Nobel 2023. Do invisível ao indizível

Com o anúncio da vencedora do Prémio Nobel da Economia, que estudou a origem das desigualdades salariais entre homens e mulheres, ficou completa a lista dos galardoados em 2023. Saiba quem são e por que se notabilizaram nas suas áreas.

O Nobel da Medicina 2023 distinguiu não as vacinas contra a covid-19, mas a investigação anterior que as tornou possíveis. Katalin Karikó e Drew Weissman conheceram-se num dia de 1998 na Universidade da Pensilvânia, onde eram ambos professores, enquanto esperavam pela sua vez junto à fotocopiadora. Uma pequena conversa bastou para aguçar a curiosidade de Weissman em relação à pesquisa da húngara sobre o RNA, o ácido aparentado do DNA, mas que, em vez de conter toda a informação genética, atua sobre a produção de proteínas. E rapidamente começaram a trabalhar em parceria numa investigação sobre como os diferentes tipos de RNA interagem com o sistema imunitário.

«Karikó e Weissman notaram que as células dendríticas reconhecem o mRNA [RNA mensageiro] transcrito in vitro como uma substância estranha, o que leva à sua ativação e à libertação de moléculas sinalizadoras inflamatórias», diz o comunicado do Instituto Karolinska. Mas ao inserirem mRNA alterado, a inflamação quase desapareceu.

«Esta foi uma mudança de paradigma na nossa compreensão de como as células reconhecem e respondem a diferentes formas de mRNA», continua o documento. «Karikó e Weissman compreenderam imediatamente que a sua descoberta tinha um significado profundo para a utilização do mRNA como terapia». 

Este método de pôr o RNA a trabalhar para proteger o corpo revelou-se especialmente eficaz para desenvolver as vacinas contra a covid-19. Mas pode ser aplicado a vários outros tipos de doenças.

«Através das suas descobertas inovadoras, que mudaram radicalmente a nossa compreensão de como o mRNA interage com o nosso sistema imunitário, os laureados contribuíram para o inédito ritmo de desenvolvimento das vacinas durante uma das maiores ameaças à saúde humana nos tempos modernos», defendeu o júri.

Física No limite do visível

O Nobel da Física distinguiu três investigadores europeus que fizeram experiências no campo da luz, lidando com elementos no limite do visível e com frações de tempo infinitesimais.

Pierre Agostini, Ferenc Krausz e Anne L’Huillier encontraram uma forma de «criar impulsos luminosos extremamente curtos que podem ser usados para medir os rápidos processos em que os eletrões se movimentam e ganham ou perdem energia». 

Mas o que é um atossegundo? Fiquemos com o termo de comparação fornecido pela Academia de Ciências Sueca: «Um atossegundo é tão curto que há tantos [atossegundos] num segundo quantos segundos [houve] desde o nascimento do universo».

Anne L’Huiller abriu o caminho em 1987, ao descobrir diferentes espectros de cor quando emitiu raios infravermelhos através de um gás nobre. Em 2001, Pierre Agostini conseguiu produzir impulsos luminosos que duravam apenas 250 atossegundos, enquanto Ferenc Krausz, numa investigação paralela, conseguiu isolar um impulso de luz com 650 atossegundos de duração.

Estas diferentes conquistas permitem compreender e controlar o comportamento dos eletrões, e podem ser aplicadas, por exemplo, na eletrónica e na medicina de diagnóstico.

Química Pontos quânticos, o que são?

E se a tabela periódica ganhasse uma terceira dimensão?

O Nobel da Química deste ano foi para três investigadores, Moungi Bawendi, Louis Brus e Alexei Ekimov, que se dedicaram a estudar e explorar as capacidades dos nanocristais, ou pontos quânticos, assim designados devido ao seu comportamento singular. 

Um milhão de vezes menores do que uma cabeça de alfinete, destacam-se pelas suas propriedades ópticas e capacidade condutora de luz.

Depois de Ekimov e Brus abrirem o caminho, foi Bawendi, com a sua equipa do MIT, quem conseguiu pela primeira vez criar nanocristais e controlar o seu tamanho, jogando com a temperatura da solução em que se formavam.

A descoberta já saiu do laboratório e faz parte do nosso dia-a-dia, estando na base da tecnologia QLED usada por muitos ecrãs.

Mas ainda há muito por descobrir e aproveitar.

«No futuro poderão contribuir para a eletrónica flexível, sensores minúsculos, células solares mais finas e comunicação quântica encriptada, por isso apenas começámos a explorar o potencial destas partículas minúsculas», divulgou a Real Academia Sueca. Os painéis solares, a iluminação e a biomedicina poderão ser algumas das áreas a beneficiar desta investigação.

Literatura A voz do indizível

As casas de apostas acertaram em cheio. Pela primeira vez, o favorito ganhou a corrida ao Nobel. O norueguês Jon Fosse começou pela poesia na adolescência, tendo-se depois dedicado ao teatro, algo que o deixou esgotado.

Até que, há cerca de 15 anos, interrompeu a dramaturgia, para se dedicar àquilo que ele próprio descreve como uma «prosa lenta», num estilo austero, despojado e sem artifícios.

Em Portugal, a sua obra tem sido publicada pela Cavalo de Ferro, que já editou manhã e noite, trilogia (segundo a editora «uma parábola de inspiração bíblica sobre o amor, o crime, o castigo e a redenção»), e o primeiro volume de septologia (I-II), o seu longo romance de 1300 páginas.

A Academia Sueca revelou que atribuiu o prémio a Fosse «pelas suas peças de teatro e prosa inovadoras que dão voz ao indizível».

Paz Viver e morrer no regime dos aiatolas

Em setembro de 2022 Mahsa Amini chamou a atenção do mundo para a repressão imposta pelo regime teocrático iraniano e tornou-se um símbolo da luta pelos direitos das mulheres naquele país. Detida por não estar vestida de acordo com os padrões de moralidade e por deixar uma madeixa de cabelo à mostra, Ami terá sido espancada e ficou em coma, acabando por morrer no hospital ao fim de três dias. Ainda não tinha feito 22 anos.

Cerca de um ano depois, a luta das mulheres iranianas foi reconhecida ao mais alto nível, com a atribuição do Nobel da Paz a Narges Mohammadi, que se encontra presa há oito anos por desafiar o regime de Teerão. Mãe de dois filhos, casada com um intelectual e ativista que também esteve preso e atualmente reside em França, Mohammadi encontra-se numa prisão do norte da capital, sem direito a ver ou comunicar com a família, depois de ter criticado o regime numa entrevista não autorizada. Ao longo da sua vida, foi detida 13 vezes, condenada cinco vezes, sentenciada a um total de 31 anos e castigada com 154 chibatadas. Outros processos estão em curso, podendo resultar em mais condenações.

«O prémio deste ano também reconhece as centenas de milhares de pessoas que, no ano anterior, se manifestaram contra as políticas de discriminação e opressão do regime teocrático visando as mulheres», declarou o comité do parlamento norueguês que elege o Nobel da Paz.

Economia A origem das desigualdades

Por que recebem as mulheres salários mais baixos do que os homens?

O Nobel da Economia 2023 foi para uma historiadora americana que estudou – e explicou – as desigualdades de género nos rendimentos.

«Claudia Goldin passou os arquivos a pente fino e coligiu mais de 200 anos de dados dos Estados Unidos, permitindo-lhe demonstrar como e por que as diferenças de género nos rendimentos e taxas de emprego mudaram ao longo do tempo», anunciou a Real Academia Sueca de Ciências.

Depois de gerações de afastamento ou de menor participação na vida ativa, as últimas décadas assistiram à entrada em força das mulheres no mercado de trabalho, muito graças ao planeamento familiar e aos métodos contracetivos. Mas os salários auferidos continuam alguns furos abaixo dos dos homens.

A investigadora concluiu que, embora originalmente as disparidades salariais resultassem dos diferentes tipos de atividade desempenhados pelas mulheres na sociedade, atualmente essas disparidades mantêm-se mesmo quando estão em causa funções semelhantes.

«Graças à investigação pioneira de Claudia Goldin sabemos agora muito mais sobre os fatores subjacentes e que obstáculos precisam de ser enfrentados no futuro», declarou Jakob Svensson, secretário do Comité para o Prémio em Ciências Económicas.

Goldin, de 77 anos, foi a primeira mulher a dirigir o departamento de economia de Harvard, em 1989.

Ao contrário dos restantes prémios, instituídos em 1902, o Nobel da economia só começou a ser atribuído em 1968, e é custeado pelo banco central sueco.