Com o Orçamento do Estado para 2024 em início de apresentação e discussão, o tema dos impostos está em cima da mesa. Álvaro Beleza, líder da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (Sedes), lembra que esta organização fala há anos na questão da competitividade fiscal do país.
Em primeiro lugar, a associação aponta para a urgência de Portugal ser competitivo com Espanha e defende taxas de impostos 1% abaixo das espanholas, uma vez que Espanha é concorrente direto.
Face à diversidade das matérias fiscais que poderiam ser comparadas, a tributação de pessoas singulares (IRS) é um ponto de partida. Um exercício de cálculo para a tributação de um salário anual de 35 mil euros em Espanha revela o pagamento de 2.222 euros como contribuição para a Segurança Social, valor que corresponde a 6,35% do rendimento. Há ainda o valor máximo de 3.596 euros estabelecido para contribuição para a Segurança Social, que pode ter variantes caso o contribuinte tenha mais de 65 anos ou filhos. Além disso há a dedução em sede de IRS – cinco escalões no regime espanhol – o que para um salário de 35 mil euros é de 30%, o que corresponde a 6.333 euros descontados do salário anual. No total, o rendimento anual líquido depois destes descontos é de 26.443 euros.
Em Portugal, o mesmo exercício para o mesmo valor de salário anual mostra que se paga o total de 12.076 euros – a soma da contribuição para a Segurança Social (3.850 euros, que corresponde a 11% do salário bruto, e o imposto sobre o salário dedutível (8.226 euros, que corresponde a uma taxa de 37%. Na prática, o rendimento anual líquido é de 22.923 euros. Os salários portugueses são taxados de forma progressiva e em 2023 há nove escalões de IRS, mas que só se aplica após descontado o valor referente à Segurança Social. De salientar que há rendimentos associados ao trabalho – como horas extraordinárias, cheques alimentação ou bónus – que também podem ser sujeitos a taxa.
Em resumo, ambos os países têm uma tributação progressiva sobre a generalidade dos rendimentos das pessoas singulares residentes, em que as taxas máximas se situam em 47% (Espanha) e 48% (Portugal) para os escalões de rendimento superior. Portugal tem ainda uma taxa adicional de solidariedade de 2,5% e 5% aplicável aos rendimentos superiores a 80.000 e 250.000 euros, respetivamente. Ambos os países têm também uma taxa fixa aplicável a certos rendimentos de investimentos: 28% no caso de Portugal, e de 19% a 28% no caso de Espanha.
“Face à elevada carga de tributação incidente sobre os rendimentos dos individuais, e à semelhança de outros países da UE, Portugal e Espanha têm (pelo menos, até 2023) regimes fiscais mais favoráveis para tentar atrair investimento e talento”, lembra Augusto Paulino, Tax Partner da DFK.
O regime dos residentes não-habituais (RNH) em Portugal prevê a tributação dos rendimentos do trabalho e rendimentos profissionais, de atividades de elevado valor acrescentado, a uma taxa fixa de 20%. O mesmo regime prevê ainda algumas isenções para rendimentos de fonte estrangeira (como sejam, dividendos, juros, rendas, etc.) e a tributação dos rendimentos de pensões a uma taxa fixa de 10%. Este regime é aplicável aos indivíduos que não tenham sido residentes fiscais nos cinco anos anteriores ao da alteração da residência fiscal para Portugal, e é válido durante dez anos.
Já o regime espanhol – conhecido como Lei Beckham – prevê a tributação à taxa fixa de 24% de rendimentos até 600.000 euros auferidos por profissionais qualificados, empreendedores e nómadas digitais. Este regime é válido no ano da alteração da residência fiscal para Espanha e nos cinco anos seguintes, sendo também requisito que o beneficiário não tenha sido residente fiscal em Espanha nos cinco anos anteriores à alteração da residência.
Perda de competitividade
Augusto Paulino, recorda que, no que diz respeito aos “impostos sobre o rendimento, os países membros da União Europeia (UE) estão em competição. “De facto, vários estados-membros têm regimes favoráveis, por exemplo, ao nível da atração de individuais. Daí que o anunciado fim do regime de RNH, a confirmar-se aquando da apresentação da Proposta de Orçamento do Estado para 2024, represente uma perda da competitividade fiscal face, não só a Espanha, mas também outros países, como sejam a Itália, Grécia, entre outros”, afirma o Tax Partner da DFK. A decisão anunciada por António Costa, que tem gerado diversas reações.
Já no que diz respeito à fiscalidade empresarial, “podemos afirmar que algumas regiões em Espanha têm regimes fiscais especialmente favoráveis para a atração de investimento como, por exemplo, as Ilhas Canárias, País Basco e Navarra. Do lado português, podemos afirmar que a Zona Franca da Madeira se encontra em coma induzido”, considera, por outro lado, Tiago Almeida Veloso.
IRC mais competitivo
“Ainda assim”, acrescenta o Tax Partner da Baker Tilly, em termos gerais, “podemos afirmar que o IRC português é mais competitivo que o espanhol. Isto não quer dizer em determinados aspetos o regime fiscal espanhol não se revele mais competitivo, por exemplo, no que respeita às relações com outras jurisdições. Os acordos que Portugal celebrou com outros Estados para evitar a dupla tributação são muito pouco interessantes quando empresas portuguesas pretendem investir no exterior. Espanha celebrou acordos mais competitivos, o que fortalece as empresas espanholas que têm investimentos no exterior”.
Tiago Almeida Veloso explica que, em “termos estruturais, os dois sistemas fiscais são muito semelhantes”, uma vez que a receita fiscal dos dois países está concentrada no IVA, nos impostos sobre o rendimento e nos impostos especiais sobre o consumo (combustíveis, tabaco e álcool)”. Em Espanha, vigora uma taxa normal de IVA de 21%, enquanto em Portugal a taxa normal é de 23%.
Já em “termos do funcionamento de cada imposto, e excluindo os impostos harmonizados a nível europeu, naturalmente que existem diferenças significativas entre os dois países”, elabora o Tax Partner da Baker Tilly. “Aquela que é, na minha opinião, a principal diferença, é o facto de em Espanha existir uma maior independência regional na definição da política fiscal. É verdade que também temos essa realidade nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, mas em menor dimensão face à realidade espanhola”, argumenta.