Os exemplos que deixamos

Os maus exemplos destacam-se aos olhos de toda a gente e poucos são os que se esforçam para serem lembrados por boas causas.

Já passaram quase nove anos, mas ainda hoje recordo uma mensagem curiosa e muito significativa que recebi quando nasceu a minha neta Inês.

Delfim Machado, seu autor, um jovem engenheiro que muito admiro pelo seu trabalho e sentido de família, dizia como se estivesse a escrever para ela: «Oxalá cada um de nós possa ser um bom exemplo para ti».

Não mais esqueci essa mensagem, ainda para mais vinda de alguém desta nova geração. Que bom seria se cada um de nós fosse sempre um bom exemplo para todos aqueles com quem se relaciona, tanto na família como no trabalho, com os amigos e conhecidos; mas, infelizmente, nem sempre é isso que acontece. Eu próprio interrogo-me com frequência em que medida tenho sido ou não um bom exemplo para os outros – e fica-me, por vezes, a dúvida se podia ter feito mais e melhor.

Olhando para esta sociedade, os maus exemplos destacam-se aos olhos de toda a gente e poucos são os que se esforçam para serem lembrados por boas causas. Começando pela família – e tomando por base os jovens casais –, que exemplos dão eles aos seus filhos quando fazem a sua vida cada um para seu lado, como se não vivessem em comum? É certo que os tempos mudaram e que não se podem avaliar certos comportamentos à luz dos padrões do antigamente; mas quando duas pessoas se juntam e têm filhos, há que pensar em primeiro lugar na coesão da família que constituíram.

É muito comum hoje em dia ouvirem-se críticas ferozes ao comportamento dos mais novos, mas toda a gente esquece as elementares falhas na educação por parte de quem os devia ter orientado no bom sentido no momento certo.

As notícias nas televisões, jornais, rádios e redes sociais mostram bem os tempos conturbados que atravessamos. Corrupção atrás de corrupção, desvios de dinheiro em proveito próprio, figuras públicas a contas com a Justiça, violência e agressividade em ministérios – e tudo isto vindo de quem tinha obrigação de dar o exemplo e a que se exigia outro tipo de comportamento.

Percebe-se perfeitamente, por isso, que as pessoas confiem cada vez menos umas nas outras. As referências vão-se perdendo e ninguém já liga nada a ninguém. A isto acresce a morosidade da Justiça e as leis permissivas que deixam arrastar processos indefinidamente, beneficiando os infratores e facilitando a vida aos que se vão convencendo que tudo é permitido.

Afinal, onde estão os bons exemplos e as exceções à regra? Quem tem uma vida limpa fica sem ‘direito de existir’?

Quando a nós, médicos, temos cada vez mais uma palavra a dizer. Perante o panorama sombrio que nos rodeia, com a resposta do SNS sempre aquém das necessidades e o setor privado inacessível para grande parte da população, devemos estar disponíveis para os que precisam de nós, sabendo-se que este cenário existente é um convite declarado ao desleixo e uma porta aberta ao ‘deixa andar’ por parte dos doentes que, sem darem por isso, podem cair neste falso caminho de bem-estar, de consequências imprevisíveis.

É precisamente aqui que temos de intervir, dando o exemplo da disponibilidade e da dedicação, e incutindo confiança no espírito de quem é a razão de ser da nossa missão: o doente.

E muito mais eu poderia dizer a propósito daquela oportuna mensagem que me foi enviada – e que nem sequer se dirigia a mim mas à minha neta, quando veio a este mundo.

Continuando, porém, na mesma linha de pensamento, deixo à consciência de cada leitor esta reflexão: serei eu um bom exemplo para alguém?

Médico