Sacos muito leves. É tudo uma questão de hábito?

O OE para 2024 prevê uma medida de combate ao plástico: os sacos transparentes usados para a fruta ou legumes vão passar a custar quatro cêntimos. Mas há quem questione a eficácia ambiental, já que, em 2015 (quando os sacos de plástico passaram a custar 10 cêntimos), a sua utilização aumentou.

O céu está cinzento e chove desde que amanheceu. No Campo Mártires da Pátria as pessoas correm para os transportes e tomam café abrigadas pelos toldos dos estabelecimentos. Os supermercados abriram há pouco mais de uma hora e, mesmo que seja notória uma menor afluência (comparando com o final do dia), há bastante gente que parece ter tirado um bocadinho da manhã para fazer algumas compras.

No Pingo Doce do Campo Santana parece que foi tudo reposto. As prateleiras estão recheadas e preparadas para uma nova semana. Tudo dentro da normalidade. No entanto, ao que parece, no próximo ano, os clientes terão de mudar os seus hábitos, tal como aconteceu em 2015 – quando os sacos leves passaram a custar dez cêntimos -, já que a proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2024 prevê uma nova contribuição nos sacos plásticos, desta vez nos muito leves.

Sacos muito leves A nova contribuição incide “sobre os sacos de plástico leves e muito leves, produzidos, importados ou adquiridos no território de Portugal continental, bem como sobre os sacos de plástico leves e muito leves expedidos para este território”. Ou seja, além dos sacos de plástico leves, passará a existir uma contribuição sobre os sacos de plástico que são adquiridos “na venda a granel de produtos de panificação, frutas e hortícolas frescas”. A contribuição será de quatro cêntimos por cada saco. Recorde-se que esta contribuição sobre os sacos plásticos leves e muito leves constitui “encargo do adquirente final”, devendo os agentes económicos inseridos na cadeia comercial “repercutir o encargo económico da contribuição, para o seu adquirente, a título de preço”, especifica o diploma.

Das receitas provenientes desta cobrança, 50% serão recolhidas pelo Estado; 20% pelo Fundo Ambiental, outros 20% serão remetidos para o Fundo de Modernização do Comércio “para implementação de medidas de sustentabilidade empresarial, designadamente novos modelos de negócio; 5% para a Agência Portuguesa do Ambiente; 3 % para a Autoridade Tributária (AT); 1 % para a Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território e 1 % para a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE).

Mas será que as pessoas realmente mudarão os seus hábitos? Qual a opinião dos consumidores sobre a medida? Será que os seus resultados não ficarão aquém do esperado tal como aconteceu com a medida de 2015?

Difícil mudança de hábitos “Não concordo absolutamente nada!”, exalta Adelina Ferreira, enquanto coloca laranjas dentro de um desses sacos. Para a senhora, de 72 anos, se o vão fazer, “têm de arranjar uma forma de compensar isso”. “Ou sacos em papel ou pano… A despesa não pode ficar para nós. Como é que as pessoas vão levar as coisas?”, interroga, acrescentando que já tem visto alguns jovens a pegarem nas frutas e legumes e colocá-los soltos no carrinho. “Não me parece nada higiénico se quer que lhe diga. As pessoas mais velhas não estão habituadas a isso. Já existem os sacos de linha ou pano, mas são caros. Agora temos de pagar por tudo”, lamenta.

Helena Martins, também na casa dos 70, só vê uma solução: arranjar um carrinho com várias divisórias para cada categoria de produtos. “Não estou a brincar… Quem lançou a ideia que resolva, mas que não nos carregue com mais esta despesa. Percebo a questão ambiental, mas não me parece que isto resolva alguma coisa”, afirma.

Apesar de admitir não ter uma opinião muito formada sobre o assunto, Filipa Marujo considera a medida “um golpe capitalista”. “Cobraram pelos sacos como se parecesse uma boa estratégia pelo ambiente, mas na verdade existe alguém que continua a enriquecer com isso. Não querem plástico, não o produzam”, defende. Para si, os sacos de plástico “são um absurdo”. “Eu normalmente levo os meus de tecido. Quando me esqueço, levo as frutas todas soltas e as etiquetas de parte”, revela.

Na caixa, uma funcionária sorri. Interrogada sobre a sua opinião sobre a medida e se, desde 2015, tem notado uma mudança de hábito nas pessoas, conta que nem tinha ouvido falar de tal “situação”. “Ainda não se começou a falar disso por aqui, mas eu acho que as pessoas vão continuar a utilizar os sacos de plástico, mesmo que tenham de pagar. Pelo menos aqui, neste Pingo Doce, são poucas as pessoas que trazem os seus sacos e quem o faz, são sobretudo os jovens. Não são a maioria”, garante a funcionário, acrescentando que os sacos reutilizáveis que já se vendem nos supermercados (69 cêntimos dois sacos), “têm muito pouca saída”.

Preocupação ambiental Subimos a rua Gomes Freire. No Continente, o movimento é pouco. Veem-se quatro ou cinco pessoas na loja e apenas dois funcionários. O cheiro a pão quente espalha-se pelo ar. Marta Teixeira está à espera do seu saco com o pão do dia. Para si, tudo aquilo que for em prol do ambiente e de “um mundo melhor”, parece-lhe bem. “Em 2015, quando os sacos passaram a ser dez cêntimos, ganhei o hábito de trazer os meus sacos de pano. Aqui será igual. Eu acho que as pessoas devem adaptar-se ao seu tempo. É tudo uma questão de hábito! Fico triste é por saber que, mesmo assim, a utilização de sacos de plástico aumentou”, admite.

“O que eu acho mal é 50% ir para o Estado. Parece-me muito e um bocado questionável», afirma, por sua vez, Miguel Martins. “Relativamente ao impacto que esses quatro cêntimos terão ao final do mês: nenhum. Se usares dois ou três desses sacos e fores às compras duas vezes por semana, então vão ser, 24 cêntimos por semana. Portanto, cerca de um euro por mês. Por outro lado, se um milhão de portugueses fizerem isso por mês, ao final do mês são 12 milhões dos quais o Estado ganha seis”, frisa. “Claro que a ideia é penalizar a utilização de sacos de plástico para diminuir a dependência dos combustíveis fósseis e o objetivo era que as pessoas não comprassem esses pequenos sacos de plástico, pelo que, no final, o Estado não iria ganhar tanto dinheiro quanto se as pessoas não mudassem os seus hábitos”, acredita.

Segundo David Almeida, ativista ambiental, esta é uma medida que “coloca tanto o ónus da sustentabilidade no consumidor final como no fornecedor”. “A responsabilização deve sempre existir para os dois lados de modo a garantir que as atitudes sociais e a cultura à volta do consumo de descartáveis mudem”, defende. “Espero que depois dos supermercados introduzirem o preço aos consumidores não consigam aproveitar-se de alguma brecha legal para poderem arrecadar a receita mas não pagar o imposto, como aconteceu com os sacos de plástico leves ao mudarem a sua gramagem”, alerta. De acordo com o relatório do ISCTE para a Agência Portuguesa do Ambiente sobre os impactos económicos e psicossociais da taxa sobre os sacos de plástico leves publicado em 2018, em Portugal, os sacos cuja espessura é superior a 50 microns “são atualmente comercializados na maioria das caixas das superfícies comerciais com um preço equivalente ao da contribuição sobre os sacos leves, apesar de não estarem sujeitos a esta”. Ou seja, as pessoas que compram esses sacos “acham que pagam um imposto ambiental, mas na realidade compram um saco ao hipermercado”, tal como afirmou a coordenadora do centro de resíduos da Quercus, Carmen Lima, ao Polígrafo em março do ano passado.

Por isso, para David Almeida, o desincentivo aos plásticos tem de ser “mais agressivo”: “Até porque já vimos que a população voltou a uma tendência crescente do uso de sacos de plástico nos últimos anos, mesmo com o preço de dez cêntimos”, frisa. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2015, o Estado arrecadou mais de um milhão de euros com o imposto. No ano seguinte, houve uma diminuição da utilização dos sacos de plástico e foram arrecadados 90 mil euros e assim sucessivamente até 2019, ano em que a utilização voltou a aumentar. Em 2020, ano da pandemia da covid-19, recorreu-se ao take-away e o valor do imposto foi de 300 mil euros. No ano seguinte e em 2022, o Estado amealhou cerca de 900 mil euros. Até maio deste ano, o valor já estava nos 234 mil euros.

Segundo o ativista ambiental, por um lado, a taxação teria de ser maior, se quisesse de facto reduzir drasticamente o uso de sacos descartáveis. “Por exemplo, aproximando muito mais o preço dos descartáveis aos reutilizáveis levaria, a meu ver, a optarmos pela segunda opção, por ser mais duradoura”, explica. Por outro lado, continua, tem de se pensar “para além de ferramentas fiscais e orçamentais”, obrigando à “utilização de alternativas ecológicas”, nomeadamente o papel, e com “estratégias aplicadas a tornar as cadeias de fornecimento sustentáveis, visto serem uma enorme fonte de emissões e poluição nesta e em tantas outras indústrias”.

Infelizmente, David Almeida “não esperaria diferente do Governo”: “Não só porque o PS pauta-se pelo seu centrismo nas medidas que toma, mas também porque é ingénuo acreditarmos que a aplicação de políticas impactantes para o grande retalho e os seus modelos de negócios insustentáveis não implicariam também repercussões como o aumento de preços (que seriam mais rapidamente culpados na ação do Governo e não na decisão dos retalhistas)”, lamenta, reforçando que importa recordar que, em certa medida, “esta taxa para as empresas continuará a ser compensada noutro lado, nomeadamente através da borla fiscal que é o IVA Zero, agora prolongado até ao final do ano, mesmo depois desta medida não ter surtido os efeitos que foram prometidos”. “Portanto, as empresas terão poucas razões para tão cedo abandonar o plástico”.