicou que “é fundamental definir que Estados-membros não podem, a título individual, proibir a importação de bens ucranianos”.
O porta-voz do Governo polaco declarou à Polsat News que a Polónia vai manter a sua posição, sendo também “o resultado de uma análise económica e dos poderes que derivam do direito comunitário e internacional”. Já o ministro da Agricultura polaco garante que a Polónia está disposta a discutir propostas para ajudar o trânsito de cereais ucranianos caso haja garantias de proteção aos agricultores polacos e afirmou que: “(…) Não levantaremos o nosso embargo até encontrarmos uma solução conjunta que seja segura e eficaz, para que os interesses dos agricultores polacos sejam salvaguardados e os cereais ucranianos não entrem no mercado polaco. Essa é a condição número 1”.
As tensões entre Kiev e Varsóvia aumentaram quando o primeiro-ministro polaco, Mateusz Morawiecki, anunciou que a Polónia irá interromper o fornecimento de armas à Ucrânia, afirmação que veio no seguimento das críticas de Zelensky. Esta posição ucraniana pode-se revelar um tiro no próprio pé, já que distancia o principal aliado europeu. A justificação de Morawiecki foi a de que “(…) estamos a armar a Polónia com armas mais modernas”, frase que levou o Presidente polaco a tentar apaziguar os seus efeitos, garantindo que houve uma má interpretação das palavras do primeiro-ministro. O primeiro-ministro mostrou-se firme e até deixou um aviso a Zelensky: “Quero dizer ao Presidente ucraniano (…) para nunca mais insultar os polacos. (…) Defender o bom nome da Polónia é a tarefa mais importante do Governo”. O reforço de uma unidade e identidade nacional pode ser um trunfo eleitoral valioso.
Impacto eleitoral
As próximas eleições na Polónia e na Eslováquia estão no epicentro do aumento das tensões com Kiev.
No território polaco espera-se uma corrida eleitoral intensa no dia 15 de outubro e o Partido Lei e Justiça, atualmente no poder, está a evitar perder eleitores para a força mais à direita (que promete reduzir o apoio à Ucrânia) e, por conseguinte, perder terreno para o adversário direto, a Coligação Cívica. Esta é uma explicação para a mudança de posição do Governo, sendo intransigente quanto ao embargo e dando mais destaque aos agricultores num país onde o voto rural é historicamente importante: “(…) Respeitamos os problemas deles, mas para nós, os interesses dos nossos agricultores são a coisa mais importante”, afirmou à Polsat News. Já o líder da oposição, Donald Tusk, acusou o Governo de «apunhalar politicamente a Ucrânia».
Na Eslováquia, o término do apoio à Ucrânia está também iminente. O ex-primeiro-ministro e líder nas sondagens, Robert Fico, utiliza o fim da ajuda aos ucranianos como uma das principais bandeiras. Fico criticou as sanções impostas pela União Europeia à Rússia e afirmou que “nazis e fascistas ucranianos começaram a assassinar cidadãos russos no Donbass e em Lugansk [em 2014]”. Num comício, o candidato favorito afirmou: “Somos um país pacífico. Não enviaremos uma munição sequer para a Ucrânia”. Uma declaração que vai contra a política eslovaca em relação ao conflito, uma vez que tem sido um dos grandes fornecedores de apoio militar e político da Ucrânia. Robert Fico, do Partido Smer, está na dianteira desde março e conta neste momento, a um mês das eleições, com uma vantagem de 6% e 9% em relação aos seus principais adversários, o Eslováquia Progressista e o HLAS, respetivamente, segundo sondagens do Politico. Ainda assim, o cenário de maioria absoluta é apenas uma miragem e um governo de coligação não será fácil. As promessas do ex-primeiro-ministro, caso retorne ao Governo, podem ficar reféns do apoio da UE, fundamental para um país como a Eslováquia que prevê um défice na casa dos 6,85% do PIB.