Ron DeSantis. De ameaça real a “mais um”

Ron DeSantis, candidato do Partido republicano, mostrou ter as ferramentas necessárias para ser uma ameaça real a Trump nas primárias, mas a sua nomeação é, cada vez mais, uma miragem. Governador da Florida segueem queda livre nas sondagens.

DeSantis tem sido o nome, sem contar com Biden e Trump, mais sonante na corrida à Casa Branca. O atual Governador da Florida, natural de Jacksonville, é o candidato mais cotado do Partido republicano a seguir a Trump, mas uma campanha mais fraca do que o previsto fez o candidato de 45 anos entrar em queda livre. No início do ano era esperada uma luta acesa pela nomeação republicana, com apenas 2 pontos percentuais a separar os dois principais candidatos em fevereiro, mas os números de DeSantis estão mais baixos que nunca. Segundo a mais recente sondagem do 538, o Governador enfrenta uma desvantagem de 40% para o ex-Presidente.

‘Top Gov’

Mesmo que se assuma como proveniente de uma família de “colarinho azul”, filho de uma enfermeira e de um técnico de televisões, Ron DeSantis estudou em duas das universidades mais prestigiadas do mundo: primeiro na Universidade de Yale, onde se formou com distinção em História e foi um elemento de destaque na equipa de basebol; depois na Universidade de Harvard, onde estudou Direito. O sucesso na Ivy League permitiu-lhe ingressar na Marinha dos Estados Unidos como Oficial jurídico e conselheiro dos famosos Navy SEALs, a elite das forças armadas americanas. Neste período serviu também na polémica Task Force Conjunta de Guantánamo, criada sob a onda do antiterrorismo na sequência do 11 de setembro, e foi também enviado para missões no Iraque e no Afeganistão. De volta ao país, foi nomeado Procurador-assistente especial na Procuradoria dos EUA na Florida e entrou na cena política em 2012, como representante da Florida na Câmara dos Representantes, onde exerceu funções até 2018, quando concorreu para Governador.

 O currículo militar de relevo é um dos seus trunfos, principalmente junto de veteranos de guerra e das fações mais conservadoras, que depositam a sua esperança num candidato em que se reveem, num país em que o patriotismo, outrora característico dos americanos, dá sinais de decadência. DeSantis tem tentado capitalizar esta vertente ao máximo, tendo até reencarnado a personagem Maverick, interpretada por Tom Cruise no icónico filme Top Gun, num vídeo de campanha intitulado ‘Top Gov’, para as mais recentes eleições no Estado da Florida, nas quais foi reeleito Governador com a maior margem dos últimos quarenta anos do Estado, arrecadando 59,4% dos votos. Um republicano clássico, DeSantis tem adotado uma postura conservadora em temas como a imigração ilegal, a segurança pública e o ambiente. Congratula-se de ter liquidado a dívida do Estado ao mesmo tempo que estimulou a economia através da redução de impostos e do combate ao desemprego.

A ascensão mediática de DeSantis à arena política nacional dá-se principalmente por dois motivos: a sua abordagem à crise pandémica, fazendo da Florida o Estado-farol da resistência às medidas de restrição impostas pelo governo federal, e a sua narrativa anti-woke, afirmando que a «Florida é onde o wokismo vai morrer». Foi um dos principais aliados de Donald Trump, cujo apoio teve um impacto significativo na sua primeira eleição, e agia como uma espécie de difusor do “trumpismo”. Mas como a política é feita de momentos, DeSantis, com a mudança dos tempos, mudou as suas vontades e tornou-se um dos principais críticos do ex-Presidente. No segundo debate do Partido, que reuniu todos os candidatos republicanos à exceção de Trump, o Governador da Florida afirmou que «Ele [Trump] devia estar neste palco esta noite para defender o seu registo de ter aumentado a dívida em 7,8 biliões, abrindo caminho para a inflação que temos agora». Porém, os debates não têm sido favoráveis ao candidato de Jacksonville: Entre o aparente nervosismo e falta de propostas concretas, Ron DeSantis foi considerado o maior perdedor do primeiro debate por analistas da MSNBC. Numa época em que o carisma é um dos fatores mais importantes para os eleitores americanos, as intervenções de DeSantis têm estado longe de cativar o eleitorado republicano, e as sondagens falam por si: uma queda de 25,5% desde fevereiro, que o coloca a 40,4% do líder Donald Trump.

O declínio

Mas nem só de falta de carisma é feita a queda de Ron DeSantis. Um conjunto de polémicas nas quais se envolveu ao longo de 2023 são também um fator decisivo para a redução do apoio popular à principal figura da Florida. A primeira é a sua abordagem ao conflito na Ucrânia: DeSantis desvaloriza a guerra, defendendo que «não é um interesse nacional vital continuar envolvido numa disputa territorial entre a Ucrânia e Rússia» e prometeu redirecionar os esforços para a fronteira com o México. Ainda que seja uma visão semelhante à de Trump, é entendida como imprudente mesmo pelos seus colegas do partido. Trump promete a resolução do conflito, enquanto que DeSantis apenas expressa a vontade de retirar o apoio americano, pondo assim em causa o papel do país como principal influência no cenário internacional.

O Governador está também envolvido numa controversa batalha legal com o Walt Disney World Resort, um marco do entretenimento mundial localizado em Orlando, na Florida. A empresa posicionou-se publicamente contra uma lei promovida por DeSantis que proíbe a abordagem de questões relacionadas com a orientação sexual e identidade de género nas escolas primárias do Estado sem consentimento dos encarregados de educação. Como resposta, o Governador promulgou uma ação legal com o objetivo de devolver ao Estado o controlo administrativo e fiscal do território ocupado pela Disney em Orlando, considerando que a empresa tem implementado um governo próprio. Também a sua posição quanto ao aborto tem tido um impacto significativo na sua queda: DeSantis proibiu o aborto a partir das seis semanas de gravidez, e mesmo não sendo uma medida chocante para um político conservador, a crítica aberta de Donald Trump fez com que não fosse bem aceite pela maioria dos republicanos.

A sua posição de respeito considerável dentro do Partido e a capacidade de angariação fácil de fundos davam a Ron DeSantis as ferramentas necessárias para ser uma ameaça real a Trump nas primárias, mas a sua nomeação é, cada vez mais, uma miragem.