Vinhos do Alentejo: Para Portugal e para o mundo

Os Vinhos do Alentejo têm vindo a crescer. Francisco Mateus, presidente da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana, não lhe chama sorte: é o trabalho e o esforço de quem trabalha e aposta nesta área naquela região.

Vastas áreas de vinha, características que nenhuma outra região tem, bom vinho (dizem!), programas de sustentabilidade, reconhecimento e um mundo inteiro para conquistar. Assim, resumidamente, se descreve a região vitivinícola do Alentejo, que ficamos a conhecer melhor aos olhos de Francisco Mateus, presidente da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA) que nos explica o que torna esta região tão especial.

“Acima de tudo, é o conjunto das condições da terra e do clima e o conjunto de variedade de uvas e de castas que temos no nosso território”. Quando ao clima, o que existe nesta região portuguesa só se compara com o Chile ou a Califórnia “em termos de calor, de escassez de água, o que permite,  produzir os vinhos com determinadas características”. Mas o resultado é, claro, inegavelmente bom. “Diria que é esse conjunto, esse binómio, o terroir, aliado às castas, que é um diferenciador daquilo que o Alentejo tem para oferecer no mercado nacional e no mercado mundial. Marca os nossos vinhos, marca o produto final”.

Mas não são só as características da terra e do clima as responsáveis pelo que chega à boca de quem o prova. É preciso, claro, olhar para a importância do trabalho do produtor alentejano, as decisões que toma em função do local onde planta a vinha, a poda, a forma como a vinha vai ser orientada ou as próprias castas. “Há sempre um cunho humano que faz parte. Obviamente não é todo igual porque as pessoas não são todas iguais mas é uma parte importante para explicar o resultado final daquilo que está dentro da garrafa que é aquilo que as pessoas provam, põem na boca, cheiram. É algo que tem muito a ver com a própria natureza do lugar onde as uvas são produzidas”, detalha Francisco Mateus.

Tudo isto é a receita perfeita para que os Vinhos do Alentejo estejam em constante crescimento e os números não deixam margem para dúvidas. “Temos uma clara noção de que temos tido um crescimento bastante bom em termos de exportação”, diz-nos o presidente da CVRA. E enumera: Em cinco anos, entre 2018 e 2022, com dados anuais já fechados, a região cresceu 31% no valor das exportações e 22% na quantidade exportada. “Isto é um crescimento bom e que nos mostra que os nossos vinhos estão a ser cada vez mais procurados fora de portas, o que é muito bom porque estamos a diminuir a dependência do mercado principal”. É que o mercado português é o principal mercado dos Vinhos do Alentejo “mas temos a perfeita noção de que estamos a falar de um mercado que é relativamente pequeno em termos de consumidores”. E é um mercado estagnado, acrescenta.

A exportação acaba então por ser a opção mais óbvia e tem sido feito um grande esforço nesse sentido. Os resultados desse esforço são positivos e olhando para os 20 principais mercados para onde os Vinhos do Alentejo exportam, os números são bons. Ao longo de cinco anos, só foram registadas quedas em três mercados: Angola, França e China. “Em 20 mercados termos só três com quebra acho que é muito bom, estamos a crescer de uma forma geral nas exportações que temos e estamos a crescer com taxas positivas no valor para os principais mercados para onde mandamos”, diz Francisco Mateus. Isto também acontece porque tem havido uma aposta na exportação e os produtores têm feito “um trabalho excecional”, o que faz com que o Alentejo comece a ser mais conhecido lá fora.

Junta-se o programa de sustentabilidade que, aliado à certificação, “acrescenta algo àquilo que a garrafa de vinho transporta que é um atestado de que aquele vinho foi produzido de forma sustentável com atenção à componente climática, à componente social e obviamente à parte económica que é sempre necessário”.

Por tudo isto, o presidente da CVRA não tem dúvidas: “Estamos a transformar gradualmente a forma como o Alentejo produz vinho e estamos a conseguir passar esta mensagem para alguns dos mercados internacionais e o impacto que temos está a ser positivo”.

Mudanças climáticas, desafios e campanha

Numa altura em que as alterações climáticas e a seca são uma realidade, Francisco Mateus destacou que, tal como costuma dizer, “o Alentejo está sempre em seca”. Às vezes mais, outras vezes menos. “Não é uma realidade nova para a região, sabemos que isto acontece. Todos os anos estamos cientes de que pode haver golpes de calor, escaldão, como este ano apesar de não ter tido um impacto grande, quedas de granizo em agosto ou setembro”. Os acidentes climatéricos acontecem mas o segredo está em saber lidar com eles. E aqui entram também as práticas sustentáveis para que a região seja capaz de conseguir produzir sabendo que as alterações climáticas não estão a ser favoráveis. Isso significa, nas palavras do presidente da CVRA, que é preciso ter capacidade de conseguir captar a água da chuva, de a conseguir monitorizar a água que se põe na vinha e a que põe na adega “de forma a darmos às plantas a água que elas necessitam e não a água que achamos que devem ter, garantir que a planta sobrevive, que a planta se torna mais resistente, a planta conseguir ir com as raízes mais fundas e ao ir mais fundo”.

O responsável destaca que a base central é garantir que as vinhas sejam produtivas com um impacto de um ambiente que seja positivo, que gere trabalho para as pessoas e que permita ter um setor que está bem apetrechado para o futuro “até porque estamos convencidos que o futuro, pelo menos a níveis climáticos, não vai ser favorável em lado nenhum. Temos que estar o mais preparados para isso”.

Um trabalho que se faz durante todo o ano e que se vê anualmente na época da vindima. E apesar de as alterações climáticas não afetarem da mesma forma toda a região, no geral, as perspetivas para esta campanha são boas. “Mantemos a nossa expectativa de previsão com um aumento entre os 5 e os 10%”. Os números ainda não estão fechados mas o responsável defende que o Alentejo vai contar com um aumento de produção e de qualidade também. “Não obtive de nenhum produtor a ideia de que este ano era um ano com qualidade média. Todos me dizem que vai ser um ano de excelente qualidade e em que os vinhos terão certamente um excelente potencial de guarda”.

A qualidade é excelente, o trabalho igual mas há sempre um fator que pode prejudicar e que é transversal a todos os setores e a todo o planeta: a falta de mão-de-obra. No Alentejo não é exceção e diz Francisco Mateus, “há exceções à regras mas continua a ser difícil contratar pessoas e equipas com elevado nível de dedicação”, lamentando que muitas vezes são pessoas que estão interessadas em trabalhar mas a qualquer adversidade, a qualquer oportunidade melhor se mudam.

Ainda assim, o presidente da CVRA diz que já não existe aquela visão romântica na altura das vindimas de pessoas a vindimar. Ainda acontece, claro está, mas o Alentejo conta com uma grande área de viticultura que é moderna e vindimada à máquina, o que, na sua opinião, também tem pontos a favor. “É a evolução dos tempos, não deixa de ser um negócio que se quer sustentável, se tivéssemos mais pessoas provavelmente as coisas poderiam correr melhor, mas é um problema para o vinho, para a agricultura. As pessoas não veem a agricultura como um setor nobre para trabalhar”.

De Portugal, para Portugal e para o mundo

Dificuldades à parte, a verdade é que os Vinhos do Alentejo são cada vez mais conhecidos um pouco por todo o mundo e estiveram recentemente no Reino Unido para dar a conhecer o Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo a centenas de retalhistas, sommeliers e outros compradores de vinho. Para Francisco Mateus, um dos principais objetivos desta ida a terras britânicas foi “colocar na mente dos compradores de vinho no Reino Unido que na procura de vinhos com produção sustentável, o Alentejo é um potencial fornecedor”.

Além disso, destaque para o facto de a região ter sido distinguida recentemente como um dos melhores destinos vínicos do mundo. E não foi primeira vez. Para o presidente da CVRA estas distinções são um resultado claro do trabalho que se faz no Alentejo. 

Desde 2014 o Alentejo teve 12 referências a nível mundial sobre região como um destino vitivinícola a visitar. E em 2021 teve destaque como um dos 22 destinos que estão a contribuir para o transformar o mundo, baseado no trabalho que a região faz em termos de sustentabilidade. Distinções que, na opinião de Francisco Mateus, acontecem porque “as pessoas que atribuíram estas distinções, olharam para aquilo que o Alentejo está a fazer e isso é bom sinal num mundo que tem tantas regiões vitivinícolas” e dá à região “visibilidade mundial”. Estas distinções «ajudam-nos a ter o Alentejo mais visível, ter mais pessoas a vir cá, ter mais pessoas interessadas sobre a forma como fazemos o vinho, sobre os vinhos que temos e acaba por nos ajudar ao nível da exportação».

Então o que falta conquistar aos vinhos do Alentejo? A resposta foi fácil para Francisco Mateus: “Se temos ambição, achamos sempre que falta muito”. E a ambição existe. Um dos principais objetivos e que está no topo das prioridades é levar o programa sustentável mais longe, conseguir ter uma região de produção sustentável, o que já está a ser feito. Mas é aplicar essas práticas a todo o Alentejo. Mas há mais. Outro desejo é exportar mais. “Vamos ter que conseguir exportar mais porque temos todo um mundo para explorar e não termos tanta dependência do mercado nacional porque é pequeno e com pouca margem de crescimento”.

Depois há uma característica que o Alentejo tem, que é única, não é repetida – Francisco Mateus só conhece a Geórgia – que é o vinho de talha. Um nicho mas que se espera que cresça. “Começámos do zero e este ano ainda não acabou e já batemos as exportações do ano passado. Estamos a falar de número pequenos. Não chega a 100 mil litros de vinho por ano. Mas é algo que tem um cunho hereditário muito forte e que nos vai ajudar a evidenciar”.

O enoturismo também é importante. “Temos muito a ganhar com mais pessoas a visitar o território. Sentir, cheirar aquilo que é o Alentejo é muito importante porque nos vai ajudar a ganhar notoriedade, a termos reputação, a mostrarmo-nos, como trabalhamos, onde estamos, a qualidade dos nossos vinhos e vai ajudar-nos no mercado nacional, na exportação”, deseja o responsável.

O presidente da CVRA termina: “É um trabalho que não tem fim mas que me dá um especial prazer estar a trabalhar nesta região que tem esta dinâmica, tem esta dimensão, é a capacidade de poder fazer com que as coisas aconteçam”.