Papa Francisco dá uma no cravo e outra na ferradura

O Papa, já considerado o imprevisível, não quis um grupo linguístico alemão, como no passado, para atenuar divisões, mas quer que todos participem digam cara-a-cara o que lhes vai na alma.

São muitos os cristãos e não cristãos que estão à espera que saia fumo branco do Vaticano sobre as questões mais fraturantes, como a bênção dos casais do mesmo sexo, a aceitação de casais recasados, que poderão voltar a comungar (tomar a hóstia, usando uma linguagem mais simplista), até ao papel das mulheres na Igreja Católica, mas nada disso deverá ser resolvido no Sínodo que decorre em Roma, até 29 de outubro.

Várias fontes ligadas à Igreja Católica portuguesa explicam que é de todo improvável que tal venha a acontecer, até porque o «tema genérico deste Sínodo tem a ver com a sinodalidade», que é como quem diz, segundo o próprio documento do encontro, «um estilo, uma cultura, uma forma de pensar e de ser, que reflete a verdade de que a Igreja é guiada pelo Espírito Santo, que permite a cada um oferecer a sua própria contribuição à vida da Igreja. Este processo sinodal procura ‘fortalecer a cooperação’ em todas as áreas da missão da Igreja, para aumentar a comunhão, a participação e a missão».

Um jovem padre lisboeta tenta ser ainda mais claro: «O Papa não está só à procura de respostas para assuntos concretos, está a procurar pensar a Igreja como um todo, sistematicamente sobre uma nova eclesiologia. Isso é que é o mais interessante».

Digamos que este Sínodo deve servir, nas palavras do Papa, para todos dizerem o que pensam, mas as conclusões ficarão para daqui a um ano, quando todos voltarem a reunir-se. «Estamos na abertura da Assembleia Sinodal. E não nos ajuda um olhar imanente, feito de estratégias humanas, cálculos políticos ou batalhas ideológicas: se o Sínodo vai dar esta autorização, aquela outra, se vai abrir esta porta ou outra… isso não é útil», disse o Papa Francisco na missa de abertura. «Não estamos aqui para realizar uma reunião parlamentar nem um plano de reformas. O Sínodo, irmãos e irmãs, não é um Parlamento. O protagonista é o Espírito Santo. Não estamos num Parlamento, estamos aqui para caminhar juntos com o olhar de Jesus, que bendiz o Pai e acolhe a quantos estão cansados e oprimidos», reforçou.

Voltemos às inquietações fraturantes. Uns dias antes de começar o sínodo, cinco cardeais, da dita ala conservadora, fizeram cinco perguntas ao Papa, pedindo esclarecimentos sobre a interpretação da Revelação Divina, a bênção de uniões entre pessoas do mesmo sexo, a sinodalidade como dimensão constitutiva da Igreja, a ordenação sacerdotal de mulheres e ao arrependimento como condição necessária para a absolvição sacramental, como noticiou o Vatican News, entre outros.

Respostas antes do sínodo

Quanto à questão da bênção de uniões entre pessoas do mesmo sexo, Francisco começou por lembrar que «a Igreja tem uma conceção muito clara do matrimónio: uma união exclusiva, estável e indissolúvel entre um homem e uma mulher, naturalmente aberta a gerar filhos», mas «a prudência pastoral deve discernir adequadamente se existem formas de bênção, solicitadas por uma ou mais pessoas, que não transmitam um conceito erróneo de matrimónio. Pois, quando se pede uma bênção, está-se expressando um pedido de ajuda a Deus, uma súplica para poder viver melhor, uma confiança em um Pai que pode nos ajudar a viver melhor».

Outro cardeal, este checo, também quis esclarecer várias inquietações e escreveu igualmente ao chefe máximo da Igreja Católica, pedindo-lhe, entre outros assuntos, que o elucidasse sobre a concessão de sacramentos a divorciados recasados. Depois de várias considerações, Francisco desfez as dúvidas do cardeal checo. É permitido , «em certos casos, depois de um discernimento adequado», a administração do sacramento da Reconciliação, mesmo quando não é possível ser fiel à continência proposta pela Igreja.

Como se percebe, o Papa Francisco, mesmo antes do sínodo, quis explicar qual é a sua leitura sobre os temas fraturantes, mas as conclusões divinas, leia-se do Santo Padre, só daqui a um ano na melhor das hipóteses. As conclusões que saírem deste sínodo serão depois compiladas e enviadas para as dioceses espalhadas pelo mundo, havendo depois outro trabalho de campo até que se volte a realizar o novo sínodo no próximo ano. E há quem pense que as conclusões finais, ou melhor, o rumo futuro da Igreja só deverá ser conhecido em 2025, algo que não agrada à maioria da Igreja Católica alemã, que exige reformas já.

Mostrando como é imprevisível, o Papa Francisco trocou as voltas a muito boa gente ao convidar dois bispos alemães que são contra a abertura na Igreja, embora também deva estar presente o líder da Conferência Episcopal alemã, grande defensor da abertura total da Igreja aos recasados, aos homossexuais e à ordenação das mulheres, além de um peso maior dos leigos na vida quotidiana.

Dando uma no cravo e outra na ferradura, o Papa pediu que todos sejam claros: «Se não estás de acordo com aquilo que diz aquele bispo, aquele padre, aquela irmã, di-lo na cara. Isto é um Sínodo». Mas, antes, na preparação do encontro, determinou que a Alemanha não tenha o seu grupo linguístico, ao contrário do passado, até para que os alemães «não fizessem um grupo autónomo, que podia elaborar documentos desencontrados», explica ao Nascer do SOL fonte eclesiástica.

A 29 de outubro, os 365 votantes, entre os quais 54 mulheres, dirão a que conclusões chegaram. Certo é que os sínodos deixaram de ser um exclusivo dos bispos e, hoje, o leque de participantes até inclui 12 representantes de outras igrejas e comunidades cristãs, além de outros convidados. E este modelo já não volta atrás.