Eu sou muito sensível ao sofrimento, à zanga e à revolta de alguns dos atuais jovens do primeiro mundo, coitados, angustiadíssimos e entalados entre o tédio da mimosa proteção parental, a incerteza quanto ao futuro (sim, que para as gerações anteriores o futuro era certíssimo, limpinho e garantido) e a ansiedade existencial sobre o momento em que sairá o próximo modelo do iPhone (pro max, de preferência). E também lhes sou grato, porque tenho aprendido muito com eles, nomeadamente a respeito das questões profissionais e, sobretudo, das questões climáticas: exigir tudo aos outros, por um lado, e, por outro, culpar todos os que antes porfiaram (mal, claro) para tratar do futuro, que agora é o presente (e daqui a instantes é já o passado), e que os trouxeram para o enorme ennui da hiper-satisfação. Alguns são demasiado radicais? Os mesmos ou outros são até mal-educados? Sim, talvez, mas tudo isso é desculpável, porque têm uma vida horrenda e o futuro, meu Deus, é uma incógnita. Bem, bem estavam os nossos antepassados a caçar e a ser caçados no Neolítico, à espera da peste ou da espada na Idade Média, a chafurdar na lama e no trabalho na Revolução Industrial ou a matar e a morrer nas Guerras Mundiais. Isso é que era animação, esperança e futuro certo e radioso. Agora é tudo um horror, e vai daí toca de culpar e exigir, não só com o natural arroubo da juventude, mas também uma húbris que não lhes ensinaram a disfarçar com o decoro necessário para a saudável convivência. De bebés que são o centro do mundo passaram a jovens que, além de o continuarem a ser, sabem tudo sobre o mundo.
Pois aprendi com eles e também culpo os meus antepassados. Por tudo e mais alguma coisa, mas especialmente por não terem evoluído com suficiente velocidade (mesmo com custos climáticos e outros) e, assim, não ter eu tido, nos meus anos jovens, coisas que hoje existem e que me teriam feito muito feliz (embora porventura também zangado, angustiado e revoltado – e exigente, claro). Por exemplo: o telemóvel. O que eu, lá na parvalheira dos anos oitenta e início dos noventa do século XX, não teria dado por um telemóvel, para estar sempre entretido, cara metida no ecrã e alguma coisa nos ouvidos (que nem olá, nem bom dia nem boa tarde), todo conectado, todo encantado, todo em rede. Meu Deus, antepassados, porque vos atrasastes tanto a trazer isso ao mundo. As chances que eu perdi, e por isso vos processarei, no Tribunal dos Direitos Humanos ou outro, usando aquela figura jurídica (perda de chance) que assenta na circunstância de alguém ser afetado num seu direito de conseguir uma vantagem futura. Claro que se tivessem andado mais depressa, isso teria problemas, pois, em matéria de telemóveis, para além do vidro e do plástico, todos os equipamentos usam em abundância metais problemáticos, ou porque são raros, ou extraídos em zonas de conflito e seguindo práticas comerciais pouco recomendáveis, ou pelo seu impacto ambiental, mais a mais considerando que o ciclo de vida dos equipamentos é cada vez mais curto. Mas isso seria o menos, até porque a culpa seria, e é, dos outros; e a coerência costuma acabar quando começa a necessidade de dar de comer aos meus coração, cabeça e estômago. Nisso estamos iguais ao Neolítico, por muito que os jovens desta crónica se achem – do alto da sua radical e ingrata arrogância – muito ‘à frente’.
Advogado