Um dos aspetos mais preocupantes da nossa realidade é a incapacidade para criar riqueza em Portugal. Passamos a vida à espera do que há de vir de fora – seja das ajudas europeias, dos turistas, dos estrangeiros que cá vêm comprar casa ou dos grandes eventos. Se não fosse isso, o que seria de nós? Vivemos do dinheiro gerado por outros povos, noutras geografias. Vivemos do dinheiro de Bruxelas (que será cada vez menos, porque a reconstrução da Ucrânia vai absorver grande parte do capital disponível); vivemos dos milhões que aqui deixam os turistas (que estão sujeito a imponderáveis, como a pandemia mostrou); vivemos da compra de imobiliário por parte de estrangeiros (que inflaciona o preço das casas e contribui para os problemas da habitação); vivemos da organização de grandes eventos internacionais, como a Expo 98, o Euro 2004, a Web Summit, a Jornada Mundial da Juventude ou o Mundial de Futebol 2030, que estamos a organizar com a Espanha e Marrocos.
Repito: não vivemos de capitais gerados aqui, mas sim de dinheiros trazidos por outros e gerados por outras economias.
Os entusiastas do projeto europeu dizem que Portugal estaria muito pior sem as ajudas de Bruxelas.
Ora, tenho sobre isto uma visão diferente.
As ajudas europeias a Portugal desde a adesão à então CEE, em 1986, tiveram duas consequências: permitiram-nos fazer autoestradas, melhorar as cidades, reabilitar algum património, ajudaram as pessoas a viver melhor, pois passou a haver mais dinheiro em circulação, mas não contribuíram para fortalecer a nossa estrutura produtiva.
E a prova é que Portugal quase não tem crescido nos últimos trinta anos.
Porquê?
Porque essas remessas também ajudaram à nossa preguiça.
Portugal está hoje como aquelas pessoas que se habituaram a viver com o rendimento mínimo e não querem fazer nada, que ganham pouco mas não querem trabalhar.
As remessas europeias contribuíram – e muito – para os portugueses não se esforçarem, não se empenharem; o dinheiro há de chegar de qualquer maneira, é o que a maioria pensa.
Ora, todo o dinheiro que não é ganho com o esforço próprio ajuda a criar maus hábitos.
O que gera verdadeiramente riqueza é a indústria. Sucede que a incipiente indústria que tínhamos, vinda do século XIX ou nascida na parte final do salazarismo e no marcelismo – a siderurgia, a construção e reparação naval, os cimentos, os sabões, etc. -, foi desmantelada depois do 25 de Abril.
Tudo isso desapareceu.
E o mesmo vale para o sistema bancário.
Os empresários e os banqueiros foram perseguidos como ‘inimigos do povo’ e tiveram de fugir para o estrangeiro.
Os agricultores foram expulsos das suas terras.
É certo que muitos latifundiários eram parasitários, não tinham uma mentalidade empresarial, mas a emenda foi pior do que o soneto.
Depois de 1974 temos sido muitas vezes governados com políticas cheias de ‘boas intenções’ mas de resultados desastrosos.
Vasco Pulido Valente disse um dia uma frase que não esqueci: «Tenho o coração à esquerda e a razão à direita».
As políticas de esquerda podem ser muito bem-intencionadas nas palavras, é bonito ouvir dizer que é preciso tirar aos ricos para dar aos pobres, mas isso não leva a lado nenhum.
Basta levantar o nariz e olhar para o mundo para o percebermos.
Os países que teimaram nessas políticas, como Cuba ou a Venezuela, são hoje miseráveis.
E a Rússia e a China, os dois colossos comunistas do século XX, continuam a ser governados por ditaduras partidárias mas deitaram o comunismo às malvas e adotaram as regras económicas do capitalismo.
A realidade está à vista de todos.
Em Portugal, além de produzirmos pouco, de quase não termos indústria, de vivermos com o dinheiro de outros, de não fazermos esforços sérios para a criação de riqueza, ainda apostamos em políticas assistencialistas, distribuindo o pouco que existe.
E isto agrava a situação: para garantirmos os subsídios que o Governo distribui a esmo, estrangulamos a sociedade com impostos.
Asfixiamos a classe média e as empresas, impedindo estas de crescer.
E o próprio Estado fica sem capacidade para investir.
O resultado está à vista.
Como as empresas não têm dinheiro, pagam mal e os jovens emigram.
A nossa produtividade, em vez de aumentar, como seria natural e era forçoso acontecer, diminuiu: entre 2015 e 2022, o capital por trabalhador caiu quase 10%.
Estamos a caminho de ser o 3.º pior país da União Europeia na produtividade, só à frente da Grécia e da Bulgária.
Enquanto aqui não conseguirmos criar riqueza, enquanto não produzirmos bens com o nosso esforço, enquanto não tivermos indústrias que exportem em quantidades que se vejam, enquanto vivermos de mão estendida à espera das ajudas de Bruxelas ou dos turistas, enquanto nos empenharmos mais em distribuir do que em produzir, não sairemos da cepa torta.
Acreditem no que vos digo.
P.S. – Nem tudo são más notícias. A Fitch subiu o nosso rating para A-, o que não sucedia há 12 anos. Há umas semanas elogiei a estratégia do ministro das Finanças, Fernando Medina (o que me custou as críticas de muitos leitores). Prova-se agora, na prática, o acerto do que escrevi.