Europa, os ventos de leste

Robert Fico prometeu que, caso ganhasse as eleições, a Eslováquia deixaria de enviar armamento para a Ucrânia, vetaria a sua entrada na NATO e pressionaria a UE a aliviar as sanções à Rússia. E ganhou.

As eleições na Eslováquia ganharam relevância além-fronteiras depois de Robert Fico anunciar que, caso as vencesse, deixaria de enviar armamento à Ucrânia, vetaria a sua adesão à NATO e pressionaria Bruxelas no sentido de enfraquecer as sanções à Rússia. Para além disso, as eleições foram marcadas por acusações mútuas de interferência. O serviço de Inteligência Externa russo referiu uma alegada ‘interferência’ de Washington nas eleições e o Ministério dos Negócios Estrangeiros eslovaco acusou a Rússia de uma “interferência inadmissível” neste ato eleitoral.

Com 23,3 por cento dos votos, o partido de Robert Fico foi o mais votado. Seguiu-se a Eslováquia progressista, com 17,1 por cento dos votos, e, em terceiro lugar, com 14,9 por cento, uma força que poderá ser decisiva: o Hlas-SD (Voz), liderado pelo também ex-primeiro-ministro Peter Pellegrini, e produto de uma cisão dentro do Smer.

Pellegrini, que declarou ser “um homem pragmático”, disse que o Smer seria o seu aliado “mais natural”, descrevendo os dois partidos como “política e ideologicamente próximos”. Mas o líder social-democrata avisou Robert Fico que, para a coligação resultar, teria de fazer compromissos e rever posições. Para formar uma maioria parlamentar, Robert Fico precisará ainda do apoio do Partido Nacional Eslovaco.

Compreender o que estes resultados podem significar, do ponto de vista simbólico e concreto, obriga à adoção de lentes de análise complementares, que permitam ver para além de leituras mais simplistas.

‘Buraco negro’ e estrela em ascensão

Em 1997, Madeleine Albright chamou-lhe “o buraco negro da Europa”. Em 2004, a Eslováquia aderia à NATO e à União Europeia e tornava-se uma estrela em ascensão. Mas a história do país, que como Estado soberano conta com menos de três décadas, fez-se, como todas as histórias, da afirmação de uma identidade contra forças externas, fosse o Império Habsburgo ou a União Soviética.

Nos últimos cinco anos, a Eslováquia teve quatro primeiros-ministros. Robert Fico, que governou entre 2006 e 2010 e depois entre 2012 e 2018, foi afastado na sequência de uma vaga de protestos. Mas o Governo de coligação de centro-direita que resultou das eleições de 2020 não duraria muito, acabando derrubado por uma moção de censura em dezembro de 2022. Manteve-se, apesar da impopularidade, até maio, quando a solução da Presidente Zuzana Čaputová foi nomear um Governo de gestão, composto por tecnocratas. Mas a realização de eleições era inevitável.

As questões que preocupam os eslovacos são comuns a outros eleitorados europeus: a fatura deixada pelas políticas de contenção da covid-19, incluindo a inflação; a crise energética; a guerra; a imigração.

A geografia importa e, na Eslováquia, a guerra está a uma fronteira de distância. Por outro lado, tem aumentado o número de imigrantes ilegais que viajam através da rota dos Balcãs. Na Eslováquia (onde também os sociais-democratas liderados por Pellegrini prometeram o fim da imigração ilegal), o número de entradas irregulares atingiu os 27.000 este ano, um aumento de nove vezes face ao ano anterior.

Na frente económica os desafios também são muitos, num contexto marcado por um déficit orçamental de quase 7 por cento e uma inflação de dois dígitos.

Reconfiguração política 

Mas as eleições eslovacas também contam a história da reconfiguração da política europeia. E, na noite de sábado, mais do que entre esquerda e direita, a competição foi entre conservadores e liberais, e entre soberanistas e cosmopolitas.

Parece contraintuitivo: o Smer-SD é um partido de centro-esquerda integrado (por enquanto) no grupo dos Socialistas e Democratas. Mas em questões que parecem importar cada vez mais, o Smer-SD é um dissidente. Contra a imigração e crítico das elites liberais, a linha de Robert Fico, conservadora e soberanista, aproxima-o mais de partidos como o Fidesz ou o Lei e Justiça (PiS), do que dos seus congéneres sociais-democratas. Mais do que justiça social ou climática, Robert Fico, em campanha, prometia aos eslovacos “ordem, estabilidade e segurança social”.

O grande rival é o partido da Presidente Čaputová, Eslováquia Progressista, que defende a continuação do apoio militar à Ucrânia e recolhe apoio sobretudo nos grandes centros urbanos.

Robert Fico, que descreve a guerra na Ucrânia como uma «guerra por procuração» entre os EUA e a Rússia, defende uma solução diplomática para o conflito.

Uma posição que, chocando com a perspetiva hegemónica na União Europeia, não é alheia às posições dos eleitores eslovacos.

Segundo o think-tank Globsec, sediado em Bratislava, 69 por cento dos eslovacos consideram que, ao enviar armamento para a Ucrânia, a Eslováquia provoca a Rússia e torna um cenário de guerra mais possível; 50 por cento considera que os EUA representam um risco para a segurança, e apenas 40 por cento considera que a Rússia é a principal responsável pela guerra na Ucrânia. Os eslovacos também são, entre os europeus, os que mais acusam a fatiga democrática. A democracia representativa depende da confiança dos cidadãos nas instituições mas na Eslováquia, segundo dados do GlobSec, apenas 18 por cento dos cidadãos confiam no Governo.

Derrotas simbólicas e os desalinhados

As eleições produziram vencedores e vencidos além-fronteiras. E sábado foi um dia difícil para Vladimir Zelensky. De Washington, a notícia de que o acordo para evitar a paralisação do Governo excluía o envio de fundos para a Ucrânia. E de Bratislava, a vitória de Fico indiciava uma mudança de rumo num dos governos mais entusiastas e generosos (em percentagem do PIB) no apoio militar a Kiev.

Mas o resultado também teve sabor a derrota em Bruxelas, num momento em que se acentua a europeização da política interna dos Estados. A poucos dias do escrutínio, a vice-presidente da Comissão Europeia para os Valores e Transparência descrevia as eleições como um «teste» à vulnerabilidade das eleições europeias à “arma de muitos milhões de euros para a manipulação das massas”.

O reposicionamento da Polónia, à beira de eleições, e os resultados na Eslováquia indiciam um reforço do grupo de Visegrado, composto pela Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia, enfants terribles numa UE que pressiona para que se fale, e decida, a uma só voz e a uma só cabeça.

E a Eslováquia pode ser descrita como o mais rebelde entre os rebeldes. Mesmo nos anos 90, quando imperava a ilusão do fim da História, o recém-formado Estado hesitava abraçar a identidade europeia e transatlântica. Durante um breve período, a resistência desapareceu e o país tornou-se o único dos desalinhados a aderir ao Euro.

Mas o que as eleições de sábado sugerem é que esse internacionalismo liberal é hoje menos firme entre segmentos importantes do eleitorado. E, apesar das diferenças, aquilo que une estes desalinhados – a restrição da imigração, a defesa da energia nuclear ou, mais recentemente, a oposição à importação de cereais da Ucrânia – poderá ser reforçado no cenário de (mais uma) vitória do PiS nas eleições polacas.