Sempre tive orgulho na nossa sociedade por esta, mesmo com pecadilhos e fraquezas, improvisar soluções para as crises. Apesar dos queixumes, aprecio a resiliência e a forma como, talvez por sermos latinos, escapamos ao puritanismo.
Nos últimos tempos, optámos por imitar as sociedades protestantes do norte da Europa. Destas, infelizmente, só copiamos o pior: a submissão à polícia dos costumes e a invenção de leis que condicionam as nossas liberdades e tolhem os nossos hábitos.
Durante a pandemia, abdicámos de alguns dos nossos direitos sem nos questionarmos se seria razoável tudo o que nos era imposto, por vezes de forma contraditória e por pessoas de duvidosa competência para lidar com um vírus desconhecido. Isso fragilizou a nossa resistência perante uma ameaça bem mais perigosa do que a covid-19 ou qualquer outra doença infecciosa: a ditadura dos costumes.
É nessa ditadura que se insere a nova lei do tabaco, com os seus exageros e a sua moralidade sanitária. Trata-se de um exercício de intolerância levado a cabo por políticos desinspirados, que se deleitam a exercer o poder legislando coisas estapafúrdias. Desta forma, impõem-nos comportamentos e contrariam os nossos hábitos mais ou menos inofensivos, sem respeitar a liberdade individual.
Claro que ninguém quer ser incomodado pelo fumo, mas para isso servia a lei vigente. Poderia ser aperfeiçoada com bom senso, garantindo o princípio da não sobreposição de direitos entre os não fumadores e os fumadores. Tanto mais que a censura social que hoje existe em matéria de fumo funciona melhor do que qualquer lei.
A temperança que se exige aos fumadores devia ser exigida aos legisladores. Ao invés, o Ministério da Saúde e a maioria no Parlamento trocaram o bom senso pela submissão aos ayatollahs. Na realidade, esta lei insere-se na voracidade legislativa legitimada pelo empoderamento de duas pragas do nosso sistema: os autodenominados e omnipotentes especialistas e a omnipresente polícia dos costumes, que nos tolhe com o seu insuportável paternalismo.
Não deixa de ser surpreendente, mas hipócrita e ignóbil, que este Parlamento que ainda há dias legislava sobre a posse de droga – e o leitor fica a saber, se ainda não sabe, que pode doravante ter na sua posse um camião cheio de droga, desde que não se consiga provar que a tenciona vender – adira, agora, ao proibicionismo no caso do tabaco.
Aliás, o brutal aumento de impostos sobre o tabaco motivado pela nova lei – que será garantidamente aprovado no Orçamento, não porque o Estado necessite dessa receita mas por exigência do Ministério da Saúde e como parte integrante da sua política – vai causar perda de empregos e pesar nas bolsas de quem fuma. Mais: será fantástico para o mercado negro. Além da cocaína e do haxixe, do crack e das variadas pastilhas, o tráfico pode ser alargado e passar a integrar, na sua impune rede de distribuição, o perigosíssimo tabaco.
A minha geração cresceu no pós-Maio de 68. Amadureceu na busca incessante da liberdade e das liberdades e na resistência às normas rígidas, às regras estúpidas e às leis antiquadas que nos reprimiam. Temos, agora, o dever de remar contra esta maré, denunciando a deriva securitária, mesmo quando esta se veste de paternalismo. A quem nos quer domesticar só podemos recordar Jean Yanne e Caetano Veloso, e dizer-lhes que deve ser proibido prohibir.